Tribunal Federal da Suíça rejeita pedido de ONG por transparência no setor de ouro
A mais alta corte da justiça negou o pedido da ONG que solicitava informações detalhadas sobre a origem do ouro importado pela Suíça.
Anunciada no último dia 15, a decisão judicial marcou uma derrota dolorosa para os grupos que defendem maior transparência no setor de ouro e uma vitória para as refinarias que protegem seus segredos comerciais.
O tribunal mais alto da Suíça determinou que o Escritório Federal de Alfândega e Controle de Fronteiras não tem o direito de fornecer informações detalhadas sobre as importações de ouro por empresas suíças, negando o pedido feito pela ONG Sociedade para os Povos Ameaçados (STP), sediada em Berna. A decisão confirmou uma determinação anterior do Tribunal Administrativo Federal.
“As informações solicitadas estão protegidas pelo sigilo fiscal imposto pela lei do IVA [imposto sobre valor agregado] e, portanto, não podem ser solicitadas com base na Lei de Transparência”, declarou o Tribunal em comunicado após a audiência pública realizada em Lausanne.
Christoph Wiedmer, diretor da ONG que fez o pedido, disse que a decisão dos juízes suíços foi uma decepção, mas não uma surpresa. Wiedmer não está convencido sobre o argumento do sigilo fiscal e declarou que os interesses econômicos do setor do ouro prevaleceram, apesar dos riscos de reputação que a cadeia do ouro representa para a Suíça.
“Foi difícil de entender”, disse ele à SWI swissinfo.ch. “Eles argumentaram isso sobre o sigilo fiscal. Nunca pedimos dados sobre dinheiro ou transferência de valores. Eram apenas quantidades de ouro e o nome do fornecedor de origem… Estamos muito decepcionados apesar de sabermos que a pressão do setor econômico seria muito grande. Eles não queriam conceder nenhuma transparência”.
Wiedmer disse que a ONG continuará a pressionar diretamente as refinarias suíças para que declarem de onde vem o seu ouro. Também apoiará os esforços para aprovar e reforçar as leis de diligência corporativa na Suíça – mesmo após a derrota da Iniciativa Empresarial Responsável, que foi rejeitada nas urnas em 2020.
A STP faz parte de um grupo de ONGs, especialistas e acadêmicos suíços que reivindicam uma maior transparência no comércio de ouro. Fundada em 1989, a missão da STP é defender os direitos dos povos indígenas em todo o mundo. A entidade fez campanhas para acabar com a mineração ilegal de ouro no Brasil, além de apoiar outras causas ambientais.
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Longa batalha judicial
Em Fevereiro de 2018, STP solicitou ao Gabinete Federal de Alfândega e Segurança de Fronteiras (FOCBS) dados sobre as importações de ouro realizadas entre 2014 e 2017 por sete empresas, incluindo dois bancos. Citando o interesse público e uma lei federal sobre o princípio da transparência na administração, a entidade pediu informações sobre as quantidades de importação de ouro, discriminadas com o nome do exportador e do importador suíço.
O FOCBS concordou em fornecer os dados. No entanto, as gigantes do setor de refinação de ouro da Suíça – Argor-Heraeus, Metalor Technologies, MKS Pamp e Valcambi – recorreram ao Tribunal Administrativo Federal questionando a decisão do FOCBS. Citaram o sigilo fiscal, o sigilo empresarial e a proteção da privacidade de terceiros.
A ONG, que desistiu de pedir os números bancários durante o processo, recorreu à Justiça Federal em 2022 solicitando ser ouvida sobre o assunto. Segundo a STP, cerca de 70% do ouro extraído no mundo é refinado ou comercializado na Suíça. Outros estudos estimam que um terço do ouro extraído no mundo e metade do ouro reciclado é processado ou refinado na nação alpina.
Em St Gallen, os juízes do Tribunal Administrativo Federal concluíram que os dados solicitados foram recolhidos para efeitos de cálculo do imposto sobre valor agregado, o IVA. Consequentemente, as informações estão enquadradas no âmbito do sigilo fiscal. Na interpretação dos juízes, o fato dos dados poderem ser utilizados para outros fins era irrelevante, de acordo com os documentos judiciais. A decisão de Lausanne na quarta-feira seguiu a mesma lógica.
“Esta decisão mostra até onde ainda temos que ir para alcançar uma maior transparência sobre o fornecimento de ouro às refinarias”, disse Marc Ummel, chefe de matérias-primas da ONG Swissaid. “No entanto, já está na hora das refinarias assumirem a responsabilidade pelos seus fornecimentos e pelas condições em que esse ouro foi extraído, divulgando os nomes dos seus fornecedores.”
Mark Pieth, autor do livro Lavagem de ouro: os segredos sujos do comércio de ouro, concordou dizendo que a decisão marcou “um verdadeiro retrocesso para as refinarias no caminho para uma produção de ouro sustentável. Há razões pelas quais a transparência é essencial: pense na Venezuela, na Ouro do Amazonas ou de ouro que vem de áreas de conflito como Sudão e Rússia”.
Série de escândalos
Onde e como a Suíça obtém o seu ouro são questões que têm atraído cada vez mais atenção da mídia e do público.
Os danos ambientais associados à mineração de ouro colocaram o setor sob maior escrutínio à medida que o mundo luta para enfrentar as mudanças climáticas. O papel do ouro no financiamento da guerra da Rússia contra a Ucrânia também tornou esquentou o tema.
O jornal Le Temps denunciou novas controvérsias no setor de ouro suíço no mês passado. A refinaria MKS Pamp, com sede no Ticino, por exemplo, alegadamente obtém ouro da mina de ouro New Liberty, na Libéria, ligada à poluição fluvial.
Mas essa não é a única refinaria investigada. No mesmo artigo, a ONG Action de Carême criticou a Argor-Heraeus, outra refinaria suíça, por obter ouro da Colômbia em áreas onde adolescentes trabalham na extração do ouro.
A maior refinaria da Suíça, Valcambi, também apareceu em manchetes neste ano. Ao contrário do que havia declarado, a companhia continuou a importar ouro do negociante e refinador de metais preciosos Kaloti depois de 2019 – de acordo com uma investigação da emissora pública suíça RTS. Kaloti, com sede em Dubai, foi acusado de lavagem de dinheiro e comércio de ouro proveniente de áreas de conflito.
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A principal procura de ouro na Suíça provém da indústria do ouro e da relojoaria (cerca de 50%). O ouro para investimento e o ouro detido pelos bancos centrais constituem a maior parte do restante (cerca de 37%). Dispositivos médicos e uma ampla variedade de eletrônicos, incluindo computadores e telefones, também utilizam ouro.
Transparência versus competitividade
A decisão do Tribunal Federal foi uma vitória para as refinarias suíças. A Associação Suíça de Fabricantes e Comerciantes de Metais Preciosos (ASFCMP), que recentemente excluiu a Valcambi de sua lista de associadas devido a uma disputa sobre as práticas de fornecimento, afirma estar alinhada com o objetivo da STP de tornar a cadeia de valor mais transparente e mais sustentável.
“Mas é definitivamente verdade que nós da associação vemos o termo transparência um pouco diferente de como a ONG o vê”, disse o presidente da associação e ex-CEO da Argor-Heraeus, Christoph Wilder, à SWI swissinfo.ch antes da audiência. A própria ASFCMP não é parte no processo.
“Temos que criar esse tipo de transparência de outras maneiras”, argumentou. “Temos que garantir transparência perante uma autoridade que seja aceita por todas as partes interessadas e que possa fiscalizar o trabalho de uma refinaria ou de outro mediador da nossa cadeia de produção”.
A ASFCMP tem defendido há vários anos o reforço do papel do Gabinete Central de Controle de Metais Preciosos como regulador governamental. “Eles têm que realizar auditorias e poder estabelecer punições para aqueles atores comerciais que não estão dispostos a melhorar”, diz Wilder. “Mas para isso, o [gabinete] precisa de mais estrutura em termos de pessoal e instrumentos jurídicos.”
A concorrência na Suíça, observou ele, é extremamente elevada, assim como a concorrência internacional. Na opinião dos refinadores, os dados dos clientes são dados sensíveis. Ao ficar do lado das refinarias suíças, o Tribunal Federal ajudou a proteger o cenário competitivo da Suíça. “Não podemos e não queremos partilhar os dados dos clientes com todos”, sublinhou.
Ventos de mudança
Outros atores envolvidos na cadeia de abastecimento, no entanto, parecem estar a abraçar a transparência.
As empresas de mineração de ouro – pelo menos os 33 membros do Conselho Mundial do Ouro – abraçaram a necessidade de maior transparência nas suas cadeias de abastecimento. Em setembro, comprometeram-se a aderir à plataforma Gold Bar Integrity (GBI) e a fornecer “dados essenciais” sobre o ouro que produziram aos seus parceiros de refinação.
Ummel, o investigador da Swissaid, observa que cada vez mais informações sobre a cadeia de abastecimento da indústria do ouro estão disponíveis ao público. As informações, segundo ele, poderiam ser disponibilizadas pelas empresas de mineração, bem como pelas companhias mediadoras ou que se encontram no final da cadeia de abastecimento, como empresas de relojoaria e joalharia.
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“A transparência fortalece a responsabilidade dos atores empresariais no setor do ouro e encoraja-os a tomar as medidas necessárias para combater violações de direitos humanos e os danos ambientais”, disse ele. “Quando se trata de refinarias, porém, há muita opacidade… [elas] usam o argumento do sigilo comercial e da concorrência para manter os nomes de seus fornecedores em sigilo, quando na verdade a questão central é o risco que correm de serem descobertos .”
(Adaptação: Clarissa Levy)
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