Um filtro “Swiss Made” para reduzir as emissões tóxicas dos navios
Navios de transporte e passageiros estão entre os piores poluidores do planeta. A startup suíça Daphne Technology desenvolveu um filtro para reduzir drasticamente as emissões de gases tóxicos e transformá-los em fertilizantes. Uma novidade mundial.
“Até agora ninguém se preocupou com as emissões de gases por navios, pois a maior parte do tempo eles estão em alto mar e ninguém os vê. Por isso a indústria naval ainda não foi obrigada a reduzir suas emissões, como já ocorreu com a indústria automobilística”, explica Mario Michan, diretor da Daphne TechnologyLink externo.
Um grande navio de passageiros ou carga consome entre 150 e 300 toneladas de combustível por dia. Porém eles consomem o derivado mais sujo produzido através da refinação de petróleo. O petróleo bruto é um óleo residual pesado e viscoso, que permanece após a produção de gasolina, diesel ou outros combustíveis mais leves.
Sua combustão produz uma fumaça altamente tóxica e cancerígena, pois contêm enxofre e óxidos de azoto, metano e partículas finas. De acordo com um estudo da Associação de Transportes e Ambiente, cinquenta navios emitem 10 vezes mais óxido de enxofre do que todos os 260 milhões de carros em circulação na Europa.
Danos à saúde e meio ambiente
Depois de ter se beneficiado durante muito tempo de normas internacionais laxistas, a indústria naval sofre agora pressão para reduzir suas emissões. Segundo o Acordo de Paris (firmado em 2015), 170 países-membros da Organização Marítima InternacionalLink externo (OMI) concordaram em reduzir pela metade as emissões de CO2 até 2050.
Além disso, graças a uma iniciativa da União Europeia (UE), a OMI decidiu reduzir as emissões de óxido de enxofre a partir do início de 2020. Se não estiverem equipados com os filtros necessários, o combustível utilizado por navios em águas internacionais deve ter um teor máximo de enxofre de 0,5%, ao contrário dos 3,5% permitidos até agora. Em portos e zonas de controle como o Mar Báltico ou o Mar do Norte, a taxa máxima é de 0,1%, o que ainda é 100 vezes superior ao nível permitido no consumo de combustíveis em terra (0,001%).
“O enxofre é útil para o funcionamento dos motores de navios devido à boa lubricidade. Mas a sua combustão produz um gás muito danoso à saúde humana e o ambiente. O óxido de enxofre liberado na atmosfera também é a principal causa da chuva ácida e tem um efeito corrosivo sobre edifícios, fábricas e máquinas”, explica Mario Michan. Com base num estudo apresentado pela OMI, espera-se que o novo limite internacional reduza drasticamente as doenças pulmonares e cardiovasculares causadas pelo óxido de enxofre dos navios, salvando a vida de mais de 100 mil pessoas por ano em todo o mundo.
Solução permanente
“Com nosso filtro construído com base em nanotecnologia, podemos reduzir as emissões de óxido de enxofre em 99% e as emissões de óxido de nitrogênio em 85%”, explica Michan. Os gases são misturados com vapor de água, aquecidos a menos de 250 graus e levados a um reator. Aqui dentro há um sistema nanoestruturado, onde ocorre uma reação química que decompõe as moléculas. A amônia é então usada para formar compostos inertes, que podem ser reutilizados de várias maneiras, inclusive como fertilizante.
Uma dúzia de especialistas em engenharia, física, química e eletrônica testam a tecnologia em um laboratório no vilarejo de Saint-Sulpice, próximo à Lausanne. Três outros seguem com testes em um grande motor marítimo em Gotemburgo, Suécia. Ainda no verão um filtro desenvolvido pela startup será testado em navio no mar Báltico ou Mediterrâneo.
O sucesso do filtro da Daphne Technology nos testes técnicos significa um grande passo para a redução das emissões poluentes provocada por navios e permitiria que a indústria marítima se adaptasse às novas normas da OMI. As soluções utilizadas até agora são insatisfatórias, tanto do ponto de vista ambiental como econômico.
Questão de custos
“A maior parte dos armadores decidiu utilizar um combustível mais leve, com um menor teor de enxofre. Porém sua refinação tem um impacto negativo no ambiente devido às emissões de CO2. Além disso, o combustível custa mais e só pode ser usado através da adição de um lubrificante no lugar do enxofre. Outros armadores preferiram instalar filtros úmidos, que utilizam a água do mar para remover os gases tóxicos. Porém essa água contaminada acaba sendo devolvida ao mar. Se for mantida em circuito fechado, é necessário ter grandes capacidades de armazenamento nos navios, o que gera ainda mais custos”, explica o suíço.
O fundador da Daphne Technology é um especialista na indústria naval. De origem colombiana, Mario Michan embarcou por dez anos em navios da marinha colombiana e marinha mercante. Depois estudou engenharia em Vancouver, Canadá. Foi depois de receber um convite para trabalhar no CERN, em Genebra, há cerca de dez anos, que amadureceu a ideia de criar um filtro para navios. E ela começou a ser colocada em prática a partir de 2015 na Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL), onde foi estudar com o apoio de uma bolsa do governo cantonal de Vaud.
“Nos anos que estava embarcado sempre me interessava pelos problemas ambientais do transporte marítimo. Como terceiro oficial tinha também a responsabilidade de cumprir as normas estabelecidas pela Marpol, a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por NaviosLink externo. No final da carreira de marinheiro trabalhava em um navio utilizado na limpeza do mar após derrames de petróleo.”
Financiamento Internacional
Mas por que fundar uma startup ligada à indústria marítima em um país sem acesso ao mar? O colombiano responde. “Pode parecer estranho, mas foi na Suíça que encontrei o terreno ideal para essa inovação. Aqui existem especialistas, excelentes universidades e um ambiente muito favorável para abertura de empresas.”
Criada em 2017, a Daphne Technology recebeu um aporte financeiro de 2,5 milhões de francos da UE e cinco milhões de outros investidores internacionais, incluindo Saudi Aramco e Innovation Fund, um fundo belga especializado em projetos no setor químico e biológico.
Segundo Mario Michan, seu filtro poderia usado para cerca de dois terços dos 55 mil grandes navios mercantes em circulação no mundo. “Minha vida sempre esteve ligada ao mar. Por isso seria uma grande satisfação ajudar a reduzir o impacto ambiental do transporte marítimo. É um setor hoje muito criticado pelos ambientalistas, mas não podemos esquecer que desempenha um papel muito importante: afinal mais de 90% do comércio internacional de bens ocorre via marítima.”
Adaptação: Alexander Thoele
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