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Plebiscitos de 18 de junho de 2023

Suíça: paraíso fiscal em busca de redenção

Fachada de um prédio
A Japan Tobacco International, que tem sua sede global em Genebra. Ela é uma das centenas de empresas multinacionais que provavelmente serão afetadas pela mudança da taxa mínima do imposto corporativo. Martial Trezzini/Keystone

Em junho, os eleitores decidem se a Suíça irá implementar um acordo global sobre a alíquota mínima de imposto corporativo. Os defensores da proposta argumentam que isso deixaria finalmente para trás a reputação sombria do país como paraíso fiscal, mas críticos alertam que o caminho ainda é longo.

Já se passaram mais de 40 anos desde que o chamado Relatório GordonLink externo, executado pelo Departamento do Tesouro dos EUA, descreveu a Suíça como “o protótipo do paraíso fiscal moderno”. Desde então, o país vem implementando várias reformas para acabar com os privilégios fiscais especiais para holdings, além de estar também compartilhando informações tributárias com outras nações e fechando algumas brechas fiscais.

Mesmo com todos esses esforços, a Suíça continua sendo regularmente apontada e envergonhada como um dos piores países infratores, quando se trata de permitir que multinacionais escapem da carga tributária que deveriam assumir. O ÍndiceLink externo de Paraísos Fiscais Empresariais de 2021, que avalia o quanto as leis e as políticas de um país permitem o abuso fiscal, classificou a Suíça em quinto lugar, logo atrás da Holanda e das notórias ilhas de baixa tributação: Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Caimã e Bermudas.

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Pois a Suíça tem uma das tributações corporativas mais baixas do mundo – sobretudo no cantão Zug, sede de multinacionais de peso como a Glencore, onde as alíquotas giram em torno de 11%.

Isso vai mudar se, em junho próximo, os eleitores suíços aprovarem uma emenda constitucional para implementar uma alíquota mínima de imposto corporativo de 15%, no âmbito de um acordo global liderado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e apoiado por mais de 130 países. Se os eleitores concordarem com a emenda, essa tributação mais alta entrará em vigor em 2024.

Depois de algumas resistências iniciais, até mesmo grupos de apoio às empresas se manifestaram a favor do acordo. Mesmo que as multinacionais passem a pagar mais impostos, argumenta-se que esta seria uma boa oportunidade de, finalmente, mudar a “percepção” da Suíça como paraíso fiscal.

“Há anos que a Suíça vem tentando mostrar à comunidade internacional que o país tem regras, é transparente e faz parte da nova ordem fiscal”, afirma Karine Uzan Mercié, diretora do setor tributário global da fabricante de materiais de construção Holcim, em um evento de mídia organizado pelos grupos de lobby econômico SwissHoldings e Economiesuisse, em março último.

“Não adotar a tributação mínima representaria dar um passo para trás e levaria uma mensagem um tanto quanto contraditória para a comunidade internacional”, completa Mercié.

Muito pouco para virar o jogo

Não há uma definição oficial e universal de paraíso fiscal, mas alíquotas baixas ou nulas de impostos são geralmente vistas como uma característica primordial neste caso. Outras definições também invocam o sigilo financeiro, bem como leis e políticas que facilitam a transferência de lucros de empresas globais para regiões com alíquotas mais baixas, a fim de diminuir a carga tributária das corporações. Isso acaba usurpando as receitas tributárias de alguns países – entre estes, muitos países em desenvolvimento.

O acordo global alinhavado em 2021 é uma tentativa de frear a corrida para reduzir os impostos corporativos – a alíquota média global caiu de cerca de 45% para 25% nos últimos 40 anos, com bilhões sendo transferidos para regiões de baixa tributação.

Definição de paraíso fiscal

Não há, portanto, consenso global sobre o que constitui um paraíso fiscal. Um dos primeiros trabalhos acadêmicos sobre o assunto descreveu os paraísos fiscaisLink externo como jurisdições de baixa tributação, que oferecem oportunidades de evasão fiscal a empresas e pessoas físicas. Entretanto, definições mais recentes optam por uma visão mais ampla que inclui a transparência e o sigilo financeiros. O grupo de pesquisadores e ativistas Tax Justice Network (Rede de Justiça Tributária) define um paraíso fiscal como um país ou jurisdição que “permite a corporações multinacionais e a pessoas físicas escapar do Estado de Direito nos países onde operam e vivem, pagando menos impostos do que deveriam”.

Há também quem faça uma distinção para o caso de jurisdições com atividades comerciais exercidas de fato. Em 1998, a OCDE utilizou quatro fatores para identificar um paraíso fiscal: a ausência de qualquer atividade comercial substancial, as baixas alíquotas de impostos, a troca insuficiente de informações e pouca transparência. O think tank estadunidense Tax Foundation, por sua vez, utiliza os conceitos de “paraíso fiscal” e “centro financeiro offshore” como sinônimos, até certo ponto, para se referir a jurisdições fiscais pequenas e bem governadas, que não têm atividade econômica doméstica substancial e impõem alíquotas de impostos baixas ou nulas a investidores estrangeiros.

A instituição de uma alíquota mínima de 15% para as corporações obrigaria a maioria dos cantões suíços, que definem seus próprios impostos, a tributar as grandes multinacionais com alíquotas efetivamente mais altas que as atuais. Isso também tornaria obsoletos alguns regimes fiscais preferenciais, tais como alíquotas mais baixas sobre a renda resultante de patentes (o que se chama de “patent box”, ou seja, “caixa de patentes”) – um mecanismo que beneficia muitas indústrias suíças, entre outras as do setor farmacêutico.

Isso ajudaria a Suíça a melhorar sua posição no ranking dos paraísos fiscais corporativos, mas os defensores da justiça tributária acreditam que os problemas ainda continuariam. Mark Bou Mansour, diretor de comunicação da Tax Justice Network, afirma que, segundo as regras da OCDE, a alíquota mínima efetiva de 15% só se aplica a empresas com pelo menos 750 milhões de euros de faturamento anual – o correspondente a aproximadamente 200 empresas sediadas na Suíça e duas mil subsidiárias de empresas estrangeiras. Ou seja, isso significa que cerca de 99% das empresas na Suíça não seriam diretamente afetadas por essas mudanças. Teria sido melhor se “a Suíça tivesse prefixado legalmente uma base tributária federal agregada, válida em todo país, de 15%”, afirma Mansour.

Dominik Gross, responsável pela política fiscal na ONG suíça Alliance Sud, também argumenta que 15% é um percentual muito baixo. Uma associação de grupos da sociedade civil, incluindo a Alliance Sud, juntamente com os Estados Unidos, havia exigido uma taxa mais próxima da alíquota média global de 25%. Isso, segundo eles, desencorajaria as empresas a movimentar constantemente os lucros em busca de uma tributação mais baixa.

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“Uma alíquota de 15% não basta como incentivo para deslocar a produção. Enquanto houver uma diferença grande no montante do imposto ou na alíquota que uma empresa paga em lugares distintos, haverá movimentação dos lucros”, afirma Gross.

As diretrizes de implementaçãoLink externo, chamadas regras GloBE e publicadas em fevereiro deste ano, também não eliminam alguns regimes especiais que beneficiam as holdings na Suíça, tais como benefícios fiscais sobre dividendos ou ganhos de capital. Alguns setores, como o comércio de mercadorias e o transporte marítimo, também usufruem de algum alívio fiscal, sobretudo se a Suíça continuar com planos para um imposto sobre tonelagem que tributaria as empresas de acordo com a capacidade de carga e não com os lucros.

Também poderia haver melhorias em termos de transparência, diz Mansour. A Suíça assinou tratados com cerca de 90 países para a troca automática de informações fiscais, mas ainda há altos níveis de sigilo no setor financeiro e nenhuma exigência de que as empresas tornem públicos seus relatórios fiscais específicos por país. Isso dificulta saber a amplitude de fato da evasão fiscal em curso.

Novas vantagens fiscais

Quem critica a nova alíquota tem em vista também as novas cláusulas das regras GloBE, destinadas a acalmar países de baixa tributação como Suíça, Irlanda e Holanda, que veem a introdução de impostos mais altos como ameaça a sua capacidade de atrair multinacionais.

As regras incluem uma exclusão baseada em substância econômica, que permite às empresas deduzir um determinado montante de renda de ativos e despesas com salários de seus tributos. Isso diminui a carga tributária dessas empresas, desde que elas exerçam uma atividade comercial real no país.

Para alcançar a alíquota efetiva de 15%, a OCDE permite o uso de um imposto adicional, ou o que o governo suíço chama de imposto suplementar, cobrado sobre os lucros excedentes quando a alíquota do imposto for inferior à tributação mínima. Uma empresa que tenha pago uma alíquota de 11% em Zug terá, portanto, que pagar um adicional de 4% sobre seus lucros.

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Não há restrições sobre as formas de uso da receita oriunda desse imposto suplementar. Alguns cantões já indicaram que planejam utilizar o dinheiro para canalizar os subsídios de volta às multinacionais, a fim de compensar qualquer perda de atratividade em função do aumento da tributação.

Embora este tenha sido um dos fatores que fez com que o acordo fosse aceito até mesmo por aqueles que estão do lado das empresas, os defensores e apoiadores de uma tributação mais justa argumentam que tais medidas invalidam o objetivo da tributação mínima, que seria colocar todos em pé de igualdade. 

“Isso transforma a tributação corporativa mínima em um programa de recompensa para os paraísos fiscais”, escreveu recentemente Gross, da Alliance Sud, em um blogLink externo, sugerindo que essas receitas sejam canalizadas para projetos sociais. “O maior problema desta reforma é que países como a Suíça, que até agora favoreceram a corrida para pressionar os impostos para baixo, oferecendo os melhores incentivos para a transferência de lucros, vão receber praticamente toda a receita adicional da tributação mínima”.

Outros países de tributação baixa, como as Bermudas, também têm jogado com a ideia de usar a receita tributária para impulsionar a competitividade no país, a exemplo da redução de impostos sobre salários ou dos direitos alfandegários.

Um outro tipo de paraíso?

Enxergar a Suíça como paraíso fiscal é algo que depende da perspectiva de quem olha. Especialistas dizem que, segundo o acordo, a Suíça permanecerá um país de tributação baixa, mas, em comparação com as décadas passadas, está respeitando cada vez mais as regras internacionais – que ela própria em parte ajudou a criar através de organizações como a OCDE.

Essas regras conduzem a Suíça para uma política fiscal que favorece a atividade empresarial real em seu território, em oposição às empresas de fachada, que estão apenas à procura de tributação baixa e de autoridades que fazem poucas perguntas.

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Isso já é um progresso, diz Kurt Schmidheiny, especialista em concorrência fiscal na Universidade da Basileia. O acordo reduzirá “a capacidade da Suíça de atrair capital desvinculado e lucros estrangeiros, diminuindo assim a erosão da base tributária em países com tributação elevada”.

Os maiores contribuintes na Suíça já são as grandes multinacionais – tais como Nestlé, Novartis, Holcim e Roche – com seus departamentos de pesquisa, desenvolvimento, administração e produção dentro do país.

“A concorrência fiscal não é, em sim, algo ruim. A imposição de uma alíquota mínima global não vai impedir essa concorrência, embora deva restringi-la de certo modo”, afirma Daniel Bunn, diretor-executivo e presidente da Tax Foundation. Mas as pessoas que “esperam uma maior tributação e menos incentivos para competir por investimentos vão continuar se decepcionando com as reformas suíças”, conclui.

Adaptação: Soraia Vilela

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