Subsídios fiscais de cantões criam problemas à Suíça
Em tempos mais felizes, a deslocalização da filial da Coca-Cola da Grécia para a Suíça teria sido recebida de braços abertos pela Suíça. No entanto, a mudança da empresa, ocorrida em meados de outubro, esconde, na verdade, uma profunda crise entre os cantões suíços.
Uma disputa com a União Europeia relacionada à redução de impostos concedida à empresas estrangeiras por alguns cantões suíços tem gerado uma grande polêmica entre estados e Confederação (governo federal). A questão envolve bilhões de francos de receitas fiscais, além de aumentar a reputação da Suíça como paraíso fiscal para multinacionais.
Enquanto isso, milhares de empresas estrangeiras esperam se beneficiar dos incentivos fiscais cantonais sobre os lucros auferidos fora da Suíça. A União Europeia quer acabar com essas regalias financeiras e os cantões temem o êxodo das empresas.
“Está começando haver um entendimento que essas discriminações devem ser renunciadas”, disse Thomas Cottier, professor de direito tributário internacional da Universidade de Berna, à swissinfo.ch. “Senão, é quase certo que teremos que enfrentar medidas de retaliação da UE”, adverte.
Em causa, a organização que representa as empresas internacionais sediadas na Suíça, a SwissHoldings. Há três anos, quase um terço dos 400 membros entrevistados acreditava que a Suíça estava se tornando menos atraente e um dos principais motivos era justamente a incerteza jurídica em torno da questão fiscal.
Bilhões em jogo
“O estudo também revela que outros países que competem nessa questão com a Suíça (como os países do Benelux, Reino Unido, França e Cingapura) também estão ansiosos para atrair empresas com condições atrativas”, advertiu na época a SwissHoldings.
O cantão de Genebra, que sedia muitas multinacionais, especialmente as empresas de commodities, também está preocupado com a crescente ameaça da União Europeia.
O cantão revelou recentemente que hospeda 945 empresas privilegiadas (de mais de 23.500 na Suíça), além de 136 de suas subsidiárias, que geram 576 milhões de francos (616 milhões de dólares) em receitas fiscais anuais.
A contribuição total dessas empresas para a economia do cantão, incluindo a criação de emprego e trabalho para outras empresas, foi estimada em CHF 3,7 bilhões, de acordo com um relatório da Universidade de Lausanne.
Redução de impostos
Uma possível saída para o impasse com a UE seria que cantões seguissem o exemplo de Neuchâtel, que no ano passado cortou os benefícios fiscais contenciosos, compensando a perda das empresas com uma redução de 50% na taxa do imposto corporativo para manter a competitividade do cantão com os concorrentes internacionais, como a Irlanda.
Essa solução pode funcionar bem em Neuchâtel, mas cria um buraco enorme nos orçamentos de outros cantões que sediam muito mais empresas.
Genebra calculou que tal medida criaria um déficit de CHF460 milhões, Zurique estima a perda em CHF850 milhões, enquanto que Basileia calcula perder CHF350 milhões. Os especialistas estimam que o cantão de Vaud perderia, assim, entre 300 a 400 milhões de francos em impostos.
Outra complicação para a reforma tributária – e uma causa de atrito interno – é um sistema de compensação financeira que requer que os cantões mais ricos financiem seus vizinhos menos abastados.
É lógico que os que pagam mais reclamam desta medida de solidariedade. O sistema relaciona diretamente o imposto de renda corporativo com o montante que os cantões têm de pagar ou receber de outros cantões. Quanto mais impostos o cantão recolhe, mais deve pagar aos outros.
Meio termo
Mas até mesmo uma abordagem coordenada e harmoniosa não pode superar facilmente o problema de como redistribuir a renda se alguns cantões são obrigados pela UE a mudar radicalmente seus sistemas tributários – e potencialmente perder impostos como resultado.
“Encontrar uma solução doméstica para a questão fiscal não é certamente mais fácil do que encontrar uma solução com a UE”, declarou ao jornal Tages Anzeiger a Secretária Estadual da Fazenda da Basileia, Eva Herzog.
Devido às suas situações únicas, cada cantão tem de encontrar a sua própria solução para atender às exigências da União Europeia. Enquanto alguns podem ser capazes de reduzir impostos para se manter competitivos, outros podem ser forçados a ser mais criativos.
Uma tática pode ser a adoção de medidas fiscais mais “eficientes” já praticadas por países da UE. Um exemplo é a chamado “caixa IP”, que permite uma taxa de imposto reduzida sobre as receitas geradas com a propriedade intelectual.
“Os cantões suíços não têm outra escolha do que encontrar um meio termo com a UE, e isso requer um esforço enorme”, disse Cottier. “Há sempre a ameaça de que as empresas possam sair da Suíça, se o sistema fiscal for menos benéfico do que antes”.
Alguns cantões taxam há décadas os lucros gerados no exterior por empresas multinacionais a uma taxa menor do que outras empresas.
Muitas empresas estrangeiras domiciliadas na Suíça são conhecidas como “caixa de correio” ou “placa de bronze”, pois não possuem presença física ou pessoal no país, apesar de estarem sediadas nele.
O endereço postal é usado para canalizar os lucros obtidos em outros países para evitar o pagamento de impostos e é o tipo de empresa mais detestado pela UE.
Em 2005, a UE argumentou que a prática viola os princípios da concorrência leal como definido pelo acordo de livre comércio com a Suíça de 1972.
A Receita Federal suíça calcula que cerca de 23.524 empresas privilegiadas por esse sistema residem na Suíça, em 2009, de um total de 334.519 empresas cadastradas.
A mesma fonte também revelou que, em 2009, essas empresas pagaram CHF3,8 bilhões em impostos federais diretos – praticamente metade dos CHF8,2 bilhões ($ 8,3 bilhões) recolhidos das empresas naquele ano.
Adaptação: Fernando Hirschy
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