“A iniciativa burca defende a dignidade da mulher”
Com máscaras para se proteger do coronavírus, os suíços irão votar sobre a iniciativa "Sim à proibição de esconder o rosto". "O texto prevê exceções adequadas por razões de saúde", diz Jean-Luc Addor, deputado do Partido Popular Suíço.
Este conteúdo foi publicado em
6 minutos
Como jornalista baseada em Berna, estou particularmente interessada nas questões sociais, mas também política e mídias sociais. Trabalhei anteriormente na mídia regional, dentre elas, no Jornal do Jura e na Rádio Jura Bernense.
A Suíça poderá seguir os passos da França, Bélgica, Holanda e Bulgária, proibindo a burca e o niqab em seu território. Em 7 de março, o povo votará uma iniciativa popularLink externo para consagrar na Constituição a proibição de esconder o rosto em público.
Em oposição ao texto, o governo elaborou uma contraproposta indiretaLink externo, também apoiada pelo parlamento. Ela propõe a criação de uma lei que obrigue os indivíduos a mostrarem seus rostos durante um controle de identidade realizado por uma autoridade.
O Comitê Egerkingen lançou a iniciativa de proibir a burca e o niqab em 2016. O comitê, que inclui muitos membros do Partido Popular Suíço (SVP, na sigla em alemão), também está por trás da iniciativa contra os minaretes, que foi aceita pelo povo suíço em 2009. O deputado do SVP e membro do comitê de iniciativa Jean-Luc AddorLink externo acredita que a pandemia e a obrigação de usar uma máscara no espaço público não são contrárias ao texto.
A iniciativa de proibir de encobrir o rosto não cai meio estranho quando todos nós estamos andando por aí usando máscaras para nos proteger da Covid-19?
Pode-se pensar assim, mas não é assim. Quando você caminha pela rua, você imediatamente vê a diferença entre uma mulher usando uma burca ou o niqab e uma pessoa usando uma máscara protetora. É fácil entender que não são as máscaras que são visadas pelo texto. A iniciativa prevê uma série de exceções, incluindo a possibilidade de derrogar a proibição por razões de saúde. A pandemia mostra assim que os iniciadores pensaram em exceções adequadas.
De acordo com uma estimativa do governo, o número de mulheres usando burca na Suíça está entre 95 e 130. É realmente necessária uma proibição para tão poucas pessoas?
Eu ficaria curioso em saber em que base o governo faz suas estimativas. Naturalmente, é raro encontrar mulheres usando burca [véu cheio que cobre todo o corpo e esconde os olhos atrás de uma grade tecida] na Suíça, exceto em algumas regiões turísticas. Por outro lado, mulheres usando o niqab [véu cheio cobrindo tudo menos os olhos] podem ser vistas mesmo em uma pequena cidade como Sion, no Valais. Eu já vi com meus próprios olhos.
Nos últimos anos, temos visto uma espécie de radicalização do caráter ostensivo do Islã no espaço público. Isto se manifesta pelo aumento do número de mulheres que saem com hijab [cobrindo seus cabelos, pescoço e às vezes seus ombros] e nos casos mais radicais com um niqab. O problema existe em nosso país, embora ele ainda afete poucas pessoas. Queremos evitá-lo antes de sermos reduzidos a curá-lo. A França, um país que pertence à mesma civilização que nós, praticamente perdeu o controle da situação. Não queremos chegar a esse ponto.
No Ticino, entretanto, a proibição que está em vigor desde 2016 levou a apenas cerca de 30 intervenções. Isso não é um resultado modesto demais?
É como se eu dissesse para você: “Afinal, há relativamente poucos assassinatos. De que adianta manter a infração no código penal?” Felizmente, há poucos casos!
No Ticino, a prova de fogo mostrou que a proibição de esconder o rosto é útil, uma vez que houve intervenções. Também provou que pode ser aplicada sem causar problemas particulares, principalmente com países estrangeiros, como fomos levados a acreditar.
Os adversários da iniciativa temem que o texto tenha um efeito contraproducente: as mulheres obrigadas a usar a burca poderiam ser levadas a se retirar para a esfera privada. Não é realmente esse o risco?
A posição deles equivale a legitimar o aumento do número de casos de mulheres e meninas sendo forçadas a usar roupas que simbolizam a opressão e a alienação das mulheres. Nós nos recusamos a ser cúmplices da opressão das mulheres em nosso país. Queremos promover a dignidade e a igualdade da mulher. A prova é que mesmo à esquerda, personalidades importantes estão se mobilizando em favor da iniciativa. Elas entenderam que não é confiável afirmar princípios e esquecê-los sob o pretexto de que a iniciativa vem das fileiras da direita conservadora.
O SVP não é conhecido por lutar pela igualdade. Esse engajamento do partido não é oportunista?
Estão tentando manter a iniciativa dentro de uma camisa de força ideológica, apresentando-a como uma iniciativa do SVP, mas ela é apoiada por um amplo espectro de personalidades, incluindo as da esquerda. É verdade que o SVP nem sempre está na vanguarda no campo da igualdade. Entretanto, o partido está engajado em uma luta mais fundamental: defendemos a dignidade da mulher, que é um conceito um pouco diferente.
“Nós nos recusamos a ser cúmplices da opressão das mulheres em nosso país”
Jean-Luc Addor, deputado SVP
A contraproposta indireta apresentada pelo governo é que uma pessoa seria obrigada a mostrar seu rosto para fins de identificação. Isso não é um compromisso aceitável?
A contraproposta indireta do governo é uma operação paliativa. Eles estão tentando fazer só um pouco para que acreditemos que o problema foi resolvido. A iniciativa tem um alcance muito mais amplo. O Parlamento quis acrescentar a este texto elementos relativos à integração e igualdade entre homens e mulheres, mas na verdade o contraprojeto se esquiva do problema. A iniciativa encara o problema de frente e propõe um caminho para combatê-lo. Esse meio já existe e pode ser avaliado. É o mecanismo que foi posto em prática no Ticino.
Mostrar mais
Debate
Moderador:
Samuel Jaberg
É preciso proibir a burca na Suíça?
Em 7 de março de 2021, os suíços votarão sobre uma iniciativa que exige a proibição do uso da burca e do niqab. O que você acha desta iniciativa?
Você já utilizou ferramentas de inteligência artificial no trabalhho? Elas o ajudaram ou, ao contrário, causaram mais estresse, aumentaram a carga de trabalho ou até mesmo resultaram na perda do emprego?
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.
Consulte Mais informação
Mostrar mais
Banimento do burca no cantão de St. Gallen provoca debate
Este conteúdo foi publicado em
Alguns temas provocam costumam trazer muitos comentários de leitores às páginas da swissinfo.ch, dentre eles o plebiscito ocorrido no domingo (23.09). Foi quando dois terços do eleitorado votaram pelo banimento da burca no cantão de St. Gallen. Apresentamos aqui uma seleção representativa deles. A notícia de que St. Gallen, localizado na região nordeste da Suíça,…
Três quartos dos suíços apoiam a proibição da burca
Este conteúdo foi publicado em
Seis em cada dez entrevistados disseram que decididamente apoiariam a proibição de véus faciais, apresentada pelo Partido Popular da Suíça /SVP em alemão, UDC em francês). Cerca de 16,5% disseram que estavam inclinados pela proibição, 7% tendiam contra, 13% estavam decididamente contra, e 3% disseram que ainda não tinham decidido. Quase 70% dos entrevistados também queriam ver…
Este conteúdo foi publicado em
“Estou na Suíça faz vinte anos e nunca aconteceu comigo nada parecido!”, afirma Naïma Serroukh, ainda visivelmente abalada. Ela participava de um colóquioLink externo sobre a hostilidade sofrida pelos muçulmanos, organizado pela Comissão Federal contra o Racismo (CFR), na Universidade de Friburgo. “Pela primeira vez, eu vi a polícia revistar as pessoas na entrada de uma…
Este conteúdo foi publicado em
Desde julho de 2016 é proibido cobrir o rosto com um véu no Ticino. Os eleitores desse cantão ao sudoeste da Suíça aprovaram essa proibição nas urnas. Atualmente um comitê recolhe assinaturas para pedir uma interdição em todo o território nacional. Os eleitores também votaram em 2009 a proibição da construção de minaretes na Suíça.…
Forma antiga de assembleia rejeita proibição da burca
Este conteúdo foi publicado em
A iniciativa foi apoiada pelo Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão), que argumentou que o uso do mais radical de todos os véus islâmicos, que cobre o rosto e o corpo, era um risco para a segurança. Tanto o governo cantonal de Glarus como o parlamento recomendaram que os eleitores rejeitassem a…
Este conteúdo foi publicado em
O cartaz é a mais recente criação da agência de publicidade suíça Goal, responsável por outras campanhas de propaganda contra estrangeiros e muçulmanos financiadas pelo Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão). A imagem mais conhecida da agência é a de uma ovelha branca expulsando com um coice uma ovelha negra de uma…
Este conteúdo foi publicado em
Depois da França, da Bélgica, certos lugares públicos da Holanda, várias cidades italianas e, ultimamente, o cantão do Ticino (sul), a Suíça poderá ser o próximo país europeu a proibir as mulheres de cobrir o rosto nos lugares públicos. Os eleitores suíços deverão se pronunciar nos próximos anos sobre a iniciativa popular “Sim à proibição…
Mulher no Islã: escrava ou rainha? Quatro questões polêmicas
Este conteúdo foi publicado em
Quando as pessoas debatem na Suíça sobre o Islã e o papel da mulher, muitas vezes surgem temas como o véu, a igualdade dos sexos, poligamia e mutilação genital feminina. Ao tratar deles, a cultura suíça e tradições estrangeiras colidem. Porém como são tratadas as mulheres no Islã segundo as regras distadas pelo Corão, independente…
Por que o Islã? Três mulheres convertidas explicam sua decisão
Este conteúdo foi publicado em
Barbara Veljiji sobe os degraus que levam a uma acolhedora sala de estar. A madeira crepita na lareira e aquece o resto do chalé. Ela vive com seu marido albanês, três filhos, a nora e a mãe na antiga fazenda herdada dos pais na região do Seeland, no cantão de Berna. Veljiji converteu em 1992…
Arábia Saudita alerta cidadãos sobre proibição da burca no Ticino
Este conteúdo foi publicado em
Em uma declaração oficial, a Embaixada da Arábia Saudita em Berna lembrou seus cidadãos que o uso de burka ou niqab em breve será ilegal no cantão do Ticino.
Cantão do Ticino proíbe a burca em espaços públicos
Este conteúdo foi publicado em
No total, 65,4% dos eleitores do cantão do Ticino aprovaram no plebiscito de domingo (12 de setembro) um novo artigo na constituição local, na qual se prevê a proibição do porte de trajes que cobrem o rosto da pessoa em espaços públicos. Também uma contraproposta lançada pelo Parlamento foi aprovada por 59,8% dos eleitores. Ela…
Este conteúdo foi publicado em
Na agenda estão medidas mais rigorosas contra casamentos forçados e mutilações genitais de mulheres, o banimento do porte de burca em espaços públicos e das dispensas especiais das aulas de natação. No topo da agenda estão medidas legais mais rigorosas contra casamentos forçados e mutilações genitais de mulheres, assim como pelo banimento do porte de…
Não foi possível salvar sua assinatura. Por favor, tente novamente.
Quase terminado… Nós precisamos confirmar o seu endereço e-mail. Para finalizar o processo de inscrição, clique por favor no link do e-mail enviado por nós há pouco
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.