Suíça é mestre em planejar e construir
A Suíça profissionalizou os processos de planejamento para projetos de construção, e não apenas devido à democracia direta. Um escritório de Zurique fornece informações sobre o longo e caro processo.
A Suíça tem uma característica especial: a democracia direta. Os cidadãos podem votar em questões de interesse comum. Isto inclui grandes projetos de construção ou planos de uso do solo, ou seja, a divisão de uma área em zonas de construção, espaços abertos, terrenos agrícolas ou áreas industriais.
Pode acontecer que sejam dedicados anos de planejamento em um projeto de construção, com concursos de arquitetura, projetos detalhados e planos de projeto complicados (ver box). E no final, o parlamento ou a população dirá: “Não aprovamos”. Os custos de anos de planejamento podem então ficar encalhados para as construtoras dos edifícios.
Portanto, a construção na Suíça é um projeto complexo, caro e às vezes arriscado. É por isso que existem escritórios profissionais de planejamento que acompanham os clientes ao longo de todo o processo. Em particular, eles tentam envolver a população e outras partes afetadas em uma fase inicial, a fim de aumentar a aceitação do projeto e assim evitar um naufrágio nas urnas.
“A Suíça é pioneira em termos de participação. A este respeito nossos planos poderiam inspirar outros países”, diz Martin Vinzens, chefe da Seção de Assentamentos e Paisagens do Escritório Federal para o Desenvolvimento Urbano.
Mas como isso funciona na prática? Perguntamos a um escritório de planejamento espacial em Zurique, que nos mostra passo a passo, com base em um projeto concreto, como funciona tal processo de planejamento.
Como se constrói na Suíça?
Em 2014, um terreno anteriormente utilizado pela Companhia Suíça de Trens (SBB, na sigla em alemão), bem próximo à estação de Zurique, ficou disponível para um novo empreendimento. A proprietária, a SBB, encarregou o escritório de planejamento de Zurique, Planwerkstadt AG, de auxiliar no processo.
Etapa 1: discussão
Em primeiro lugar se discutiu internamente na SBB para determinar para que o local deveria ser utilizado, e que valor agregado traria para o bairro. A SBB favoreceu um uso misto: apartamentos seriam construídos, mas lojas e restaurantes também seriam localizados no andar térreo. As principais perguntas da SBB foram: o que faz sentido e é econômico?
“Hoje, essas reuniões teriam sido abertas e a população poderia participar”, diz Dieter Zumsteg, fundador da Planwerkstadt. “É uma tendência envolver ativamente a população e as partes interessadas. Esta prática não era comum há 20 anos.”
Etapa 2: planejamento
Em seguida, os técnicos da Planwerkstadt AG desenvolveram um estudo. Nele, a população poderia participar dos debates. Isto era importante, pois naquela época os cidadãos de Zurique começaram a pressionar a SBB, como empreendedor imobiliário a não cobrar aluguéis abusivos, mas a fazer algo também para o público. Do outro lado dos trilhos um projeto comercial controverso – a “Europa-Allee” – acabara de ser lançado.
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Europaallee um novo e polêmico bairro de Zurique
“É importante organizar bem esses debates abertos e não fazer puro brainstorming, ou seja, conversas sem influência no planejamento. Uma ação aleatória ou amadora, do tipo ‘todo mundo pode opinar’, não é sensata”, diz Zumsteg sobre este passo. “Mas para a aceitação, é importante que a população possa falar o que pensa, e contribuir com ideias.” Estas devem então ser incluídas no processo de planejamento.
A população tem sido capaz de discutir se apartamentos individuais, apartamentos familiares, alugados ou ocupados pelo proprietário devem ser construídos. “Eles já apreciavam isso”, diz Zumsteg. Logo ficou claro que só seriam construídos apartamentos de aluguel, e que estes não deveriam ser muito caros. Também foi dada atenção especial aos pisos térreos. “Eles devem agregar valor ao bairro vizinho, oferecendo lojas e restaurantes”, lembra Zumsteg.
Etapa 3: licitação para contrato de estudo
Vários escritórios de arquitetura apresentaram contribuições como parte de uma comissão de estudo. Neles esboçaram a densidade e a figura urbanística do bloco de edifícios planejado: quanta densidade pode tolerar, onde precisa de espaço aberto?
“As pessoas do bairro puderam estar presentes nas revisões provisórias, o que é bastante incomum”, diz Zumsteg. Normalmente, apenas os especialistas estão presentes. Dois representantes da população do bairro puderam ajudar a decidir qual das propostas foi favorecida.
Segundo Zumsteg, o município também estava muito envolvido, pois teve que aprovar o plano projeto mais tarde (mas reportaremos isso mais tarde).
Etapa 4: exibição dos projetos de desenvolvimento urbano
Os projetos de desenvolvimento urbano apresentados por três escritórios de arquitetura, incluindo fotos e desenhos, foram apresentados em uma exposição. O escritório de planejamento também organizou um vernissage, onde o público foi mais uma vez autorizado a participar. Finalmente, a gerência de obras acordou uma solução.
Etapa 5: plano de projeto
O escritório de arquitetura vencedor revisou mais uma vez sua proposta, de forma a servir de base para um plano de projeto privado, que poderia então ser apresentado ao município (ver box).
O plano de projeto agora tinha que ser aprovado pelo Parlamento municipal de Zurique. “Como escritório de planejamento espacial, sabemos o que as autoridades públicas exigem, e aconselhamos os clientes sobre o que eles devem oferecer em troca”, disse Zumsteg. Isto aumenta as chances de que o plano de projeto seja aprovado pelo município, e finalmente homologado pelo cantão.
Mas, mesmo que o parlamento concorde, há o risco de que alguém proponha um referendo e leve o assunto para a decisão do povo. Em municípios menores, o plano de projeto vai, de qualquer forma, diretamente para a decisão popular, ou seja, para a assembleia municipal.
“Se o plano de projeto não passar, todo o trabalho preparatório é perdido”, diz Zumsteg. “Acontece que apesar do envolvimento maciço da população na assembleia municipal, 50 pessoas dizem – às vezes por razões inexplicáveis e muitas vezes muito emotivas – ‘Não, nós não queremos isso’. É claro que isto é frustrante para o cliente, porque os custos foram enormes”, diz Zumsteg.
Neste caso específico, tudo correu bem: o projeto foi aprovado.
Passo 6: concurso de arquitetura
O próximo passo foi o anúncio de concursos de arquitetura, por parte do escritório de planejamento. Agora se tratava concretamente das edificações reais. Anteriormente era apenas uma questão de volume, densidade e uso.
Oito escritórios de arquitetura participaram de dois concursos cada um. Os dois vencedores foram autorizados a construir. Os outros tiveram azar: eles tiveram que pagar os custos do seu próprio bolso. “É um grande esforço que vai por água abaixo nos escritórios aqui”, admite Zumsteg. “Mas quando um escritório de arquitetura ganha uma grande competição, de tempos em tempos, ainda vale a pena.”
Passo 7: relatórios do júri e exposição
Agora foram investidos vários dias no processo de julgamento, durante os quais as propostas foram discutidas em detalhes. Um relatório do júri explicou as razões para a decisão a favor do projeto vencedor. O evento foi concluído com uma exposição de todas as propostas de projetos. Mais uma vez um evento para todas as partes interessadas da população.
Então começou a grande construção – mas essa é outra história, na qual o escritório de planejamento não está envolvido.
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Atrás das linhas do trem
Nesse meio tempo, os edifícios foram concluídos, inquilinos, lojas e restaurantes se mudaram para cá. “Os apartamentos eram muito procurados”, diz Zumsteg. “Afinal, é uma localização privilegiada: bem ao lado da estação principal de trens de Zurique, com uma vista desobstruída sobre o mar de trilhos, quase como às margens de um lago.”
Um plano de projeto é um instrumento legal com o qual é possível se desviar dos regulamentos de construção e zoneamento. O construtor faz uma proposta detalhada à cidade ou município para o desenvolvimento de uma área, e pode se desviar do regulamento de zoneamento real se oferecer algo em troca. Por exemplo, ele pode desviar-se da taxa de utilização ou da altura prescrita dos edifícios se ele fornecer um conceito de energia convincente, mais árvores ou moradias de baixo preço. É um tipo de comércio de troca que é praticado pelo Parlamento. Enquanto o setor privado pode atingir seus objetivos, o setor público também se beneficia. “Democracia direta” vivida assim também no planejamento e na construção.
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos
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