Em Lausanne hotelaria rima com administração
A secular Escola Hoteleira de Lausanne, tida como uma das melhores do mundo em sua área, considera a formação hoteleira como uma boa base para administrar empresas, porque o hotel é uma empresa complexa.
Visitamos o estabelecimento para conferir…
Fundada em 1893, a Escola Hoteleira de Lausanne (EHL) é a mais antiga do mundo. Na Suíça e fora do país é bem conceituada, tanto que seus quase 1400 alunos formam um mosaico de mais de 70 nacionalidades.
As mensalidades são caras, mas o número de estudantes cresceu bastante ultimamente e mais que duplicou nos últimos dez anos.
O sucesso é, portanto, visível, e uma visita ao estabelecimento, mesmo rápida, levou nos a achar que a fama não seja roubada.
Complexo escolar
A Escola Hoteleira de Lausanne não fica mais em Lausanne, mas em Chalet-à-Gobet, localidade que domina a cidade, situada a dez km do centro urbano. A zona em que ela se encontra, de 5 hectares, é arejada, com poucas construções. O vilarejo é pequeno e uma mata, ao seu lado, lhe dá um toque a mais de um tranqüilizante verde.
O estabelecimento em si é constituído de um complexo que reúne a Escola propriamente dita, com toda a infra-estrutura necessária – 5 restaurantes, várias cozinhas, 2 bares, 49 salas de aula, auditórios, biblioteca, high tech…(à propósito, todos os alunos têm que dispor de um “laptop”).
Inclui também instalações esportivas – academia, sala de esportes modulável, quadra de tênis e até um pequeno campo de futebol. O conjunto de prédios engloba ainda 300 pequenos apartamentos individuais (“studios”), todos com acesso à Internet e dispõem de conexões para TV, além de alguns estarem equipados com telefone fixo.
Atitude em relação ao cliente
Quem entra no estabelecimento certamente não deixa de constatar a luminosidade do prédio principal, uma atmosfera, digamos, de seriedade descontraída, e a evidente preocupação da EHL em praticar o que ensina, principalmente no que diz respeito a acolhida do “cliente”.
Os estudantes devem vestir-se segundo as exigências da instituição – gravatas para os homens e traje adequado para as mulheres: elegância sem extravagância.
A Escola parte do princípio de que os alunos precisam aprender a comportar-se em sociedade – pela postura, pelos gestos, pela amabilidade – justamente na ótica de que é indispensável saber acolher o cliente…
Convidado para almoçar no melhor dos cinco restaurantes da escola, em companhia de um professor e duas estudantes brasileiras, notamos, de imediato, uma atitude atenciosa e ao mesmo tempo descontraída em relação ao cliente.
“Customer care”
Segundo explicou o professor Christoph Laurent, especialista em “artes da mesa”, o estudante da EHL é formado, basicamente em gastronomia, cozinha e serviço, no sentido de saber deixar o cliente à vontade.
O “customer care” é de suma importância, realçou o professor: “Quando o estudante chegar ao mundo trabalho – seja em empresas da área das finanças ou do setor bancário, por exemplo – será muito útil saber comportar-se no escritório, num coquetel, numa “soirée”. Pode também ser muito útil saber ler uma carta de vinhos”, exemplifica ainda.
Christoph Laurent gosta de destacar que “os alunos vão trabalhar com gente” e não com procedimentos ou computadores. E nesse aspecto, considera essencial a qualidade do serviço.
Não é sem motivo que muitas empresas já dispõem de um espaço cliente, porque entenderam que “o serviço sobrepuja o produto”, destaca ainda.
Para medir a importância que EHL dá a esse aspecto, basta dizer que seu curso mais longo, com 4 anos e meio de duração, é chamado “Altos Estudos em Hotelaria e Profissões do Receptivo” .
“Missão”
“Altos Estudos”, porque o estabelecimento é identificado há cinco anos pelo governo como de nível superior. E desde 1998 a Escola confere o título de “Bachelor of Science”, reconhecido pela “New England Association of Schools and Colleges”, dos Estados Unidos.
E a respeito de acolhimento, Christoph Laurent é categórico: “Estamos conscientes de que integramos o grupo que lidera a formação da hospitalidade internacional no mundo”.
A EHL se dá, aliás, como missão ministrar uma formação na administração de empresa para “carreira de ponta” na hotelaria e nas profissões de acolhida. Mas Laurent insiste que os estudantes que saem da escola não buscam forçosamente trabalhar na hotelaria tradicional.
E de fato, a percentagem é relativamente pequena dos diplomados que entram na hotelaria. “Podem exercer funções de destaque nos setores bancário, financeiro, consultoria. Podem igualmente atuar no setor de viagens, como cruzeiros, ou mesmo administrar um parque de diversões”, acrescenta.
gestão de empresas
Segundo as estatísticas da EHL, apenas 13% trabalham na área de restaurantes, 12% na de hospedagem e 9% em marketing e vendas.Enquanto a gestão de empresa ocupa 54% dos que receberam formação especializada na EHL.
Para quem estranhe a quantidade de formados que atuam no gerenciamento de empresas, Carolina Graça de Lacerda, estudante carioca, 21 anos, lembra que em Lausanne se cursam matérias de faculdade de administração em geral, com especialização em administração hoteleira.
Sua colega, Maria Antonia Grassi Byrne, paulista, 23 anos, que está terminando os estudos na EHL, também destaca: “Quando se fala em escola hoteleira pode se pensar em chefe de cozinha, em cuidar de hotel, servir em hotéis de alto gabarito… Quatro anos depois, vejo, por exemplo, que posso trabalhar também em áreas de consultoria ou de marketing de qualquer empresa”.
E Maria Antonia lembra que, de fato, no começo, “as matérias são muito relacionadas com hotelaria – cozinha, serviço, prática…No final, as matérias são como as de qualquer universidade em que se estuda administração de empresas”.
Note-se, de passagem, que uma característica da EHL é que os estudos são realizados em dois idiomas (um ou outro): o inglês e o francês, que é uma das 4 línguas oficiais da Suíça.
Um princípio que a escola tem como regra absoluta é que para se tornar um gerente em hotelaria é preciso se conhecer por dentro a complexidade de funcionamento de um hotel. E quando você manda fazer alguma coisa, deve saber o que isso implica em termos de trabalho.
”Pra saber mandar é preciso saber fazer”
O estudante deve então percorrer todas as etapas de funcionamento de um hotel, desde descascar batatas até receber clientes e dirigir o estabelecimento, passando pelo setor de compras, gestão de estoques – quantidade, qualidade, higiene – e definição de estratégias.
O primeiro semestre do estudante é inteiramente reservado à prática. “Prática se faz o tempo todo”, diz Carolina de Lacerda, lembrando que o aluno passa por todos os departamentos, mesmo os relacionados com limpeza de quartos.
“Um dia, diz Carolina, você está preparando legumes, no outro trabalhando na cozinha, na confecção de pratos quentes ou frios, ou ainda servindo nos restaurantes ou bares”.
Os restaurantes são considerados verdadeiras “salas de aula”: os estudantes preparam os diferentes pratos, sob supervisão dos mestres. Ou seja, em condições de aplicar o que aprendem.
Além disso, o aluno deve ter ainda conhecimentos gerais sobre os tipos de louça, de talheres, copos, panelas, etc. Os pratos com os respectivos preços estão dependurados na parede, para que o aluno tome consciência de quanto custa se tivesse que pagá-los, caso se espatifassem no chão.
Há também algumas aulas sobre degustação de vinhos, sobre como arrumar mesas ou servir o cliente no restaurante ou sobre comunicação.
Ela nota, porém uma preocupação da EHL: “Querem que o aluno tenha noção do que precisa saber para mandar fazer”.
“É puxado”
A Escola é exigente, já na seleção do aluno. Em conversa com Maria Antonia e Carolina de Lacerda, a palavra que vinha sempre quando perguntamos sobre os estudos é que são “puxados”. Este foi o único “defeito” que conseguiram apontar no estabelecimento, que não deve necessariamente ser perfeito, é claro.
Aludindo aos seis meses iniciais de trabalhos práticos, Carolina lembra que em casa tinha tudo, mas na Suíça mora sozinha, acorda às 6 da manhã, trabalha até as oito da noite, não dispensa o sono, “porque é preciso descansar”.
Acha, porém, ter aprendido muito e ficado mais forte. “Hoje, quando entro em hotéis e restaurantes, trato as pessoas de maneira diferente”, dando maior valor ao que fazem.
Maria Antonia também acha que no começo é difícil, mas o estudante constata logo que todo o mundo está na mesma situação, no mesmo nível. “Mais tarde, realça, se compreende que essa prática faz sentido”.
Maria aprendeu que se alguém quer administrar um hotel, precisa saber “o que um lavador de pratos pensa e por que sofrimentos passa”.
“A escola é de business – conclui – mas business, na hotelaria, é muita dedicação, muita prática”.
Reportagem continua na segunda parte. Clique AQUILink externo para lê-la.
swissinfo, J.Gabriel Barbosa
DATAS MARCANTES
– 1983 : Fundação da Escola Hoteleira de Lausanne, a primeira do mundo, com apoio da Sociedade Suíça dos Hoteleiros (que hoje se chama “Hotelleriesuisse”).
27 alunos matriculam-se naquele ano.
– 1924 : primeira classe mista com aceitação de 4 mulheres entre os estudantes.
– 1974 : A EHL torna-se uma fundação sem fins lucrativos e reconhecida como de utilidade pública.
– 1975 : a escola transfere-se da cidade de Lausanne para a comuna vizinha de Chalet-à-Gobet, e se torna um verdadeiro complexo hoteleiro.
– 1996 : Introdução da seção inglesa. Até então os cursos eram unicamente em francês.
– 1998 : Homologação da EHL como Alta Escola Especializada pelo governo suíço.
No mesmo ano o programa Altos Estudos em Hotelaria e Restauração é considerado equivalente ao de Bachelor of Science degree (B.Sc.) pela New England Association of Schools and Colleges, dos Estados Unidos. Equivalência que implica reconhecimento internacional do diploma concedido pela Escola.
– 2001 : Introdução de pós-graduação em Gerenciamento de Hotelaria e dos Profissionais da Acolhida. Unicamente em inglês.
No mesmo ano, reforma do programa Altos Estudos em Hotelaria e Restauração, rebatizado Altos Estudos de Hotelaria e Profissões de Acolhida.
– 2003: a Escola forma 1400 alunos e conta com um orçamento de 10 milhões de dólares, aproximadamente.
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