Suíço dirige universidade do automóvel
Walther Zimmerli é filósofo e presidente da Universidade do Automóvel, a primeira instituição acadêmica criada por uma multinacional.
Em entrevista exclusiva à swissinfo, Zimmerli explica por que construir carros não é mais apenas uma tarefa de engenheiros e fala sobre projetos no Brasil.
Walther Zimmerli se considera um cidadão do mundo.
“Como suíço, você tem duas escolhas: ou permanece provinciano, ou torna-se um arraigado cosmopolita”, explica o professor ao jornalista do jornal “Neue Zürcher Zeitung”.
Zimmerli é um dos exemplos de suíços que abandonaram a segurança do país dos Alpes para tornar-se um bem sucedido profissional em terras estrangeiras. Em junho de 2002, o suíço despertou a atenção do mundo acadêmico ao tornar-se presidente da Universidade do Automóvel, a primeira instituição acadêmica criada por um fabricante de automóveis.
O primeiro prédio do campus será construído até o início de 2005 em Wolfsburg e custará 50 milhões de Euros.
Nos próximos cinco anos, o fabricante de automóveis irá investir 40 milhões de Euros no programa de estudos e contratação de pessoal. A instituição deverá receber até quatro mil estudantes por ano em cursos que podem durar de um dia até vários meses.
Até 2009 a instituição pretende formar funcionários da própria Volkswagen e de empresas fornecedoras. A partir de 2009, ela estará aberta a qualquer candidato, que disponha pagar até 45 mil Euros pela pós-graduação (dois ou três anos de curso).
Em entrevista à swissinfo, Zimmerli explica o que está por trás da Universidade do Automóvel.
Professor Zimmerli, o que leva uma multinacional como a Volkswagen criar uma universidade?
Não apenas a Volkswagen, mas todos os fabricantes de automóveis que atuam internacionalmente estão começando a investir no ensino de pós-graduação. O movimento de criação de universidades corporativas está aumentando. Atualmente existem cerca duas mil universidades corporativas em funcionamento. A razão para esse crescimento é que, no setor de pós-graduação, as universidades tradicionais estão mal representadas. Esse é o caso específico da Europa.
O que justifica a criação de instituições privadas de ensino em países com uma rede de ensino público qualitativa como é o caso da Alemanha?
Existe uma grande lacuna no mercado de ensino, sobretudo para as pessoas entre 25 e 85 anos. As instituições de ensino existentes, ou seja, as universidades estabelecidas, só atendem o público de 18 até 25 anos; às vezes trinta se as pessoas levam mais tempo para estudar. Obviamente existem algumas exceções: as chamadas “business schools”, que se especializaram em cursos de pós-graduação na área de negócios. Porém uma instituição que junte a experiência prática no mundo de negócios de uma multinacional como a Volkswagen e metodologia científica ainda não existia.
O que a Universidade do Automóvel oferece, que não pode ser encontrado numa universidade pública ou cursos de “MBA”?
Em uma “business school” é possível aprender alguns temas práticos das ciências econômicas. Porém as ciências econômicas são apenas uma ínfima parte em relação ao portfólio geral de negócios. O profissional do setor automobilístico precisa não só entender de automóveis, caso queira vendê-los. Ele precisa entender também de distribuição ou de gerência de pessoal. Ele precisa também compreender a cultura, quando quer vender automóveis em mercados internacionais. E você pode perceber, quanto mais eu falo, mais transdisciplinar se tornam todas essas capacidades.
O que precisam oferecer os candidatos para serem aceitos na Universidade do Automóvel?
Não faz sentido começar com ensino transdisciplinar nos primeiros anos da universidade, mas sim quando o estudante já adquiriu competências numa disciplina. Essa é a concepção ideal da pós-graduação. Os estudantes da Universidade do Automóvel devem ter uma formação anterior, que pode ser o bacharelado ou outros diplomas de ensino superior.
Por que o futuro empregado da Volkswagen precisa dispor de uma formação tão ampla?
Quem quer dominar o mercado do automóvel, não deve entender só de automóveis. Veja o exemplo da Volkswagen: hoje em dia a empresa domina o mercado de automóveis na China. Isso se explica pelo fator dela ter sido o único fabricante a promover “joint-ventures” com empresas chinesas ainda no período do socialismo. O que se deixou de ver naquela época, e agora tem se tornado muito claro, é que o cliente chinês é muito diferente do europeu ou do brasileiro. As proporções foram modificadas. Na Europa, mais da metade dos automóveis é vendida às empresas administradoras de frotas. Os veículos não vão para clientes individuais, mas sim são vendidos em contratos de leasing. Isso mostra a importância do setor financeiro nos negócios da Volkswagen.
Isso mostra que fabricar e vender carros já não são a única função dos produtores de automóveis?
O setor de leasing tem crescido continuamente dentro da empresa. O Banco Volkswagen ou a “Volkswagen Financial Services” são a prova dessa importância. Cerca 40% do faturamento do grupo Volkswagen vêm das atividades financeiras. Através da oferta de financiamento para a compra de um automóvel, a Volkswagen tem acesso direto ao comprador. Além disso, dispomos de um banco que oferece serviços como seguros de vida, conta-corrente até empréstimos.
Outro setor importante para a Volkswagen é o de “after-sales”, que corresponde a 40% dos negócios da empresa. Ele significa, depois da venda do automóvel, tudo que inclui serviços-extras como a venda de peças originais.
E voltando a questão da China, qual a diferença do seu mercado para o brasileiro ou europeu?
Na Europa, mais da metade dos negócios da empresa está no setor de frotas de empresas. No caso dos consumidores individuais, que respondem por menos da metade dos negócios, sua importância é decrescente. Na China a situação é contrária: mais de 80% dos negócios vêm da venda direta de automóveis e apenas 20% no fornecimento para frotas de empresas. Além disso, quem compra um carro na China não é apenas um indivíduo, mas sim a família ou três gerações. O financiamento é diferente. Por isso é preciso entender que não é possível vender carros de duas portas na China, pois eles são vendidos para famílias.
Por isso você fala em ensino transdisciplinar na Universidade do Automóvel? O estudante deve afinal aprender com as experiências da empresa?
Nós utilizamos o conceito do “Drescheibe” (placa giratória). Dentro do grupo Volkswagen, a Universidade do Automóvel deve se tornar como uma plataforma de conhecimento. E como em qualquer “Drescheibe”, nós temos forças centrifugais e centrípetas: nós não apenas coletamos informações criadas dentro da empresa, mas também nós sugamos informações de fora. Por isso necessitamos de uma estrutura universitária.
E de onde virão as informações externas? Através de especialistas?
Não só de especialistas, mas também de instituições. Nós já temos uma rede interessante de parceiros. Já fechamos contratos com sete ou oito universidades internacionais. No total elas serão vinte e cinco, onde nós iremos buscar esse saber. Esse conhecimento não precisa estar ligado ao automóvel, mas pode ser também temas de ecologia, culturais ou sobre crescimento sustentável.
Quanto a ecologia, esse deve ser um tema sensível para um fabricante de carros, ou não?
Ecologia é um termo muito desgastado, pois tem um caráter unilateral. Crescimento sustentável engloba três fatores: rentabilidade, compatibilidade com o meio-ambiente e compatibilidade social. Por isso nossos estudantes não precisam ter apenas conhecimento ecológicos, mas também conhecimentos culturais e sociais. Quando esses três elementos estão garantidos, será possível a existência do crescimento sustentável.
De onde virão os futuros professores da Universidade do Automóvel?
O objetivo é que a metade dos professores venha da própria Volkswagen. A empresa já dispõe de muitos professores universitários nos seus quadros de funcionários. Ao mesmo tempo, temos também um grande número de colaboradores que não atuam no ensino, mas que dispõe de muitos conhecimentos e experiência. Por isso é necessário um trabalho de administração de conhecimento, ou seja, registrar o conhecimento que dispomos no grupo Volkswagen e, através do corpo docente, passar essas informações aos estudantes da Universidade do Automóvel.
A Universidade do Automóvel teria também projetos no exterior, como por exemplo, no Brasil?
Queremos ter nas cinco regiões do mundo onde a Volkswagen atua uma filial da Universidade do Automóvel. Na América do Sul, nós pretendemos nos instalar no Brasil, onde as atividades da empresa têm maior peso. Na África do Sul já iniciamos um projeto-piloto através de palestras. A partir de abril nós iremos iniciar os cursos na China. Quanto ao Brasil, nossa idéia é de começar a desenvolver atividades a partir do segundo semestre desse ano. Os temas de ensino serão sobre materiais e combustíveis alternativos.
Voltando à questão da ecologia, quais são os limites para o mundo no aumento do número de circulação de automóveis?
Apenas uma parte dos nossos negócios é a venda de veículos. Na verdade somos vendedores de “mobility services” e isso nos obriga a pensar em produtos que atendam às necessidade básica de mobilidade. Nesse sentido, queremos não pensar em como tirar o carro poluente das ruas, mas sim como oferecer mobilidade com o menor desgaste possível para o meio-ambiente. Por isso a Volkswagen investe na produção de motores com emissões reduzidas de CO2 ou menor consumo.
Se cada chinês tiver o seu próprio automóvel, as perspectivas não serão muito boas para o meio-ambiente nesse país, ou não?
Nos próximos anos existirá uma demanda crescente por soluções individuais de transporte na China. Ao contrário do que acreditávamos, isso significa que as exigências ecológicas para veículos serão cada vez mais severas, talvez até mais do que na própria Alemanha. Esse ainda não é o caso na situação atual, mas acredito que a China pode até dar exemplos ao mundo. A pressão aos produtores de automóveis é muito maior nesse país, com seus 100 milhões de potenciais compradores de automóveis, do que na Europa. Por isso a Volkswagen investe em novas tecnologias, sabendo que são necessárias novas alternativas aos sistemas atuais de propulsão à gasolina ou diesel.
Como você se sente como suíço no exterior?
Cada suíço tem uma forte fixação em relação a sua pátria. Por isso ele está muito consciente do seu lugar no mundo. Nesse sentido, é muito fácil para mim me sentir bem em qualquer lugar, seja num outro país ou continente. Não preciso construir uma nova pátria estando no estrangeiro. Eu continuo sendo um suíço.
swissinfo, Alexander Thoele
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