Dançando com o diabo na cidade de Deus
A jornalista brasileira Juliana Barbassa aborda as diversas facetas do Rio de Janeiro em seu livro, recém-lançado, “Dançando com o diabo na cidade de Deus”. E avalia, entre outros, as incongruências na preparação da cidade para os Jogos Olímpicos de 2016. Ela mora atualmente em Zurique.
Nos próximos meses, todos os holofotes estarão voltados para o Rio de Janeiro, que vai sediar os Jogos Olímpicos de 2016 entre 4 e 21 de em agosto. Mas os desafios da cidade maravilhosa não têm sido poucos. A jornalista brasileira Juliana Barbassa, que passou a maior parte da infância e adolescência fora do país, mudou-se para Rio de Janeiro em 2010 para atuar como jornalista da agência de notícias Associated Press. Sua meta era entender melhor as diversas forças que atuam na cidade, cartão postal do Brasil. Desse mergulho surgiu o livro “Dancing with the Devil in the City of God” (em português, “Dançando com o diabo na cidade de Deus”), escrito originalmente em inglês, e ainda sem data de publicação em português.
A seguir, a jornalistaLink externo, que mora em Zurique, analisa os desafios e as oportunidades da cidade maravilhosa, e compara seus dilemas com os do Brasil.
swissinfo.ch: Um dos seus objetivos ao escrever ‘Dançando com o diabo na cidade de Deus’ era entender melhor esse universo complexo que é o Rio de Janeiro e o Brasil. Agora, com o livro pronto, o que fica?
Juliana Barbassa: Cheguei em 2010 no Rio de Janeiro. Na época, o Brasil tinha à frente dois importantes eventos: a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. E, é claro, uma série de grandes mudanças a operar em diversos setores, como infraestrutura e segurança. O mundo todo estava de olho no país.
swissinfo.ch: Você tem acompanhado as obras de preparação do Rio de Janeiro para o Jogos Olímpicos de 2016. O governo vai entregar o prometido? Qual a sua expectativa para o evento?
J.B.: O Rio de Janeiro vai sediar os Jogos Olímpicos e vai ser lindo de se ver. O Rio de Janeiro é uma cidade linda. Claro que nós temos a capacidade de construir a infraestrutura necessária. No entanto, para mim, a grande pergunta que fica é o custo disso tudo para o carioca e para o povo brasileiro. Depois de passado os jogos, qual é o legado disso tudo? E para isso, não é preciso nem especular. Basta olhar o que realmente ficou dos Jogos Pan-Americanos de 2007. Tivemos várias grandes obras que não foram utilizadas, foram abandonadas ou privatizadas, ou ainda são mantidas a um alto custo.
swissinfo.ch: Você poderia dar um exemplo?
J.B.: O Engenhão (Estádio Olímpico João Havelange) teve que ser completamente refeito. O teto estava para cair. O Maracanã, que foi refeito para os Jogos Pan-americanos de 2007, foi mais uma vez completamente reformado para a Copa do Mundo de 2014. O custo financeiro para o Brasil e para o Rio de Janeiro é altíssimo. E o custo-oportunidade é enorme. Ou seja, o que poderíamos ter feito não só com o dinheiro, mas com as possibilidades daquele momento, com a vontade política, se os projetos tivessem sido direcionados para as verdadeiras necessidades existentes, em vez de serem aplicados em obras que vão ser usadas por 3 semanas e depois nunca mais. Esse é o grande custo. Algo muito mais interessante poderia ter sido feito no Rio de Janeiro. E tudo indica que o que vai sobrar para as pessoas são obras e projetos que não atendem as grandes necessidades.
swissinfo.ch: Mas e o projeto de despoluição da Baía de Guanabara?
J.B.: A despoluição da Baía de Guanabara e da Lagoa Rodrigo de Freitas era uma dessas obras que atenderia as necessidades dos locais, mas já foi declarado que isso não vai acontecer. O governador do estado do Rio de Janeiro já afirmou que não conseguirá entregar uma Baía 80% limpa, que era o que havia sido prometido. Se isso tivesse sido alcançado, teríamos um ganho imenso para o Rio de Janeiro. Porque essa poluição afeta, é claro, a saúde dos atletas, mas afeta ainda muito mais, de forma direta e diária, a saúde dos cariocas. Isso a gente não vai ter.
Ficha Técnica
Livro: Dancing with Devil in the City of God (inglês)
Autora: Juliana Barbassa
Editora: Touchstone (Julho de 2015)
Páginas: 336
Outro aspecto relevante: o projeto ‘Morar Carioca’, que era pra ser o maior legado social das Olimpíadas – isso dito pela boca do prefeito do Rio de Janeiro – está parado. Os fundos se esgotaram. A promessa do ‘Morar Carioca’ era urbanizar todas as favelas do Rio de Janeiro até 2020. Teria sido um grande feito para a cidade e seus moradores, e poderia até ter sido um exemplo para o resto do mundo.
swissinfo.ch: Não dá pra falar de Rio de Janeiro sem falar de segurança. Que cidade você encontrou em 2010 e qual deixou em 2014? Como avalia o Programa de Pacificação das Favelas (PPF)?
J.B.: O Rio de Janeiro está melhor, se olharmos num contexto maior. O Rio de Janeiro já foi mais violento e ali já foi mais difícil de se viver. No momento em que cheguei, em 2010, o projeto de Pacificação já estava em andamento. Em algumas comunidades, como na Dona Marta, estava dando certo. E trazia consigo oportunidades para os moradores. Vi programas de educação, antes não possíveis, sendo implementados. Acesso a serviços, que antes não entravam na comunidade, sendo viabilizados. Mas paralelamente estavam surgindo alguns problemas. Sabe-se que para um programa desses funcionar seria preciso uma enorme mudança cultural dentro da polícia em geral e da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), em particular. Essas noções de solução pelo confronto e de ter a população da favela como inimigo tinham que mudar.
swissinfo.ch: Mas onde a situação degringolou?
J.B.: Em novembro de 2010 ocorreu aquele momento de caos urbano, em que vários atos de violência foram realizados na região metropolitana do Rio de Janeiro. Vários ônibus, carros e vans foram incendiados. Já como uma primeira reação ao que seria o processo de pacificação na favela do Alemão, o centro do Comando Vermelho, um lugar simbólico. E o que aconteceu daquele momento até agora é bem complicado. O caso da morte do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, na Rocinha, é emblemático. No final, vários policiais foram indiciados pela tortura e morte de um residente da favela. E esse é apenas um dos vários casos. Ou seja, impera na maioria das vezes a noção de que as pessoas responsáveis pela manutenção das leis e da ordem ainda agem como se estivessem acima das leis e da ordem. E no mesmo Alemão, que para mim era um lugar simbólico das possibilidades e das dificuldades do PPF, o número de mortes aumentou muito.
swissinfo.ch: A situação continua delicada…
J.B.: Os processos de tentar reformar a polícia e travar um novo relacionamento com a população da favela ainda existem. Mas é mais difícil e complicado do que se havia pensado. Ainda há o fato que se está colocando uma população civil sob o controle de uma polícia militar. E num contexto do Rio de Janeiro, com mais de mil favelas, fica tudo mais desafiador. A mentalidade de muita gente também tem que mudar. Enquanto a população carioca e brasileira tiver essa visão de que bandido bom é bandido morto, não tem como começar a discutir. É uma questão de educação.
swissinfo.ch: O Brasil está passando por uma fase crítica, com os casos de corrupção na Petrobrás, o enfraquecimento da liderança da presidente, a recessão econômica. Estamos regredindo ou isso faz parte do processo de amadurecimento?
J.B.: Eu quero ver esse momento como parte de um processo de amadurecimento. Existem vários aspectos difíceis: a decepção com as grandes expectativas que nós – e o mundo – tínhamos sobre o que o país seria capaz de atingir com o crescimento econômico e tudo mais. Talvez essas expectativas tenham sido altas demais. E talvez isso nunca tivesse sido tão possível quanto pensávamos e esperávamos. Mas se compararmos o Brasil de hoje, com recessão e os casos de corrupção, e o Brasil dos anos 80, por exemplo, com a hiperinflação e a dificuldade de planejamento que ela gera, antes era pior. A hiperinflação afetava diretamente a qualidade de vida das pessoas. Os ganhos que o país conquistou nos últimos 15, 20 anos são reais. Nesse período, o nível de educação do brasileiro cresceu. As possibilidades do país são melhores do que já foram, apesar de tudo. Até mesmo quando vemos essas crises (primeiro o Mensalão, agora o Lava Jato, etc), sabemos que está havendo uma investigação séria e que pessoas estão realmente sendo questionadas e levadas a julgamento.
swissinfo.ch: Percebemos atualmente existe uma agressividade grande na comunicação entre as pessoas. Muitas estão tomadas pela raiva, pela frustração. O que acontece?
J.B.: Uma das coisas que gostaria de ver no Brasil, e que não vejo, é um debate voltado para políticas públicas, ou seja, que não gire tanto em torno das personalidades políticas e do corporativismo, mas, sim, do bem público. O que determinada pessoa política ou partido fez? Que visão está propondo? E não esse debate de personalidades. Essa é uma praga que o Brasil tem. Veja o caso da continuidade. Entra um governo e começa um programa ou uma determinada obra. Aí chega outro governo, e para tudo. Não porque o projeto inicial não tivesse mérito, mas simplesmente porque aquilo é política do governo anterior/opositor. Isso é muito nocivo ao país.
swissinfo.ch: De onde vem essa postura?
J.B.: A impressão que eu tenho – e isso é uma visão pessoal – é que por ter instituições ainda frágeis, no Brasil as pessoas precisam contar ainda umas com as outras, com os laços de amizade, laços familiares, para sobreviver. Isso porque não se pode contar com uma estrutura governamental, institucional, minimamente eficiente. E isso faz com que as pessoas se apoiem no comportamento do ‘toma lá da cá’. Isso ocorre com a pessoa mais simples, que precisa contar com a estrutura da família porque ficou doente e perdeu dias de trabalho, e precisa de ajuda. E ocorre também nos outras estratosferas da sociedade, com a troca de favores no nível das corporações, na administração governamental, entre os políticos.
Evento em Zurique
Juliana Barbassa realiza palestra sobre seu livro no dia 21 de janeiro em Zurique. O evento, organizado em parceria com o American Women’s Club of Zurich (AWCZ), acontecerá na sede do clube, Schöntalstrasse 8 (Zurique), das 18:30 às 20:30. Mais informações pelo website http://www.awczurich.orgLink externo.
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