Que resposta é preciso dar aos atentados de Paris?
Após o choque dos ataques sangrentos em Paris, os jornais suíços estimam em sua grande maioria que a intervenção militar não será suficiente para derrotar o terrorismo islâmico. Para muitos editorialistas, a França e o Ocidente estão agora envolvidos em uma batalha de longa duração que deve envolver uma redefinição das alianças no Oriente Médio.
A resposta começou já na noite do domingo à segunda-feira. Um dilúvio de fogo de abateu sobre Raqqa, a “capital” do Estado Islâmico (EI, ou Daech), a organização terrorista que reivindicou a autoria dos atentados em Paris. Um posto de comando e um campo de treinamento foram destruídos pelas forças armadas francesas, dois dias após a mais grave onda de ataques que a França conheceu em sua história moderna (o balanço provisório é de 129 mortos e mais de 350 feridos.
Uma grande parte da imprensa suíça na segunda-feira questiona a eficácia dessas ações militares. “O inimigo é e deve continuar a ser o EI. No entanto, os ataques aéreos da coalizão da qual participa a França não irão desalojar o grupo terrorista da Síria e do Iraque. Só uma solução política que conduza ao afastamento do ditador Bachar al-Assad do poder em Damas permitirá cortar o mal pela raiz”, ressalta o La Liberté.
Para o jornal Aargauer Zeitung, o Ocidente está preso em um círculo vicioso. “Quanto mais você se implica militarmente, mais se alimenta os terroristas islâmicos”. O mesmo tom é dado pelo Tages-Anzeiger, que considera o terrorismo praticado pelo EI na Europa não como um problema militar, mas sim político. O jornal de Zurique lembra a intervenção militar americana no Iraque após os atentados de 11 de setembro de 2001 que, em sua opinião, lançou as bases para a ascensão do Estado Islâmico. “Uma razão a mais para se manter cauteloso no uso e aplicação da retórica de guerra”.
A França já estava em guerra
Le Temps exorta a moderação da França. “Dois dias após o horror que semeou o medo na França, o sangue-frio, que François Hollande também pediu no seu discurso, é uma necessidade absoluta. Esses atos terroristas, de uma amplitude inédita, também exigem lucidez”.
Para a publicação de Genebra, a França não entrou em guerra na sexta-feira. “Ela já estava em guerra no Afeganistão, Síria, Líbia em 2011 por ocasião de uma intervenção, no Mali, onde seu exército está presente até hoje. Essas guerras, cuja base vem de um processo de descolonização pouco cicatrizado, continuarão alvos no radar dos extremistas. Uma escalada nos ataques aéreos não será suficiente. A teia de terror será difícil de desmontar. A vitória contra o terrorismo é uma luta de fôlego. Ela não pode ser decretada”.
Ainda mais crítico, o Le Courrier, jornal da esquerda genebrina, estima que a “pretensão de impor democracia através de bombardeios mostra seus limites. Especialmente quando essas operações cobrem ambições imperiais como durante a segunda Guerra do Golfo”.
“Uma escalada sem fim”
Em um longo editorial, Thierry Meyer, redator-chefe do jornal 24heures, se questiona sobre a eficácia da resposta militar. “O que estamos dispostos a fazer para responder a essa barbárie, ou pelo menos para enfrentá-la? ‘Nós estamos em guerra’, disse François Hollande. Mais com que meios, quais estratégias e qual o objetivo? O Afeganistão, depois o Iraque, depois a Líbia, depois a Síria, nos mostraram, após quinze anos, que todo o poder militar do mundo, que todas as bombas não produzem mais nada do que uma escalada sem fim”.
O que fazer? O 24heures dá algumas pistas. “O discernimento recomenda uma ação em níveis múltiplos, de grande fôlego. Recusar com intransigência o discurso extremista, atacar de forma resoluta e com força os ninhos de radicalização parece uma medida indispensável e urgente. Mas o que fazer com os indivíduos envolvidos? Prendê-los? E assim fabricar bombas humanas de efeito retardado? Se a mobilização de alguns milhares de militares para quadrilhar as ruas de Paris pode ser realizada em alguns dias, recuperar o tempo perdido nos bairros pobres, educar, dar esperança, integrar e salvar essas crianças perdidas da República (e, na verdade, o fenômeno não se limita a França), representa uma geração de esforços conjuntos e coerentes. Não estamos seguros que a agenda política, alimentada pelo populismo, tenha soluções simplistas e até recursos para alcançar esse objetivo.
O Courrier, por seu lado, pede uma reflexão sobre as alianças militares e a atual geoestratégia no Oriente Médio. “O sistema da ONU está paralisado, sem nenhuma credibilidade nessa região. E o risco é que o choque causado pelos atentados na noite de sexta-feira impeça uma abordagem mais global, mais sutil, menos ideológica e mais pertinente nessa região. Talvez seja necessário colocar em questão as alianças com alguns regimes que, não apenas compraram aviões de combates da França, mas também mantém relações com o Estado Islâmico. E o que pensar da Turquia, aliada fiel e membro da OTAN e sua política de querer enfraquecer as organizações curdas por meio da expansão do jihadismo? “
A Tribune de Genève conclama aos representantes das comunidades muçulmanas e a todos os seus membros de romper com os extremistas, sem a menor ambiguidade. “Que eles não se limitem somente a condenar os atentados, mas que tomem providências nas suas próprias comunidades para descobrir e denunciar os terroristas. Todos nós queremos lhes escutar, mas também os ver em ação. Inocente? Pode ser. Portanto, isso é necessário. Os regimes que financiam com impunidade as redes de terrorismo, a Arábia Saudita, o Qatar para citar só alguns, devem ser colocados sob pressão. Sem isso, o amálgama do medo só pode aumentar”.
Fim da cultura da “inocência”?
Os jornais suíços que defendem uma linha editorial mais à direita insistem sobre a necessidade de controlar melhor o fluxo imigratório nas fronteiras. Domingo, o ministro suíço da Defesa, Ueli Maurer, membro da direita conservadora, criticou mais uma vez os acordos de Schengen-Dublin, “que não estão funcionando mais”. O jornal Neue Zürcher Zeitung (NZZ) estima que o mundo política precisa fazer perguntas “incômodas” sobre os efeitos da recente onda migratória sobre a segurança na Europa. “Aqueles que, como a Alemanha, abandonam o controle das suas fronteiras geram evidentemente novos riscos”, escreve o jornal de Zurique.
Mas são também as consequências a longo prazo dessa onda migratória sem precedentes que devem ser levadas em conta, continua o NZZ. “As sociedades europeias se tornarão mais heterogêneas, o que conduzirá a um risco maior de tensões sociais. Alguns políticos europeus reclamam uma repartição mais equilibrada de refugiados muçulmanos entre os países da UE. Os que recusam de debater a questão e não levam à sério os temores da sociedade dão força a demagogos como a líder do Front National, Marine Le Pen. Os cidadãos europeus querem respostas e não desculpas”.
Mais virulento ainda, o jornal Basler Zeitung, órgão de imprensa da direita conservadora, estima que esses ataques marcam o fim da “cultura de acolho inocente” dos países europeus. A questão da culpabilidade está ultrapassada, assim como o tempo de debates. “Entramos em guerra e as vítimas são civis. É uma guerra que a Europa e os Estados Unidos devem assumir se queremos que nossos valores sobrevivam (…). Os discursos ‘Love, Peace et Happiness’ das fronteiras abertas eram bonitos e até um pouco narcisistas. Mas considerada em um contexto de longo prazo, é algo fatal”.
Adaptação: Alexander Thoele
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