Uma revista em português criada na Suíça
Publicação digital, lançada pela Universidade de Genebra em parceria com a de Zurique, quer "difundir as culturas e literaturas em língua portuguesa".
Uma revista em português que vai tratar de literatura, história e estudos culturais acaba de ser lançada na Suíça. O primeiro número de “Língua-lugar”, publicação do Centro de Estudos Lusófonos da Universidade de GenebraLink externo (CELUG) em parceria com o Seminário Neolatino da Universidade de ZuriqueLink externo, foi apresentado ontem em um lançamento online que contou com a participação dos idealizadores, membros do comitê editorial e convidados.
A revista, que será semestral, pode ser acessada nesse LINKLink externo e lida nas versões integral ou artigo por artigo. O leitor também tem a opção de imprimir os textos, disponíveis em português e francês, para ler com calma ou guardá-los.
A professora portuguesa Nazaré Torrão, responsável pela Unidade de Português e diretora do CELUG, explicou à swissinfo.ch como surgiu a ideia de criar uma publicação desse tipo:
“A ideia da revista nasceu porque, ao organizar colóquios, pequenos encontros temáticos, workshops, ciclos de conferência, eu achava uma pena não poder publicar. Elas ficarem ali apenas para as pessoas que ouviam. Achava que era importante haver uma publicação que fosse democraticamente acessível a todos. Portanto, a minha preocupação era que toda a gente pudesse ler esses artigos, ter acesso a tudo isso que era dito, discutido. A ideia começou a ser, em parte, para permitir publicar dossiês relativos aos temas que são apresentados nesses ciclos de conferência”, disse, acrescentando que o conteúdo é “de acesso completamente grátis e livre a qualquer pessoa que tem internet”.
Nazaré explicou que neste primeiro número há, por exemplo, um dossiê sobre a exposição que houve há mais de 20 anos em Lisboa, a Expo’98, coordenado por Pedro Cerdeira, da Universidade de Genebra.
“Fazemos uma leitura de como foi vista nessa altura a identidade portuguesa, a importância dos oceanos na identidade portuguesa, qual foi a releitura da identidade nacional que foi feita aí através das exposições, das obras, dos discursos”, contou à swissinfo.ch.
O que a revista quer ser
“Num momento em que as discussões sobre culturas e identidade se tornam mais acesas e polarizadas é necessário criar instrumentos que reflitam de modo criterioso e científico sobre essas questões. Língua-lugar pretende ser um instrumento de discussão e partilha, através de artigos, entrevistas e criação artística e literária”. É assim que os “pais” da revista apresentam a publicação. É isso que a revista deseja ser.
“É muito interessante pensar que a revista pode ser a constituição de um espaço para a reflexão em português na Suíça. São poucas as universidades que têm uma posição mais clara em relação ao ensino da língua portuguesa (universidades de Genebra e de Zurique). Eu imagino que uma revista como essa pode também gerar futuras parcerias com universidades que têm abertura para a literatura, a história em português. Junto com a revista também existe o projeto de ensino”, diz o professor Eduardo Jorge de Oliveira, da Universidade de Zurique, que foi convidado por Nazaré Torrão para a parceria.
Há quase quatro anos em Zurique, o brasileiro, de Fortaleza, trabalha como professor assistente de “Estudos Brasileiros (Literatura, Cultura e Mídia)” em Zurique, desenvolvendo trabalhos em literatura e artes.
“A gente quer difundir os estudos em língua portuguesa, fazer com que circulem os estudos aqui na Suíça”, diz Eduardo, explicando que o público-alvo é aquele que está interessado em literatura em português.
“Queremos que as pessoas que tenham vontade de aprofundar mais as leituras, os debates, também tenham acesso a essa revista”, afirma ele, que escreveu para o primeiro número um ensaio sobre um poeta e uma filósofa portugueses.
Quando ver de longe é ver melhor
Para Alexander Keese, professor na Universidade de Genebra, é importante ter uma revista interdisciplinar em língua portuguesa organizada e preparada em outro país, no caso, a Suíça. “Muitas vezes, a distância que existe, a possibilidade de ver também as coisas um pouco do exterior, permite ter resultados com melhor reflexão, sempre quando existe o bom contato com os nossos colegas e amigos portugueses, brasileiros, angolanos, moçambicanos. Essa posição de estar um pouco fora, mas em contato estreito com a comunidade lusófona, é um dos elementos que vai dar força a esse projeto de revista”, disse ele, também integrante da comissão editorial da publicação.
Durante o lançamento, André Masseno, doutor em Literatura em Língua Portuguesa pela Universidade de Zurique, onde também atua como assistente, falou de alguns temas já previstos para as próximas edições. Em dezembro deste ano, quando será publicado o segundo número, o tema do dossiê será “alteridade”. E eles já estão de olho lá na frente, em 2022: no número 5, um assunto bem familiar aos brasileiros será discutido pela revista: “a Semana de Arte Moderna de São Paulo: 100 anos depois”.
No primeiro número, André colaborou, escrevendo para a revista “Linguagem em delírio: a literatura contracultural brasileira nos anos 60 e 70”.
Durante o lançamento, a professora Ana Maria Martinho apresentou a “Língua-lugar”, comentando, de maneira crítica, cada texto publicado.
“Todos os textos nos interpelam de alguma maneira relativamente inesperada. Enquanto conjunto, constituem efetivamente uma espécie de narrativa que tem um nexo. É impossível nós lermos esses textos e não pensarmos no debate que se está a fazer nesse momento de diferentes formas: como é que se gere a ocupação e as formas de validação das interpretações do espaço público e seus objetos”, afirmou a professora, que ainda destacou a entrevista feita pela professora Nazaré Torrão com a escritora portuguesa Lídia Jorge, também presente no lançamento online da revista.
Segundo Lídia, a publicação “inscreve-se, de uma forma incrível, na atualidade dos dias que correm”. Além disso, “sendo uma revista sobre a língua portuguesa, feita na Suíça, um país central na Europa, significa alguma coisa de importante”. “Essa crença de que se está a contribuir para uma espécie de visão múltipla daquilo que é a Europa é o que essa revista está a fazer. Sem esse olhar, a Europa é muito mais pobre”, diz Lídia.
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.