Suíça abandona a Iniciativa de Genebra, mas por qual alternativa?
20 anos após seu lançamento, a Suíça virou a página da Iniciativa de Genebra, pois considera que o contexto político internacional mudou radicalmente e que chegou a hora de adotar uma abordagem diferente, "mais inovadora e eficaz".
A Iniciativa de Genebra, assinada em outubro de 2003 por dois ex-ministros, um israelense e um palestino, sob o estímulo de Alexis Keller, um acadêmico suíço, pretendia ser, se não a solução definitiva para o conflito no Oriente Médio, pelo menos um primeiro passo em direção a uma resolução abrangente.
Foi “a primeira iniciativa desse tipo que propôs algo concreto a fim de resolver o conflito no Oriente Médio”, lembra Mohamed Chérif, ex-correspondente em Genebra da swissinfo.ch, que cobriu o evento.
Algum impacto?
2003 foi o ano em que os Estados Unidos invadiram o Iraque. Foi também o ano em que a segunda intifada palestina atingiu seu auge. Esse movimento de violência, em que os palestinos enfrentaram os soldados israelenses com pedras e ataques suicidas, começou após o fracasso dos Acordos de Camp David em 2000. Em retaliação, Israel bombardeou a Autoridade Palestina em Gaza e na Cisjordânia. Ao todo, houve dois mil mortos do lado palestino e mil do lado israelense.
Keller também se lembra do otimismo que acompanhou a iniciativa, cuja ideia surgiu em Genebra, em 2001, antes de ser concluída em Amã, na Jordânia, dois anos e meio depois. “Havia uma atmosfera de respeito e reconhecimento mútuos entre as duas partes, e uma verdadeira alegria e o sentimento de ter escrito a História”, conta ele em uma entrevista à SWI.
No entanto, vinte anos após a assinatura do acordo, é preciso constatar que ele não teve nenhum impacto no terreno: os assentamentos israelenses pululam e os dois países estão ancorados em um conflito latente que contabiliza mortos quase diariamente. A Suíça anunciou que não financiará mais a Iniciativa após 2023.
Essa decisão é surpreendente aos olhos do acadêmico Alexis Keller, que explica que “esse texto continua sendo o modelo mais bem-sucedido para a solução de dois estados, especialmente porque o Ministério suíço das Relações Exteriores (EDA, na sigla em alemão) não anunciou nenhuma alternativa concreta”.
Iniciativa de Genebra
A Iniciativa de Genebra é, sobretudo, obra do acadêmico genebrino Alexis Keller e de seu pai, um ex-diplomata e banqueiro. A partir de janeiro de 2001, ambos se envolveram pessoal e financeiramente no processo de negociação, que muitas vezes ocorreu no chalé da família nos Alpes Berneses.
Quase dois anos depois, em 12 de outubro de 2003, os esforços culminaram em um texto de quase 100 páginas assinado por Yossi Beilin, um ex-ministro israelense, e seu homólogo palestino, Yasser Abed Rabbo, na Jordânia.
A Iniciativa de Genebra prevê grandes concessões de ambos os lados e aborda todas as questões fundamentais do conflito: o status de Jerusalém, o destino dos refugiados palestinos e a demarcação de fronteiras.
O governo israelense se opôs fortemente ao texto, e alguns setores criticaram o que consideram uma “interferência” da Suíça nos assuntos israelenses.
A Iniciativa de Genebra não é a primeira tentativa de alcançar a paz entre Israel e os territórios palestinos. Houve os Acordos de Oslo 1 e 2, em 1993 e 1995, o Acordo de Camp David (julho de 2000) e um plano de paz apresentado pelo então presidente dos EUA, Bill Clinton (dezembro de 2000).
Iniciativa atípica
A Iniciativa de Genebra se destaca por sua disposição de abordar em um único documento as diferenças que separam os dois protagonistas: em particular, o status de Jerusalém, a evacuação de quase todos os colonos judeus da Cisjordânia e a indenização dos refugiados palestinos.
Seria o primeiro passo para trazer à mesa de negociações o então primeiro-ministro israelense Ariel Sharon e o líder da Autoridade Palestina, Yasser Arafat. O que há de inovador nessa abordagem é que ela foi elaborada por membros da sociedade civil israelense e palestina, e não negociada por chefes de Estado.
“Ela aborda os problemas de frente e depois integra os resultados em um processo mais amplo”, disse Alexis Keller, quando de seu lançamento.
Fracasso programado
Em retrospectiva, contudo, pode-se pôr a questão se ela não estava destinada ao fracasso desde o início. A Iniciativa nunca deu origem a um grande movimento de solidariedade civil em larga escala, como desejavam seus signatários.
A diplomacia suíça não era consensual, Ariel Sharon nunca teve a intenção de endossá-la e Yasser Arafat só a apoiou da boca para fora.
Para Alexis Keller, três razões podem explicar esse fracasso: “A Suíça não se comprometeu o suficiente, como a Noruega havia feito com os Acordos de Oslo. Houve também a forte rejeição de Israel e a falta de apoio dos países árabes”.
Na Suíça, também, a iniciativa causou divisões desde o início. Ela foi promovida por Micheline Calmy-Rey, membro do Partido Social Democrata (à esquerda do espectro político) e, na época, ministra suíça das Relações Exteriores. Ela mesma estava isolada dentro do governo, e nunca teve uma maioria parlamentar para apoiar sua abordagem.
Esse apoio tímido da Suíça, que diminuiu com o tempo – sua contribuiçãoLink externo caiu de 1 milhão de francos suíços em 2009 para 180 mil francos suíços em 2021 –, levou a uma falta de vontade de implementar a Iniciativa no local.
Segundo um especialista que colabora em projetos com o EDA e prefere permanecer anônimo, a Iniciativa demonstra “a ingenuidade e o desconhecimento da Suíça em relação às dinâmicas locais que dominam o Oriente Médio”. O texto contava com a sociedade civil e com a influência e peso da opinião pública israelense e palestina, o que nunca aconteceu.
Desengajamento da Suíça
Uma nova avaliação da Iniciativa, por parte da Suíça, em 2020 concluiu que sua eficácia havia diminuído devido à falta de apoio político tanto em Israel quanto na Palestina. Em janeiro de 2022, o EDA decidiu encerrarLink externo o financiamento dessa iniciativa até o final de 2023.
E anunciou uma nova estratégia para promover a paz e o desenvolvimento no Oriente Médio e no Norte da África, que será implantada em 2024. A Suíça também avalia mudar a sede da cooperação suíça de Jerusalém para Ramallah, conforme exigido pelos israelenses.
A Suíça enfatiza que o fim definitivo da Iniciativa não significa seu desengajamento na região.
Para Andreas Heller, porta-voz do EDA, é exatamente o contrário: “A busca de uma solução política para o conflito no Oriente Médio é uma prioridade da estratégia MENA (Oriente Médio e Norte da África) 2021-2024 do Conselho Federal”. Ele anuncia que o país gasta 1,8 milhão de francos suíços por ano, a fim de “promover a paz e os direitos humanos”.
De mais a mais, foi criado um novo cargo para “promover soluções concretas na região”, com a nomeação de um enviado suíço para o Oriente Médio. Esse enviado especial não substituirá os embaixadores regionais no local.
Suíça ausente
Uma política amplamente criticada por especialistas e ONGs, que acusam a Suíça de mudar o rumo de sua política externa na região. De acordo com Nago Humbert, fundador da Médecins du monde Suisse (Médicos do Mundo Suíça), a decisão de transferir o escritório de cooperação para Ramallah pode ser “interpretada como um reconhecimento implícito da anexação de Jerusalém Oriental pelo Estado de Israel”.
A declaração de Ignazio Cassis, então ministro das Relações Exteriores, durante uma viagem à região em 2018, vai na mesma direção, quando ele declarou à imprensa: “Enquanto os árabes não estiverem dispostos a conceder a Israel o direito de existir, Israel se sente ameaçado em sua existência e se defenderá”.
Para Alexis Keller, a atual política da Suíça no Oriente Médio “encobre a opacidade da política externa suíça, porque, ao apostar em ações humanitárias e ajuda ao desenvolvimento, ela está de fato voltando ao que fazia antes do acordo de Genebra. Não fazer política em uma região onde tudo é política”.
Edição: Virginie Mangin
Adaptação: Karleno Bocarro
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