África deve inovar se quiser alimentar suas crianças
Para enfrentar o impacto do crescimento demográfico, o continente africano deve triplicar sua produção agrícola até 2050.
Cientistas afirmam que a revolução verde africana só pode ocorrer através das técnicas “biológicas, como mostra um projeto no Quênia apoiado pela fundação suíça Biovision.
O dia está nascendo no lago Vitória. Algumas pirogas coloridas retornam ao pequeno porto de Kisumu, no sudoeste do Quênia. A pesca, mais uma vez, teve resultados bem magros.
“Dez anos atrás pescávamos até 200 quilos de peixe por noite. Mas hoje em dia já é bastante se capturamos 20 quilos”, lamenta Kennedy Omondi, pescador da região, ao lado das caixas, onde algumas poucas tilápias e outros peixes-gatos se debatem dando seus últimos suspiros.
O fato é que em abril, a estação das chuvas, o lago costuma ser menos abundante em peixes. Mas fatores pouco naturais tornam essa diminuição da fauna mais inquietante: a poluição da cidade tão próxima, o excesso das atividades pesqueiras pela pequena comunidade local, a concorrência com as aves devido ao desequilíbrio do ecossistema e… a rivalidade com outro predador, mais inesperado: a perca do Nilo.
Uma ameaça
Esse peixe, introduzido artificialmente no lago nos anos de 1960 e destinado quase que exclusivamente à exportação, pode atingir dimensões impressionantes e pesar até 250 quilos. Como ele se alimenta de peixes menores, muitas espécies desapareceram completamente, um fator que ameaça a sobrevivência da população e a biodiversidade do segundo maior lago do mundo.
“A perca do Nilo é comprada e exportada por uma companhia indiana”, explica Kennedy. “Os indianos nos exploram e subremuneram os pescadores empregados por eles. Então nos organizamos em uma cooperativa para lhes vender, a um preço melhor, as percas com mais de um quilo. As menores e outras espécies de peixes são destinadas ao consumo local. Mas a pesca não é mais capaz de nos alimentar e somos obrigados a procurar outras fontes de renda.”
Entre elas, a agricultura ocupa uma posição crescente, apesar de ainda ser marginal. Embora a agricultura convencional ainda seja responsável pela parte do “leão”, a orgânica está em plena expansão “e cada vez mais camponeses adotam a técnica ‘push-pull”, anima-se Francis O Nyange, um agrônomo do Centro Internacional de Pesquisa em Fisiologia e Ecologia de Insetos (ICIPE, na sigla em francês) em Mbita, alguns quilômetros distante.
A avó de Obama
Embora o documentário O pesadelo de Darwin tenha alertado o mundo sobre os riscos trazidos pela perca do Nilo ao lago Vitória, o potencial revolucionário da técnica “push-pull” permanece em grande parte desconhecida fora do Quênia e da África ocidental.
Portanto, para os cientistas africanos que a desenvolveram e a fundação suíça Biovision, que apóia o projeto, essa técnica agrícola de “repelir e atrair” pode resolver os problemas alimentares de todo o continente. “Esse método é praticado até mesmo pela avó de Barack Obama, que vive em Kogelo, um vilarejo não muito distante daqui”, assegura O Nyange.
Seu inventor se chama Zeyaur Khan, um cientista indiano que se ocupa há 17 anos desse verdadeiro quebra-cabeça: como a África poderá se alimentar até 2050? Ao passar de um a dois bilhões de habitantes, o continente precisará triplicar sua produção agrícola. Porém, o aquecimento global reduz as superfícies cultiváveis e os produtos químicos – adubos, fertilizantes e pesticidas – esgotam os solos já pouco férteis.
Isso sem contar o fato de que os camponeses, dos quais 99% no Quênia possuem minúsculas parcelas de terra, de no máximo dois hectares, não têm recursos suficientes para comprar esses produtos químicos. Também os governos não lhes podem dar subvenções.
Triplicar a produção
“Mas encontrei a solução para triplicar a produção agrícola sem pesticidas ou organismos geneticamente modificados”, assegura o professor, durante uma visita ao ICIPE, organizada pela rede Media 21. Sua resposta: “push-pull”.
O método é tão simples que até parece infantil. Na época era necessário pensar nela e, sobretudo, encontrar as duas plantas “milagrosas” capazes de combater os parasitas e as ervas daninhas. Pois os insetos furadores de caule e a striga – mais conhecida como erva das bruxas – são os dois principais problemas do milho e do trigo na África, causando uma perda de receitas da ordem de 1,2 bilhão de dólares por ano só para o milho. No Quênia, ele constitui a base da alimentação e serve para preparar o ugali, uma espécie de pasta branca que acompanha todos os pratos.
Agnès Mbuvi pratica a técnica do “push-pull” desde 2002. Essa viúva de 45 anos possui um pequeno campo no qual ela afirma produzir 540 quilos de milho – contra 45 antes do “push-pull” – e isso duas vezes por ano. Desde então, sua vida mudou: ela chega mesmo a vender o excedente e pode inscrever dois dos seus três filhos na universidade.
Isolda Agazzi, swissinfo.ch
(Adaptação: Alexander Thoele)
Efeito combinado – é através do carrapicho-beiço-de-boi (Desmodium), uma planta originária da América do Sul, e o capim dos elefantes (uma espécie de gramínea), que os parasitas e as ervas daninhas são neutralizadas. Isso graças a um efeito combinado de atração-repulsão, chamado precisamente de “push-pull”.
Alternar – para isso é necessário alternar uma fileira de milho com uma de desmodium e cercar os campos com erva de elefante. O desmodium controla a erva das bruxas e repele (“push”) os insetos perfuradores para fora do campo de plantação, onde eles são atraídos (“pull”) pelo perfume das folhas pegajosas do capim de elefante. Eles morrem instantaneamente.
Produção – segundo o professor Khan, para que os camponeses não abandonem suas terras, é necessário que a agricultura gere para eles pelo menos 2 dólares ao dia. O sistema do “push-pull”, adotado por 20 mil camponeses no oeste do Quênia, lhes permite ganhar entre 3,2 a 4 dólares. E a aplicação dessa técnica pode aumentar a produção do milho, sorgo e milho-miúdo – os três principais gêneros alimentícios do continente – de 1 a 3,5 toneladas por hectare.
Biovision – A fundação suíça Biovision foi criada pelo agrônomo suíço Hans Rudolf Herren, detentor do prêmio mundial da alimentação em 1995 e copresidente do IAASTD, um relatório redigido por 400 cientistas em 2008 e que defende uma nova revolução verde, baseada na agricultura orgânica e de baixa escala.
Nota
Essa reportagem foi realizada graças ao apoio da rede Media 21 e do Centro de Formação de Jornalistas da Suíça (CRFJ).
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