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Uma fonte de energia dos pântanos

Illustration montrant un bateau à vapeur sur un marais
O barco a vapor anunciou a era de ouro da extração de turfa. Illustration de Marco Heer

O risco de escassez de energia não é novo na Suíça, e em diversas ocasiões a demanda por energia superou a oferta. Atualmente, uma fonte de energia que costumava ser regularmente utilizada no passado, especialmente em tempos de crise, é proibida: trata-se da turfa.

Este artigo foi extraído do blog do Museu Nacional Suíço e publicado originalmenteLink externo em 21 de novembro de 2023.

A história da extração de turfa como fonte de energia remonta, na Suíça, ao final do século 17, com a sobre-exploração das florestas locais, a consequente escassez de madeira e o aumento da população. A extração de combustível das turfeiras começou, portanto, relativamente tarde, sobretudo em comparação com o norte da Alemanha e a Holanda. Composta por resíduos vegetais fossilizados, a turfa constitui uma etapa intermédia na formação do carvão. Uma vez seca, ela possui um interessante poder calorífico.

Em 1737, a Holzkammer (Câmara da Madeira) da cidade de Berna considerou pela primeira vez a utilização da turfa como substituto da madeira. Esta comissão era responsável por abastecer a população e as indústrias com lenha para aquecimento e materiais de construção.

As primeiras tentativas de “turfação” ocorreram na turfeira de Lörmoos, a alguns quilômetros a noroeste de Berna. A matéria orgânica extraída, conhecida como “madeira subterrânea”, servia de combustível para aquecer os hospitais inferiores e superiores. Mas a escassez de madeira persistia e a Câmara da Madeira viu-se obrigada a explorar novas turfeiras.

Em 1786, foi promulgado um decreto que previa fornecer aos cidadãos e cidadãs carentes mais turfa em vez de madeira e aquecer os edifícios administrativos de igual modo, o que aumentou ainda mais as necessidades. A Câmara da Madeira teve mais uma vez que procurar por turfeiras, encontrando-as em Schwarzenegg, a nordeste de Thun, na margem direita do vale do Zulg, uma região marcada pela última era glacial.

Várias morenas frontais, que se estendem sobre as colinas na fronteira entre o vale do Emme e o Oberland bernense, criaram numerosas bacias cobertas por um substrato argiloso e impermeável, favorecendo o aparecimento de um grande número de turfeiras. Em um desses locais, a cidade de Berna podia extrair cerca de 1.500 tanques de turfa por anoLink externo.

Homme en train d extraire de la tourbe
Um homem extraindo turfa em Schwarzenegg, reportagem fotográfica de Hans Ruedi Bramaz, 1977. Eth-bibliothek Zürich

Contudo, a região mais propícia para a extração de turfa situava-se a oeste do cantão, no Grande Pântano. Foi nesta imensa área pantanosa, localizada às margens dos lagos no sopé do Jura, que no início do século 17 as comunas vizinhas começaram a extrair turfa, geralmente destinada ao consumo doméstico.

A primeira correção das águas do Jura, entre 1868 e 1891, drenou aproximadamente 400 quilômetros quadrados de pântanos. Este foi o período ideal para desenvolver a extração de turfa, dado que a industrialização emergente e o surgimento de ferroviasLink externo e barcos a vapor como meios de transporte consumiam cada vez mais combustíveis. Havia começado a idade de ouro da turfa.

Canal dans une plaine
Vista do Monte Vully sobre o Grand-Marais com o Canal Broye, fotografia colorida de Leo Wehrli, 1942. Eth-bibliothek Zürich

A fundação da Berner Torfgesellschaft (BTG ou Sociedade de Turfa de Berna) em 1857 é anterior à correção das águas do Jura. Seu principal objetivo era extrair e vender a imponente jazida de turfa na região de Hagneck. Mas a empresa também adquiriu os direitos de exploração de uma série de outros locais.

O transporte dessa enorme quantidade de turfa logo exigiu meios mecânicos. A empresa comprou um barco a vapor com rotores, recorrendo depois à ferrovia para continuar o transporte. Em 1864, assinou um contrato de venda de oito mil “toesas”Link externo por ano com as Ferrovias do Estado de Berna. A empresa ferroviária utilizava esse combustível para operar suas doze locomotivas a vapor.

Extraction de tourbe dans un champ
Extração de turfa em 1920. Eth-bibliothek Zürich

A turfa de Schwarzenegg também encontrou comprador: a companhia de navegação a vapor havia convertido alguns de seus barcos no Lago de ThunLink externo para funcionarem com turfa, tornando-se uma das felizes compradoras desse combustível. A empresa até possuía seu próprio pântano, o pântano inferior de Wachseldorn.

No entanto, com a melhoria dos meios de transporte, graças à utilização da força motriz a vapor, a turfa passou a enfrentar um novo concorrente: o carvão. Em 1850, o carvão ainda estava classificado atrás da turfa entre os vetores energéticos na Suíça, com uma participação de 3% (em comparação com 9% para a turfa), e estava ausente no cenário energético do país.

O rápido desenvolvimento das ferrovias fez com que as importações de carvão, principalmente da Alemanha, aumentassem consideravelmente em pouco tempo. Ao contrário do carvão suíço, o carvão proveniente do exterior era mais barato e de melhor qualidade. No início do século 20, a participação do carvão no consumo bruto de energia na Suíça atingia quase 80%.

Plan d eau près d une forêt
O pântano de Wachseldorn, na margem direita do vale Zulg. A extração de turfa foi praticada aqui até a década de 1960. Quatro cabanas de turfa são visíveis ao fundo; elas eram usadas para armazenar turfa. Atualmente, o pântano baixo e o pântano alto de Wachseldorn são áreas naturais protegidas de interesse nacional. Photo: Reto Bleuer

Embora o triunfo do carvão tenha rapidamente ultrapassado a turfa, a extração de turfa continuou em menor quantidade, sendo ainda utilizada principalmente nas zonas rurais como combustível para aquecimento. No lago de Thun, barcos movidos a turfa navegaram até 1889.

Durante os períodos de crise que se seguiram, quando as importações de carvão registraram uma diminuição considerável, a extração de turfa conheceu um renascimento e intensificou-se. Assim, durante as duas guerras mundiais, mais de 2,5 milhões de toneladas de turfa foram extraídas e exploradas na Suíça. É por essa razão, e também devido à drenagem dos pântanos para liberar novas terras, que muitas turfeiras desapareceram completamente ao longo do século 20.

Só em 1987 é que a extração de turfa foi definitivamente proibida, graças à Iniciativa de RothenthurmLink externo, lançada com o objetivo de “proteger os pântanos suíços”, garantindo assim a preservação duradoura das turfeiras remanescentes – apenas dez por cento da superfície original das áreas pantanosas da Suíça.

Adaptação: Karleno Bocarro

swissinfo.ch reproduz regularmente artigos do blog do Museu Nacional SuíçoLink externo sobre temas históricos. Artigos são publicados semanalmente em alemão, francês e inglês.

O autor

Reto Bleuer é um colaborador voluntário do Serviço Arqueológico do Cantão de Berna.

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