Suíça enfrenta o desafio de tornar bancos mais ecológicos
Governo, empresas do mercado financeiro e reguladores querem transformar a Suíça em um centro financeiro sustentável, em meio ao crescente ceticismo de grupos críticos.
A Suíça, principal centro de gestão de patrimônio do mundo, quer agora se tornar também o principal pólo mundial de finanças verdes. O objetivo é canalizar investimentos para projetos favoráveis ao clima através de títulos, fundos e outros instrumentos financeiros.
Uma enxurrada de novas iniciativas surgiu na esteira da cúpula do clima da ONU, a COP26. A organização Swiss Sustainable Finance, formada por atores dos setores público e privado, acadêmicos e investidores, apresentou um roteiro para tornar o país alpino um centro das finanças sustentáveis. O plano foi elaborado com base em um conjunto de recomendações da Associação Suíça de Gestores de Fortuna.
No início de dezembro, o governo suíço, junto com os bancos UBS e Credit Suisse, lançou um fundo de um bilhão de francos suíços (US $ 1,08 bilhão) para investir em projetos socioambientais em países em desenvolvimento.
O governo também quer emitir títulos verdes até o final do próximo ano e está apoiando projetos que tem como foco combater as iniciativas verdes falsas – apelidadas de greenwashing, termo que tem sido utilizado para designar narrativas ou empresas que apelam para a sustentabilidade e a conservação do meio ambiente como estratégia de propaganda, sem de fato promover práticas sustentáveis.
A ONG Greenpeace recentemente questionou 51 fundos sustentáveis suíços e luxemburgueses e concluiu que as iniciativas “deixam muito a desejar”. “Os chamados investimentos sustentáveis que hoje são oferecidos não só são pouco sustentáveis, como prejudicam o clima”, afirmou o GreenpeaceLink externo.
Investimentos prejudiciais
ONGs e grupos que pressionam pela agenda ecológica desconfiam das promessas do setor financeiro. Eles argumentam que, antes que os bancos, grupos de seguros e fundos de pensões criem um mercado lucrativo de finanças sustentáveis, essas mesmas entidades deveriam primeiro limpar seus próprios negócios.
O WWF classificou os esforços do Banco Nacional da Suíça (SNB) e do regulador financeiro como “amplamente insuficientes para combater a crise climática e a perda de biodiversidade”.
E a ONG Aliança Climática Suíça acusou o mercado financeiro suíço de contribuir para a desnutrição e a morte de crianças em todo o mundo por meio de investimentos em projetos de combustíveis fósseis.
“Palavras não são suficientes. Estamos sendo confrontados com enormes iniciativas de greenwashing no setor financeiro”, disse o professor Marc Chesney, presidente do Centro de Competência para Finanças Sustentáveis da Universidade de Zurique. “Um setor financeiro que fosse realmente verde deveria parar de financiar energias de combustíveis fósseis”, declarou.
Segundo Chesney, os negócios atuais dos grandes bancos mundiais e do SNB, em termos de empréstimos ou investimentos, refletem no aumento da temperatura média global no final do século, que tende a ser significativamente superior aos 1,5 a 2 ° C estipulados pelo acordo climático de Paris.
Até mesmo uma pesquisa do ministério suíço do Meio Ambiente (Bafü) descobriu que os atores financeiros investiram muito mais em combustíveis fósseis do que em energias renováveis e podem até estar contribuindo para a expansão na produção de carvão e petróleo.
Promessas concretas
Em um discurso na conferência de financiamento sustentável Building Bridges, que ocorreu do final de novembro ao início de dezembro em Genebra, o banqueiro privado suíço Patrick Odier pediu aos bancos que “façam o que falam” sobre as promessas climáticas, pelo menos colhendo “frutos mais fáceis”, como o faseamento investimentos na produção de carvão. Ele pediu aos bancos que apresentassem planos concretos para reduzir suas pegadas de CO2, mas não chegou a falar em pôr fim a todos os investimentos em combustíveis fósseis.
O grupo de consultoria alemão Zeb acredita que os bancos enfrentam uma ameaça à sua própria existência se não conseguirem se livrar do ciclo de investimentos que prejudicam o clima. “Se os atores não tiverem sucesso rapidamente, a intervenção abrangente de políticos e supervisores com as regulamentações correspondentes provavelmente não estará longe”, disse o sócio da Zeb, Dirk Holländer.
Na Suíça, é improvável que isso aconteça neste ano ou no próximo – ou nunca. A revisão do governo sobre a necessidade de novas leis financeiras que atendam aos padrões de financiamento sustentável só será concluída no final de 2022.
As instituições financeiras são obrigadas a relatar seus riscos ambientais à Autoridade de Supervisão do Mercado Financeiro, mas a Suíça segue caindo em sua própria tradição de confiar nas empresas para se autorregularem. “Atualmente não há regulamentação obrigatória na Suíça”, disse a Secretária de Estado para Finanças Internacionais, Daniella Stoffel, na conferência Building Bridges. “Acreditamos nos mercados. É sobre a escolha de cada ator: se eles querem estar no meio da multidão ou de fora da multidão”.
Um exemplo de autorregulação é um sistema de ‘Pontuação do Clima’, anunciado pelo ministro suíço das Finanças, Ueli Maurer, que mede o quão próximo os produtos financeiros se alinham da meta climática de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5 ° C. Espera-se que o sistema entre em vigor no verão de 2022.
“Piada de mau gosto”
Mas Chesney não está impressionado. “A autorregulação não funciona. É uma piada de mau gosto”, disse. “Na Suíça, a classificação de produtos precisa ser desenvolvida para definir a qualidade dos produtos sustentáveis. Especialistas independentes, sem conflito de interesses, devem estar envolvidos no desenvolvimento desses parâmetros”, aponta.
Caso a Suíça supere os desafios e se estabeleça como um centro financeiro global sustentável, as recompensas parecem promissoras. O mercado suíço de finanças sustentáveis cresceu 31% no ano passado, atingindo o valor atual de 1,52 trilhão de francos (US$1,65 trilhão), embora o tamanho do setor – ainda incipiente – dificulte a avaliação da qualidade desses produtos ou empresas.
Conforme os compromissos da COP26 são colocados em ação, “faixas de valor econômico e financeiro serão criadas e destruídas”, disse Odier, que também é presidente da Swiss Sustainable Finance. “Do lado positivo, a transição climática cria uma oportunidade no valor de $5,5 trilhões de dólares por ano internacionalmente segundo nossas estimativas.”
Parte dessa quantia poderia ser investida para tornar a Suíça líder em exportação de tecnologia verde de ponta. Um estudoLink externo divulgado pelo banco Lombard Odier e pela Universidade de Oxford afirma que a Suíça tem perdido cada vez mais vantagem competitiva neste aspecto desde 1995, em comparação com muitos outros países. Mas também há potencial para superar a lacuna junto com países como a Alemanha, que vem aumentando a inovação em áreas como energia solar e turbinas eólicas.
Um relatorioLink externo da Fundação de Investimento Sustentável Ethos calcula que as principais empresas de manufatura suíças economizariam coletivamente 34 bilhões de francos por ano (por exemplo, em energia, água e custos de terra), gastando 28 bilhões de francos anualmente se zerarem suas emissões.
Líderança mundial ou somente otimismo?
O centro financeiro suíço quer assumir a liderança em investimentos éticos. As ONGs, entretanto, temem que os bancos estejam mais interessados em lucrar do que em salvar o planeta. Uma coisa em que todos concordam é a necessidade de uma definição universal de finanças sustentáveis e parâmetros para supervisionar o setor.
O financiamento sustentável é um tipo de investimento que considera as metas ambientais, sociais e de governança (ESG) da Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável e do Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas. O objetivo é ajudar a financiar a erradicação global da pobreza, desigualdade, conflito e degradação ambiental.
“O centro financeiro suíço é pioneiro em finanças sustentáveis e está em vias de se tornar um importante centro internacional neste campo”, disse a Associação de Banqueiros Suíço, que definiu os ativos sustentáveis em crescimento como uma “prioridade máxima”.
O estudo de investimento sustentável na Suíça em 2020 aponta que nos últimos 10 anos, os investimentos sustentáveis aumentaram de 40,6 bilhões de francos para 1,16 trilhão (US$ 42,7 bilhões para US $ 1,2 trilhão), saltando 62% apenas em 2019.
Mas, ao mesmo tempo, o SNB e o setor financeiro são rotineiramente criticados por ONGs por investirem em projetos que geral prejuízos sociais e ambientais. Um estudo recente das ONGs Artisans of Transition e da Aliança Climática Suíça foi particularmente incisivo.
Otimismo vazio
O relatório criticou a “posição extremamente fraca” do SNB na avaliação dos riscos das mudanças climáticas em comparação com outros bancos centrais. O documento aponta que o banco foi responsável por 43,3 milhões de toneladas de emissões de CO2 por meio de seus investimentos em combustíveis fósseis – um número que quase não caiu nos últimos anos.
“O SNB é um modelo para todo o setor financeiro. Não está progredindo em termos de sustentabilidade, o que torna difícil que outros sigam um novo caminho”, disse Yvan Maillard Ardenti, da Aliança Climática Suiça, à swissinfo.ch.
O estudo também questionou o Credit Suisse e o UBS: embora reivindiquem ativamente credenciais sustentáveis, eles também têm um longo histórico de investimentos em projetos de combustíveis fósseis, disse a ONG. O relatório também descobriu que cerca de três quartos dos 60 maiores fundos de pensão da Suíça não têm uma política climática definida.
Há um descompasso entre as ambições declaradas pelos atores financeiros e a percepção de suas ações por grupos atentos às pautas socioambientais. As reclamações das ONGs são duplas: para cada franco que alguns bancos colocam em projetos sustentáveis, pelo menos o mesmo vai para investimentos poluentes ou socialmente danosos. Em segundo lugar, elas apontam alguns fundos de investimento sustentável comercializados por bancos apenas falam da boca para fora.
Criar um fundo que se recusa a investir em armas não é suficiente para torná-lo sustentável, diz Maillard Ardenti. “Com exceção de alguns bancos menores, o rápido crescimento do financiamento sustentável na Suíça é uma ilusão no momento”, aponta.
Desafios globais
O governo suíço também reconhece as finanças sustentáveis como uma fonte de crescimento econômico que tem potencial dano à reputação. Recentemente, o governo divulgou um relatório detalhado sobre o setor, identificando diversas áreas que necessitam melhoria. Isso inclui fornecer aos investidores informações mais claras e avaliar melhor os riscos de atividades insustentáveis, como o investimento em combustíveis fósseis.
“Em vista dos desafios globais, esforços adicionais devem ser feitos para salvaguardar e expandir ainda mais os interesses e a competitividade do centro financeiro suíço internacionalmente”, afirmou em um comunicado à imprensa.
Enquanto isso, o governo disse que favorece uma abordagem regulatória sem intervenção, permitindo que os bancos estabeleçam seus próprios padrões para o setor – embora eles devam estar alinhados com as referências das melhores práticas internacionais.
A instituição reguladora do mercado financeiro suíço diz que trabalhará para proteger os consumidores de serem “enganados por alegações exageradas ou enganosas sobre propriedades ‘verdes’, por exemplo, no caso de produtos de investimento”.
Também exigirá “divulgação melhorada dos riscos do clima financeiro pelas principais instituições financeiras, a fim de melhorar a transparência e a disciplina de mercado”. Em outras palavras, fazer com que os bancos calculem corretamente o risco de danos financeiros ou de reputação ao investir em projetos insustentáveis.
Críticas perduram
Mas o Greenpeace Suíça diz que o governo perdeu a chance de definir regras claras e vinculativas sobre finanças sustentáveis. A ONG aponta que o governo está – como sempre – atendendo aos desejos dos bancos de se autorregularem, abrindo possibilidades para que criem suas próprias regras e, em seguida, utilizem-nas em seu proveito.
“A única maneira de criar segurança para os investidores é estabelecer referências e padrões internacionalmente reconhecidos para finanças sustentáveis”, argumenta a consultoria KPMG em um relatório recente. “Ainda não existem normas vinculativas e uniformes. Isso leva a abordagens muito diferentes para lidar com a questão nas instituições financeiras, tornando a transparência mais difícil para os investidores”.
Alguns bancos também parecem confusos internamente sobre sua mensagem estratégica, mesmo entre seus próprios funcionários, diz o relatório. Isso pode resultar em graves danos à reputação, especialmente entre uma nova geração de investidores que estão ansiosos para expressar suas preocupações nas redes sociais.
Com as autoridades suíças demonstrando pouco apetite para estabelecer normas juridicamente vinculativas, o problema terá de ser resolvido por organismos internacionais, especialmente a União Europeia, conclui a KPMG.
Adaptação: Clarissa Levy
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