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Voluntários ajudam pessoas a escrever cartas

Um dos voluntários ajuda a estrangeira a escrever uma carta oficial. swissinfo.ch

No filme "Central do Brasil", a personagem interpretada pela atriz Fernanda Montenegro lê e escreve cartas para analfabetos. Na Suíça também existe um serviço semelhante, oferecido por voluntários em vários centros urbanos do país.

swissinfo.ch visitou um deles em Bienne. Suas salas estão sempre cheias, pois, ao contrário do que se imagina, escrever um requerimento pode ser difícil até para suíços.

A imigrante africana entra na sala e cumprimenta o jovem de terno e gravata. “Eu gostaria muito escrever uma carta aos proprietários do meu prédio e pedir que eles consertem finalmente a calefação”, explica aflita. Este balança a cabeça e começa a bater o texto no computador. Depois de trinta minutos, interrompidos apenas por uma ou duas perguntas, um papel é impresso e depois colocado no envelope. “Muito obrigado”, agradece feliz a mulher de meia-idade, antes de partir com pressa em direção aos Correios.

Uma analfabeta? “Não, apenas alguém insegura em escrever cartas formais como esta”, responde o jovem, membro da Benevol. Essa agência para trabalho voluntário, financiada através de recursos públicos e também doações de entidades privadas, tem ramificações em várias partes da Suíça. Um dos serviços é ajudar pessoas a redigir cartas, privadas ou oficiais, preencher formulários, entender contratos e até escrever candidaturas de emprego.

Demanda crescente

Em Bienne, 50 mil habitantes, cidade bilíngue distante apenas vinte minutos de Berna, Benevol funciona no primeiro andar de um discreto prédio comercial. Duas vezes por semana – terça e sexta-feira – os voluntários fazem atendimento ao público. Cada sessão de ajuda, que pode durar de alguns minutos até mais de uma hora, custa cinco francos à pessoa interessada, uma quantia simbólica. “Pois o que é de graça, ninguém dá valor”, ressalta Barbara von Escher, a gerente da Benevol em Bienne.

Assim como no premiado filme brasileiro “Central do Brasil” (1998), que conta a história de uma mulher que trabalha na principal estação ferroviária do Rio de Janeiro escrevendo cartas para analfabetos, são várias as razões que leva alguém a procurar ajuda de terceiros. “Além da insegurança, existem aqueles que não dominam bem o francês ou o alemão e até mesmo os analfabetos funcionais, nos quais se incluem também muitos suíços”, explica Barbara.

Ela aborda um problema comum, mas considerado ainda um tabu na Suíça. O analfabeto funcional é aquele que consegue reconhecer as letras, mas não entender o que lê e nem elaborar um enunciado, por mais curto que seja, sobre um assunto genérico. Segundo a Fundação para Alfabetização e Formação Básica na Suíça (SAGS, na sigla em alemão), seriam 500 mil pessoas no país, sendo que a maioria delas chegou a completar os nove anos de ensino básico.

Se a dificuldade é de compreensão ou não, o fato é que a demanda pelos serviços oferecidos pela Benevol em Bienne é crescente. “Tivemos em 2008 cem clientes registrados. Um ano depois foram 400. Em 2010, já ultrapassamos a marca dos quatrocentos e isso só até agosto”, afirma a gerente, lembrando que muitos dos clientes vêm mais de uma vez para pedir ajuda.

20% de suíços

Os voluntários também têm perfis diversificados. No centro em Bienne, vinte estão ocupados em oferecer o serviço de escrita. Alguns deles são estudantes ou aposentados e aproveitam o tempo livre para ajudar outras pessoas. Outros têm empregos normais e, por vezes, até posições de chefia. “Um dos nossos voluntários é diretor de uma grande empresa”, lembra Barbara. As razões: “Ele gosta de fazer esse trabalho, pois aqui têm contato com gente de várias partes do mundo e diferentes classes sociais.”

Segundos as estatísticas da Benevol, o engajamento de doze mulheres e nove homens em 2009 correspondeu a 800 horas de trabalho. Três dos voluntários eram completamente bilíngues, ou seja, ajudavam as pessoas tanto em alemão como em francês.

Das pessoas atendidas no centro em Bienne, 20% eram suíças. Uma das razões é a necessidade material. “Elas não têm computador em casa ou simplesmente não sabem trabalhar com um, sobretudo os mais idosos”, acrescenta a gerente. Porém existem os casos de analfabetismo, concreto ou funcional, mas que só transparecem de forma sutil. “Temos uma cliente, uma senhora de uma certa idade, que sempre diz que perdeu seus óculos e, por isso, não pode ler a carta que recebeu.”

Cartas de amor

No serviço de escrita, os voluntários ajudam os clientes em quase todos os aspectos da vida prática. Porém determinados assuntos exigem conhecimentos especializados – questões jurídicas relativas a direito de estrangeiros, direito trabalhista, dentre outros. Nesses casos, os voluntários indicam serviços especializados na cidade, oferecidos seja pela própria prefeitura ou outras organizações sem fins lucrativos.

Cartas privadas também fazem parte do serviço oferecido pela Benevol em Bienne, sendo, porém mais raras. “Esse é o caso quando um estrangeiro gostaria de enviar um cartão de natal ou aniversário ao vizinho ou colega de trabalho”, lembra-se Barbara. Já cartas de amor praticamente não são solicitadas. A gerente acredita que haveria interesse, mas que as pessoas estão mais preocupadas em resolver problemas da vida do que se ocupar de questões sentimentais.

Ao seu lado, um dos voluntários brinca, dizendo que os clientes só trazem reclamações para escrever. Mas ele concorda que, escrever uma carta de amor pode ser tão difícil como elaborar uma petição a um órgão público.

O serviço de escrita é oferecido pela Benevol não apenas em Bienne, mas também em outros centros como Berna, Winterthur ou Solothurn. Em Zurique, a maior cidade do país, é a prefeitura que oferece esse tipo de apoio a necessitados.

O Depto. Federal de Estatísticas (OFS, na sigla em francês) colhe desde 1997, a cada quatro anos, estatísticas relativas ao trabalho voluntário na Suíça. Os dados mais recentes datam de 2007 e envolvem a população com mais de 15 anos.

Resultados: uma pessoa em quatro no país exerce pelo menos uma atividade não remunerada em diversos tipos de organizações ou instituições. Isso representa 1,5 milhões de pessoas (população total da Suíça: 7 milhões). Os homens são mais engajados do que as mulheres (28% e 20%, respectivamente).

Além do trabalho voluntário formal, existe também o informal (cuidar de crianças, ajuda aos vizinhos, etc.).

Ao contrário do que se imagina, os mais ativos no trabalho voluntário na Suíça não são pessoas que dispõem de muito tempo livre como desempregados ou aposentados, mas sim pessoas que, “devido a sua idade, formação ou situação profissional ou familiar, têm competências requisitadas e são bem integrados socialmente”, escreve o estudo.

Em 2011 ocorre o Ano Europeu do Trabalho Voluntário. A Suíça escolheu o lema “engajado.voluntário” e oferece uma série de eventos para discutir o tema.

O objetivo dos organizadores é tornar visível a importância social do trabalho voluntário e otimizar seu reconhecimento.

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