Suíça ajuda países em desenvolvimento a diminuir dívidas
A ONU alerta para o endividamento dos países em desenvolvimento. Para lhes ajudar, a Suíça liberou 39 milhões de francos suíços e trabalha frente aos organismos internacionais para que as dívidas sejam reestruturadas. É o suficiente?
Uma consequência indireta da epidemia de Covid-19: a dívida dos países em desenvolvimento explodiu, pondo em risco quase 50% da população mundial. Confrontada com essa crise, que poderia comprometer o desenvolvimento econômico de uma parte dos continentes africano e sul-americano, a Suíça anunciou em setembro de 2022 que aumentaria sua contribuição anual em 39 milhões de francosLink externo a fim de ajudá-los a gerir a crise.
Esta soma, que não para de aumentar desde 2017, vem juntar-se aos mais de três bilhões de francos que ela contribui todos os anos para a ajuda ao desenvolvimento. Em 2021, essa quantia atingiu 3.2 bilhões de francos.
A Secretaria de Estado para Assuntos Econômicos (SECO, na sigla em francês) confirma em uma entrevista que uma das prioridades da política externa da Suíça para 2021-2024 é “promover o crescimento econômico sustentável nos países em desenvolvimento por meio da boa governança e de instituições públicas fortes”.
Esta contribuição coincide com um apelo lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de outubro passado. Num relatório intitulado “Evitar demasiado um pouco tardeLink externo“, a ONU adverte para as consequências catastróficas do sobre-endividamento crônico dos países mais pobres.
“Muitos países sofrem de um excesso de endividamento que os impede de financiar novos investimentos que favoreçam o crescimento e aumentem as tão necessárias despesas de desenvolvimento”, alerta o relatório.
Embora o problema da dívida dos países em desenvolvimento – e como aliviá-la – não seja novo, o PNUD e as ONGs alertam para a extensão do fenômeno, que foi agravado pela pandemia de Covid-19 e pela guerra na Ucrânia, que tem tido um impacto nas finanças públicas. A dívida chega agora a 205% do PIB dos países em desenvolvimento, em comparação com 174% em 2022.
Por sua vez, o presidente do Banco Mundial, David Malpass, chamou a atenção em outubro de 2022 para a gravidade da situação, anunciando que o mundo enfrenta uma “quinta crise de dívida”.
“Os 54 países já não podem pagar os juros da sua dívida ou saldá-la sozinhos”, explica Dominik Gross, especialista suíço em finanças internacionais e política fiscal e executivo da Alliance Sud, uma ONG sediada em Berna.
“Ineficazes e insuficientes”
Em resposta a esta nova crise, a Suíça já tinha apoiado, em fevereiro de 2022, a suspensão temporária do serviço da dívida de 48 países. Mas esta iniciativa foi criticada pelo PNUD, que denunciou não estar adaptada às necessidades dos países mais vulneráveis. Em particular, cobria apenas a dívida bilateral e impunha condições de acesso que excluíam alguns países.
Desde agosto de 2021, em parceria com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Suíça também está envolvida na implementação dos direitos de saque especiais (DSE): um instrumento monetário internacional para complementar as reservas oficiais existentes dos países membros. Para aliviar os encargos financeiros da Covid-19, o FMI havia aprovado uma alocação geral desses direitos equivalentes a 650 bilhões de dólares.
Mas uma vez que os DSE são sobretudo distribuídos aos países membros em proporção às suas cotas no FMI, apenas 275 bilhões de dólares desse montante foram para os países em desenvolvimento.
Suíça: perita em gestão de dívidas
A Suíça é um dos países menos endividados do mundo, e como tal contribui com sua experiência e conhecimentos. Tem, portanto, assento em todos os organismos internacionais que trabalham para reestruturar e aliviar a dívida dos países em desenvolvimento. É, entre outras coisas, membro do Clube de Paris, cujo papel é encontrar soluções para as dificuldades de pagamento, do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e faz parte de vários organismos do G20.
Esses diferentes mandatos lhe permitem atua diretamente na reestruturação e alívio das dívidas. Embora nunca negoceie bilateralmente, opera no seio dessas instituições internacionais por meio da Secretária de Estado para Assuntos Econômicos (SECO) e da DDC, sua agência de ajuda ao desenvolvimento.
Em termos concretos, “apoia os governos parceiros no planejamento (reembolso e investimento), aprovando orçamentos, implementando-os e, finalmente, revendo-os de acordo com as normas internacionais”, explica Lorenz Jakob, diretor de informação do setor de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico da SECO.
A Suíça oferece, por exemplo, roteiros sobre como gerir orçamentos, limitar a corrupção ou fixar o nível de tributação. Ela fornece aos países de renda média (PRMs) serviços de consultoria técnica personalizados. Também ajuda esses países a desenvolver estruturas sólidas de gestão da dívida e quadros de análise de risco para reduzir sua vulnerabilidade a choques financeiros. Os países beneficiários incluem Albânia, Egito, Colômbia, Gana, Sérvia e Tunísia.
Em setembro de 2020, patrocinou, nomeadamente, uma iniciativa do Banco Mundial para permitir ao Egito a emissão de obrigações verdes soberanas, que o Banco Mundial considerou como uma “solução financeira” sustentável.
“Este programa não visava os países mais necessitados de reservas adicionais (ou seja, os países menos ricos) e era, nesse sentido, muito ineficiente”, lamenta Lars Jensen.
Além disso, sua implementação tem sido muito lenta. O FMI, por seu turno, também se comprometeu a conceder 117 bilhões de dólares em financiamento adicional para as economias mais frágeis.
Pode-se fazer mais
Mas a solidariedade suíça não é convincente. Vários especialistas e ONG apontam para uma certa hipocrisia no discurso, particularmente em seus apelos contra a corrupção, enquanto empresas suíças experimentam repetidos escândalos nesses países. De notar os casos do Credit Suisse em MoçambiqueLink externo, o do UBS na Papua Nova GuinéLink externo ou as ligações conturbadas da GlencoreLink externo, gigante do comércio internacional sediado em Baar (cantão de Zug), com o Chade.
Criticam também a baixa participação financeira da Suíça. “Dado o papel da Suíça como país de origem dos principais credores privados, não lhe basta participar com modestas contribuições em programas de alívio da dívida do FMI ou do Banco Mundial”, salienta Dominik Gross.
Assim como o PNUD, ele espera uma maior participação de empresas privadas, especialmente bancos. No entanto, estes se beneficiam dos juros dos empréstimos que concedem aos países em desenvolvimento sem serem obrigados a participar na ajuda ao desenvolvimento.
Para melhor integrar esse capital privado, uma solução que tem sido discutida por muitos anos seria trazer a uma mesa de reunião os bancos suíços, a sociedade civil e as agências públicas de ajuda ao desenvolvimento. “Isso tornaria possível negociar soluções específicas suíças para o alívio da dívida desses países”, diz Dominik Gross.
No decorrer do verão de 2020, a Alliance Sud e outras ONGs suíçasLink externo, incluindo a Swissaid, a Action de Câreme, a Pain pour le prochain, a Helvetas e a Terre des Hommes Suisse, já tinham criticado o Conselho Federal (governo) por não responder ao seu apelo, apesar de várias intervenções de parlamentares.
A Alliance Sud também estima que a Suíça poderia transferir todos esses DSEs (11 bilhões de dólares em 2021Link externo) para países superendividados, a fim de lhes proporcionar liquidez. “Ela não precisa desses ativos”, constata ele. Mas isso exigiria uma mudança na lei sobre ajuda monetária que só o parlamento pode iniciar, o que não está previsto no momento.
Solução global
“Estamos à procura de uma resposta abrangente para ajudar a desbloquear o financiamento do desenvolvimento e encorajar o financiamento de desenvolvimento a longo prazo por parte do capital privado nos países em desenvolvimento”, explica Angela Lusigi, representante do PNUD em Gana.
Ela propõe, entre outras coisas, uma reforma abrangente do sistema de notação de crédito e apoio à reorientação das economias dos países em desenvolvimento para as exportações, o que lhes permitiria acumular divisas estrangeiras para saldar a dívida.
“A Suíça apoia a reestruturação da dívida de países cuja dívida já não é sustentável”, assegura Lorenz Jacob, diretor de informação do setor de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico da SECO, em uma entrevista à SWI.
Bom saber
Iniciativa para a Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI)
O objetivo da DSSI, uma iniciativa lançada em 2020 pelo FMI e o Banco Mundial, era fornecer recursos financeiros para ajudar os países elegíveis a combater a pandemia de Covid-19. Para participar da iniciativa, o país beneficiário deveria se comprometer a utilizar esses recursos para cobrir despesas sociais, sanitárias ou econômicas em resposta à crise.
Iniciativa em favor dos Países Pobres Altamente Endividados (PPAE)
Esta iniciativa foi lançada em 1996 pelo FMI e pelo Banco Mundial. Foi concebida para assegurar que os países mais pobres do mundo não fossem sobrecarregados pelo peso da sua dívida.
Quadro comum
O Quadro Comum considera o tratamento da dívida, caso a caso, em função dos pedidos dos países devedores elegíveis. Em resposta a um pedido de tratamento da dívida, é convocado um comitê de credores. As negociações contam com o apoio do FMI e do Banco Mundial, mais exatamente por meio da análise da viabilidade da dívida.
Análise da viabilidade da dívida
O Banco Mundial e o FMI trabalham com países de baixa riqueza para analisar regularmente a viabilidade de sua dívida. Ambas as instituições usam essa estrutura a fim de orientar as decisões de empréstimo aos países de baixa renda, de modo a equilibrar suas necessidades de financiamento e sua capacidade de pagamento, tanto agora como no futuro.
Edição: Virginie Mangin
Adaptação: Karleno Bocarro
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