Suíça disposta a devolver fundos líbios
A Suíça está pronta para devolver "rapidamente" os bens congelados da Líbia, caso as Nações Unidas levantem as sanções impostas contra o país desde fevereiro.
As autoridades helvéticas mantém bloqueados 824 milhões de dólares em bens pertencentes à Líbia. Como a maior parte dos fundos pertence ao Estado líbio, e não a Gaddafi ou ao seu clã, será fácil para a Suíça retornar os fundos às entidades líbias de transição.
Representantes do governo suíço em Berna foram rápidos em declarar sua disposição de devolver os fundos, a partir do momento em que sejam eliminadas as restrições legais impostas internacionalmente.
“Assim que as sanções da ONU contra a Líbia forem levantadas, esses fundos poderão ser devolvidos”, afirma Roland Vock, chefe do setor de sanções na Secretaria de Estado para Assuntos Econômicos (Seco, na sigla em francês) na terça-feira (23/08).
Ele disse acreditar que o Conselho de Segurança das Nações Unidas irá adaptar as sanções financeiras “rapidamente agora”. A porta-voz da Seco, Marie Avet, ressaltou que as medidas atuais haviam sido impostas pela ONU.
“Quando as sanções da ONU terminarem, será rápido liberar o dinheiro. Não é como o caso dos fundos de Mobutu (Mobutu Sese Seko, ex-líder do Zaire), onde os netos lutavam pela devolução do dinheiro. Esse não é o caso agora.”
Avet confirma que os fundos controlados pelo Estado irão retornar aos proprietários das contas bancárias na Suíça, que incluem o Banco Central da Líbia e a Empresa Nacional de Petróleo da Líbia.
Sinal verde
O ministério suíço das Relações Exteriores também ressaltou querer que a saga dos fundos tenha um avanço. “Frente aos últimos desenvolvimentos, esperamos que o processo de restituição possa ser acelerado”, declarou o porta-voz, acrescentando existir uma “grande importância” na forma como o Conselho de Segurança irá reagir aos atuais desenvolvimentos e se irá desbloquear alguns fundos líbios.
O volume de ativos é, porém, consideravelmente menor do que os bilhões que se acreditava originalmente terem sido depositados por Gaddafi e, posteriormente, retirados após o conflito diplomático entre os dois países no ano de 2008.
Outros países são depositários de somas mais consideráveis. Cerca de 40 bilhões de euros (45 bilhões de francos suíços) foram congelados em várias partes do mundo, dos quais 22 bilhões de euros estão nos Estados Unidos e 7,2 bilhões de euros na Alemanha.
O Conselho de Segurança da ONU anunciou primeiramente o embargo de venda de armas e financeiro em fevereiro, quando a chamada “Primavera Árabe” eclodiu também na Líbia.
A Suíça bloqueou fundos “potencialmente ilegais” pertencendo à Gaddafi e seu círculo próximo. A Líbia respondeu negando que o líder líbio tivesse fundos em bancos helvéticos ou em qualquer outro país.
Queda do regime
Caso o regime de Muammar Gaddafi caia, os rebeldes seriam os herdeiros por direito da principal fonte de recursos da Líbia, o Fundo de Riqueza Soberana (em inglês, Sovereign Wealth Funds – SWF). Criado em 2006 para administrar as rendas provenientes da comercialização de petróleo, e com investimentos em empresas bem cotadas em bolsas de valores europeias, o fundo é visto como uma peça-chave na reconstrução da Líbia após o conflito. Qualquer novo governo contará com esses bens para o desenvolvimento econômico futuro do país.
Acredita-se que o fundo administre 70 bilhões de dólares. Dinheiro vivo e depósitos formam a maior parte, o que corresponderia a 32,4% do total dos bens, enquanto as participações em empresas estariam na base de 11,2% e títulos, 5%.
“Uma vez que o regime de Gaddafi cai, o Fundo de Riqueza Soberana é repassado automaticamente ao novo governo, que é soberano para tomar decisões”, explica Mark Pieth, especialista em recuperação de fundos e membro do conselho de administração do Instituto de Governança da Basileia.
Quando falamos de qualquer dinheiro bloqueado pela Suíça ou bens reclamados por Gaddafi e seu clã, a Líbia está em uma melhor posição para reivindicar sua devolução do que os países vizinhos como Egito e Tunísia. Isso, pois a Líbia pode ser classificada em grande parte como um “Estado falido”. Assim é possível aplicar a nova lei suíça de recuperação de fundos de ditaduras, desenhada para tais situações voláteis, onde países estão vivendo um importante processo de transição de poder.
A Tunísia, ao contrário, está em melhores condições e foi solicitada a provar que os fundos foram obtidos ilegalmente pelo ex-chefe de governo,
Zine El-Abidine Ben-Ali, o que não é muito fácil. “É uma situação paradoxal”, admite Pieth.
Sob a lei, Gaddafi teria um tempo reduzido, algo como três meses, para provar que os fundos pertenceriam legalmente a ele, caso contrário estes seriam confiscados. “Penso que seria um interessante caso para testar a nova lei”, afirma Pieth.
A Suíça bloqueou no início das revoltas na Líbia fundos “potencialmente ilegais” pertencendo à Gaddafi e seu círculo próximo. O país respondeu negando que o líder líbio tivesse fundos em bancos helvéticos ou em qualquer outro país.
Durante os desentendimentos diplomáticos entre os dois países ocorridos em 2008, bilhões de francos em contas líbias teriam sido retirados de contas suíças. Em junho as autoridades helvéticas decidiram bloquear 650 milhões de francos (US$ 824 milhões) em bens pertencentes, em grande parte, a estatais líbias.
A Líbia não é o único caso de bens congelados na Suíça neste ano. No final de maio, os bens do presidente sírio Bashar al-Assad e nove membros do governo foram bloqueados, assim como proibido a entrada no território nacional.
A Suíça também congelou 60 milhões de francos pertencentes ao ex-presidente da Tunísia, Zine el-Abidine Ben Ali, e seu clã, além de ter identificado 400 milhões de francos em contas do ex-presidente egípcio, Hosni Mubarak, e de pessoas próximas.
Estima-se que a ela administre investimentos na ordem de 70 bilhões de dólares em várias partes do mundo.
Trata-se de um dos mais opacos fundos de riqueza soberana do mundo, com fortes ligações no governo. Em um raro relatório anual em 2009, seus administradores declararam ter 78% dos bens investidos em “instrumentos financeiros de curto prazo no exterior”.
Os administradores trabalharam para reforçar a credibilidade da Líbia nos mercados internacionais ao adquirir participações em empresas bem cotadas na bolsa de valores europeias como o banco italiano Unicredit e a editora inglesa Pearson, proprietária do jornal Financial Times.
Segundo um documento sigiloso do Departamento de Estado americano publicados pelo site Wikileaks, Mohamed Layas, chefe da Autoridade Líbia de Investimentos, disse que vários bancos dos EUA estavam fazendo a gestão, cada um, de até 500 milhões de dólares de dinheiro do fundo.
Adaptação: Alexander Thoele
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