Festival suíço premia filmes brasileiros e portugueses
Eis os filmes brasileiros e portugueses premiados em Nyon: O Processo recebeu o prémio do júri para melhor longa-metragem, Música para quando as luzes se apagam foi laureado com o prémio para a película mais inovadora e Vacas e Rainhas recebeu ainda o prémio META, na secção opening scenes.
O festival de cinema Visions du Réel, decorreu de 13 a 21 de abril, em Nyon. Estiveram presentes filmes brasileiros e portugueses nas diversas secções do festival. Aproveitando os maravilhosos dias de sol, banhados com filmes e conversas, swissinfo.ch acompanhou o festival e conversou com alguns realizadores presentes na edição de 2018 do Visions du Réel.
Na 49ª edição do Visions du Réel, estiveram presentes 174 filmes de 53 países, tendo acolhido 78 estreias mundiais e deslocaram-se ao festival 139 realizadores para conversar acerca dos seus filmes, o que demonstra a importância do certame à escala mundial.
Na competição internacional de longas-metragens esteve presente o filme de Maria Augusta Ramos, O Processo. Os filmes A vida aqui, está vista?, de Filipe Carvalho, Longe da Amazónia, de Francisco Carvalho e Os que se vão, realizado por Clarissa Campolina e Luiz Pretti, fizeram parte da competição internacional de curtas e médias metragens. Na secção burning lights esteve o filme Música para quando as luzes se apagam, de Ismael Caneppele. Para o opening scenes, dedicada a primeiras obras, foram selecionados: Inconfissões, de Ana Galizia, Hello cinta pertamaku, câmbio e desligo, de Daniel Donato, e Vacas e Rainhas, de Laura Marques.
Competição internacional de longas-metragens
Após a estreia mundial na Berlinale e das apresentações recentes em São Paulo e Rio de Janeiro, O Processo era um dos filmes mais aguardados desta edição. Maria Augusta Ramos partilhou connosco que chegou a Brasília cerca de uma semana antes da votação na Câmara dos Deputados decorrer. O presidente da Câmara não lhe concedeu a autorização para filmar no interior, por isso inicia o filme com esse prólogo do exterior, “com aquele país polarizado, aquele muro no meio, o muro da vergonha”.
Quando a votação terminou e iniciou-se o processo de destituição da Presidente, Maria Augusta decidiu permanecer. Recebeu autorização para filmar no Senado e, também, as reuniões à porta fechada dos senadores que estavam contra a destituição de Dilma, “acho que foi muito importante também, para entender tudo o que estava acontecendo”. A realizadora não recorre a entrevistas para apresentar os momentos, “as construções são baseadas na observação da realidade dos personagens. Nesse caso era importante que fosse cronológico para as pessoas entenderem o que se passou e também para tentar dar voz a uma outra narrativa”, fazendo alusão aos media que se posicionaram, de forma geral, a favor do impeachment.
Quando terminou a rodagem do filme, Maria Augusta tinha cerca de 400 horas de filmagens. Desse imenso arquivo a autora acabou por fazer um filme com 139 minutos de duração. A edição foi meticulosa e durou cerca de seis meses, “são sempre escolhas e processos de escolhas. Logo no início ficou claro que nós íamos nos ater ao processo no Senado. São muitas comissões e reuniões, foi muito trabalho”. A autora preocupou-se em apresentar os dois pontos de vista, mas a dimensão performativa daquela arena, onde se esgrimam os argumentos, trespassa o ecrã e coloca o espectador na presença dos atores.
Competição Internacional de curtas e médias metragens
Clarrisa Campolina e Luiz Pretti partiram da ideia de encontro entre um indivíduo, que questiona o seu lugar na estrutura social, e a cidade, que se organiza em diversas estruturas de poder. Quais os lugares marginais onde ainda podemos respirar nas metrópoles contemporâneas? Para os autores, importava-lhes explorar “a relação entre privado e público, quais as pressões geradas pela exploração do capitalismo. Belo Horizonte está a ser cada vez mais afetada pela especulação imobiliária, pela expulsão das pessoas de certos lugares da cidade”.
Desde o início que eles tinham vontade de fazer uma narrativa fragmentada, que tivesse o personagem a guiar mas que esse trajeto estivesse cheio de desvios. Dessa forma, criaram um fio condutor labiríntico, “A gente acha que está encontrando um caminho e não encontra. Por isso, resolvemos fazer um personagem que observa, tenta se encontrar mas não adere nunca. Está sempre se desfazendo”. O filme inicia-se no centro da cidade e vai-se dirigindo para a periferia, onde o personagem se encontra vazio a olhar a cidade que continua a existir, criando uma imagem de uma cidade inorgânica, que existe mesmo na ausência de habitantes.
As máscaras, oriundas de diversas tribos amazónicas, que Francisco Carvalho encontrou na Universidade de Coimbra, despertaram nele o interesse de conhecer mais acerca do explorador naturalista do século 18, que escreveu o livro Viagem Filosófica pelas Capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. O realizador procurou evidenciar esse lado humano que, “a história da vida dele fez-me descobrir, para que pudesse mostrar às pessoas esta ideia de alguém que foi para a Amazónia para descobrir conhecimento ou algo que trouxesse algum sentido à vida. Ele considera-se um missionário da história natural”. Apesar de haver “um lado utópico de estudar estas sociedades, quando ele volta a um mundo normal e o trabalho dele não tem o reconhecimento que esperava, acaba numa misantropia”.
Longe da Amazónia, reflete esse encontro entre a câmara e o esquecimento da obra e do cientista natural. O realizador coloca os personagens a explorar o espaço interior do museu, fazendo crescer o desejo exploratório neles, e partem para a floresta com vontade de encontrar aquele imaginário amazónico. Contudo, simbolicamente, este filme questiona o esquecimento e a urgência de reconhecimento, até porque a ideia de Francisco foi “estabelecer uma relação poética entre a casa abandona e a vida do explorador, porque ele foi esquecido, mas outros também foram e são esquecidos”.
Secção Opening Scenes
Há alguns anos, Ana Galizia recebeu uma caixa com fotografias e vídeos do seu tio Luiz Galizia. Desde o início teve vontade de fazer o filme apenas com imagens de arquivo porque, “achava que o material tinha força narrativa suficiente”. Assim, ela constrói uma narrativa que também dá ênfase a uma marginalidade devido à relação dele com a família conservadora, que não conviveu naturalmente com a sua homossexualidade. Por esse motivo, o filme termina de forma explícita, homenageando o seu tio, e tantas outras pessoas, que procuram descobrir o seu lugar e viver a sexualidade de forma livre.
Os Alpes servem como pano de fundo ao filme de Laura Marques. A sua estadia estival impulsionou uma vontade de refletir sobre a relação entre Ser-Humano e Natureza. Laura não queria fazer um filme que explorasse de forma idílica o domínio do Homem sobre a Natureza, mas antes, colocar as vacas como sujeitos que têm um ponto de vista. “Quando estava na montanha ou pensava tempo a pensar em memórias ou tinha momentos de criatividade incríveis”, por isso, decidiu começar a filmar a sua relação com as vacas e introduzir momentos surrealistas que ultrapassam a dimensão quotidiana.
Quando chegou a Amesterdão para estudar, Daniel Donato conheceu uma travesti com quem desenvolveu uma relação de confiança e cumplicidade. Por isso, acabou por ter vontade de fazer um filme sobre Agnes, sua personagem neste filme. O seu filme é o culminar de muitas horas de entrevista, onde Anges contou-lhe episódios da sua vida. Certo dia, Daniel convidou-a para irem conhecer Lisboa e através da exploração de um novo lugar, fazer o filme. Por isso, a cidade deu os lugares de filmagem e recriaram momentos importantes da sua vida ainda na Indonésia, como um passeio de moto com um amigo, para explorarem o tema universal do amor.
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