Vale rechaça críticas sobre isenção fiscal
A Vale Internacional, sediada na Suíça, está no centro de uma controvérsia, inclusive nos tribunais, acerca do acordo de isenção fiscal por dez anos, quando da implantação na Suíça, em 2006. Dias antes de uma decisão desfavorável na justiça regional, o presidente da Vale Internacional, Renato Neves, concedeu entrevista à swissinfo.ch.
Um confito entre o fisco federal e o fisco do estado de Vaud está se transformando em conflito entre a Vale e as autoridades fiscais suíças. Desde sua implantação na cidadezinha de Saint-Prex, no estado de Vaud (oeste da Suíça),em 2006, a Vale fez um acordo de dez anos para isenção da totalidade de impostos estaduais e municiapais e de 80% do imposto federal.
No início deste ano, o fisco federal, através do Ministério da Economia, entrou na justiça de Vaud para reduzir o imposto federal a 60%. A Vale apresentou seus arugmentos, mas o tribunal não deu razão à multinacional brasileira. A Vale pagou 285 milhões de francos de imposto federal no período 2006-2009, mas o governo federal reclama outros 212 milhões.
A Vale Internacional contesta junto à administração cantonal de impostos os 212 milhões adicionais para o período 2006-2009. A informação foi confirmada ao jornal 24 Heures por Geert van der Molen, diretor do departamento de impostos da Vale Internacional. Se o fisco cantonal tomar uma decisão contra a Vale, ainda há duas instâncias de recurso – o Tribunal estadual e o Supremo – para a multinacional brasileira.
Muitas outras empresas, nacionais e estrangeiras, tem acordos similares na Suíça.
Na entrevista a seguir, dias antes da decisão do tribunal de primeira instância, o presidente da Vale Internacional, Renato Neves, explica a posição da empresa e também fala dos negícios da Vale Internacional.
swissinfo.ch: Com 46 anos de serviço na Vale, o senhor está gostando da Suíça?
Renato Neves: A Suíça é um país formidável. Eu morei 13 anos no Japão, morei em Cingapura, e nunca imaginava vir morar na Europa. Eu vim para cá em 2008, a pedido da Vale, para cumprir as exigências que a Vale tinha acordado com o governo e com o cantão (estado) de Vaud. Estou muito feliz aqui. Gosto do país, da organização e da geografia. A geografia é muito importante porque cinco à frente do Brasil, sete horas atrás da Ásia.
Aqui o povo fala várias línguas, é muito educado. Tem universidades fabulosas aqui, escolas de negócios (Management schools). Você também tem todas as facilidades aqui de infraestruturas (estradas, aeroportos) e tudo isso é bom para os negócios da Vale. Localizado aqui, você pode atender os clientes da Europa (França, Inglaterra, Itália, Alemanha), você pode atender os clientes da Ásia, que é só 12 horas de viagem, e também o Brasil, igualmente com 12 horas de viagem. Então essa localização central é muito boa para nós.
swissinfo.ch: Essas são algumas das razões da Vale se instalar aqui?
R.N.: Eu diria que essas são as maiores razões. Além da infraestrutura, tem o conforto, a estabilidade econômica e financeira, um povo culto. Quando você precisa trazer pessoas para a Vale, é necessário falar duas ou três línguas, no mínimo. Todas as pessoas aqui são assim.
swissinfo.ch: A isenção fiscal não foi um fator determinante para a Vale se instalar na Suíça?
R.N.: O acordo fiscal não é o mais importante. O mais importante são os fatores que já citei acima (geografia, universidades, infraestrutura, mão de obra técnica), fatores para importantes para o nosso negócio. Para isso, precisamos de gente treinada e isso conseguimos aqui. Hoje a Vale é a maior empresa privada da América do Sul e a segunda maior mineradora do mundo. A primeira é a BHP. Hoje a Vale tem 174 mil empregados.
swissinfo.ch.: Como é que o senhor explica então essa polêmica em torno das isenções fiscais da Vale na Suíça?
R.N.: Foi uma surpresa para nós, mas é um problema interno da Suíça, um problema mais político. Eu raramente falo de política, não gosto. Dou opinião na política do Brasil. Fora Brasil, eu deixo para os políticos daqui decidirem o que é melhor para o país, para o estado e para o governo federal.
swissinfo.ch: Os acordos de isenção fiscal são de dez anos, mas podem ser revistos em cinco anos. Essas negociações já começaram?
R.N.: Não temos intenção de fazer nenhuma renegociação. Nós temos um acordo, que foi feito em 2004, com as condições conhecidas: investir na construção de uma sede, que era 4 milhões e nós investimos 50 milhões; era para ter 35 pessoas, temos 117; era para gastar 1, 5 milhão de francos em projetos, gastamos 7, 2 milhões. Nós ultrapassamos todos os termos do acordo e sempre informamos tudo para o governo, desde 2006. Somente em janeiro de 2012 é que fomos informados que eles estavam insatisfeitos porque não cumprimos algumas regras do acordo. E nós cumprimos tudo.
Então esse conflito surgiu do nada. Isso acaba estragando a imagem da Vale, do cantão de Vaud e da Suíça. De um modo geral, os três são prejudicados porque isso virou uma coisa muito grande no mercado. Então eu espero que o bom senso prevaleça.
swissinfo: A vale não tem o hábito de lidar com esse tipo de controvérsia?
R.N.: Não, a Vale não tem muita controvérsia. É uma empresa aberta. Temos relatórios muito positivos, como o 20S do governo americano e de sustentabilidade. A Vale investe muito na comunidade onde trabalha, no Brasil e fora do Brasil. A Vale não é uma empresa que só vai lá e tira, ela tira e investe muito. Em 2005, nós tivemos um grande aumento de preços das matérias primas e a Vale usou aquele dinheiro para investir na própria Vale. Investir na expansão, nas comunidades, projeto Vale Música e centros esportivos de excelência para crianças.
swissinfo.ch: Sabe-se que as multinacionais podem movimentar lucros para onde se paga menos imposto. A Vale também faz isso aqui?
R.N.: Não, a Vale faz os acordos dela e paga normalmente os impostos. Se a Vale tem uma operação na África, ela paga na África, se tem uma operação no Canadá, paga no Canadá. Ela tem acordos com os governos locais, como tem com a Suíça. Então não se pode dizer que ela trouxe alguma coisa para cá. A Vale cresceu muito, ficou rica, vendendo os produtos dela. A Vale não fica rica economizando impostos de 200 milhões ou mais. Esse não o nosso negócio. Nosso negócio é vender nossos produtos e isso a gente faz muito bem.
swissinfo.ch: Quais os objetivos de crescimento da Vale Internacional?
R.N.: Quando nos instalamos aqui, a Europa era nosso maior cliente até 2008. Nós vendíamos então muito para a Europa e uma parte para a Ásia. Com a crise, a Europa sofreu muito e reduziu bastante as compras da Vale. O que a Europa não comprou a Vale teve de vender na Ásia, onde abrimos um mercado muito grande, principalmente na China.
Se você vê os resultados da Vale, 2008 foi bom, 2009 caiu muito e 2010 nós recuperamos. Recuperamos porque entendemos o que aconteceu com a Europa, mas tínhamos que agir. Se não consigo vender na Europa, vou vender em outro lugar e começamos a vender na Ásia e hoje em dia a Ásia é o maior mercado nosso.
swissinfo.ch: Ou seja, para a Vale é um “negócio da China”?
R.N.: A China ajudou muito a Vale e a gente sempre reza para a China continuar crescendo. Mas não é só a China como o Japão, a Coreia. Aqui na Europa, temos grandes clientes, mas hoje a produção nominal deles é de 75 a 80% da capacidade. Eu espero que a Europa se recupere, mas a posição da Vale na Europa e aqui na Suíça não vai mudar por causa do mercado europeu, mas porque você comunicar com os clientes com grande facilidade.
swissinfo.ch: Inicialmente a Vale Internacional se instalou aqui para trabalhar com os mercados da Europa e Oriente Médio. Agora essa estratégia mudou?
R.N.: Não é que mudou. É dedicada à Europa e Oriente Médio mas também a Ásia tem agora um papel muito importante. Acredito ainda que a Índia vai crescer porque tem grande potencial e uma população muito grande o sudeste asiático. Estamos montando um centro de distribuição na Malásia, estamos presentes no porto de Omã para atender o Oriente Médio. Se você dividir o mundo ao meio, a Ásia tem uma população muito maior do que a outra metade. Então a tendência de crescimento é muito grande.
Questionado, por questões de política interra, pelas insenções fiscais concedidas a centenas de empresas, o governo do estado de Vaud, onde está instalada a Vale, explica:
8.100 empregos foram criados por essas empresas, que investiram 3 bilhões de francos nos últimos anos.
Sem as isenções, essas empresas seriam instaladas em outros cantões suíços ou no estrangeiro.
Essas empresas pagaram salários de 1,219 bilhões de francos suíços e cotizações sociais de 126 milhões.
Fonte: agência de notícias ATS
Renato Lopes Peixoto Neves nasceu no Rio de Janeiro em 1945. É casado e tem três filhos.
É formado em economia pelas Faculdades Cândido Mendes, no Rio de Janeiro e pós-graduado em engenharia econômica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É MBA pela Kellog Graduate Schools of Management em Evanston, EUA.
Começou a trabalhar na Vale do Rio Doce, hoje somente Vale, no Rio de Janeiro, em setembro de 1965.
Trabalhou na Vale Ásia no Japão de 1984 a 1988 e de 1998 a 2007.
Trabalha na Vale Internacional (Suíça) desde novembro de 2007 e é presidente da Vale Internacional desde agosto de 2010.
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