A dura vida no campo
Exploração de minifúndios, agricultura intensiva, sistema de cotas para várias lavouras, produção integrada, homem e gado geralmente sob o mesmo teto.
A vida do agropecuarista suíço é bem diferente da vida de seus colegas dos trópicos.
Exploração de minifúndios, agricultura intensiva, sistema de cotas para várias lavouras, produção integrada, homem e gado geralmente sob o mesmo teto.
A vida do agropecuarista suíço é bem diferente da vida de seus colegas dos trópicos.
As fazendas suíças com freqüência têm dimensão de um sítio, de uma quinta ou mesmo de uma chácara, em função do país, pequeno – menor que o estado do Rio de Janeiro – de forte densidade demográfica. E, por isso mesmo, as terras são muito valorizadas.
Constata-se também que alguns agropecuaristas não são donos das terras em que plantam ou que exploram com criação de gado ou de outros animais. Muitos alugam parcelas de terras. Alguns, de fato, a totalidade de uma fazenda, inclusive a casa e as máquinas.
É o caso, por exemplo, de Olivier Richard, que mexe com 34 hectares, tem 25 vacas, 20 novilhas, 20 bezerros, 4 cabras e 3 cavalos, em Belfaux, ao lado Friburgo. Há 15 anos que ele arrenda a fazenda, que aliás é uma colcha de retalho, com as parcelas dispersas.
Segundo Richard, o aluguel é de 9 ou 12 anos. Mas que “se renova facilmente, se o proprietário não puder acusar o arrendatário de faltas graves”.
O “perfume” do estábulo
Um pormenor chama particularmente a atenção de quem chega pela primeira vez à Suíça: homem e animais vivem em geral sob o mesmo teto. A casa de residência e o estábulo (no caso, termo mais adaptado que curral, pois a rês fica presa em lugar exíguo) formam um só bloco.
A explicação é simples. Muitas dessas casas de fazenda foram construídas há muitas décadas, por vezes há um século ou mais. Num país em que o inverno é rigoroso, é mais simples construir uma única unidade que abrigue o homem e o animal.
Indagado se o mau cheiro não o incomodava, Olivier Richard é categórico: “incomoda os outros, para mim é perfume”. Não era preciso narinas apuradas para constatar imediatamente que esse “perfume” recendia à entrada de sua casa.
“exploração mista”
O cotidiano do agropecuarista suíço, com dias longos de trabalho, não difere muito do cotidiano de colegas de outros países. Só que na Suíça, onde a cultura é intensiva, o trabalho também é intensivo, o ano inteiro. Como diz Luciano Horbach, o jovem estagiário gaúcho há nove meses em Montilier (Friburgo) “aqui se planta, se capina, se aduba… o serviço não pára, principalmente no verão”.
O serviço é dobrado, até porque, geralmente, o fazendeiro suíço cuida de gado e de lavouras. É o que chamam de “exploração mista”. São poucos os que se ocupam apenas de uma dessas atividades. Naturalmente nas montanhas, onde o relevo torna as lavouras impraticáveis, a principal atividade é a pecuária.
Já na planície, a situação é realmente diferente. Como realça Jean-Luc Charbon, veterinário, em Estavayer-le-Lac (Friburgo):“Quase não há pecuaristas que sejam puramente pecuaristas, porque precisam de lavouras para sobreviver”. Assim, “não colocam os ovos na mesma cesta, mas dividem os riscos”, diz ele.
A pecuária
Na área da pecuária, a produção de leite é enorme na Suíça. Uma boa vaca leiteira pode dar até – no máximo – 50 litros. Segundo Richard Olivier, a média suíça é de 6900 kg por ano.
Felizmente para os tiradores de leite, a ordenha está quase toda mecanizada. Só ordenha à mão quem tem muito poucas vacas. (Às vezes, uma só nas montanhas, para as necessidades do agricultor).
Uma curiosidade, justamente a respeito de ordenha: uma fazenda (a “Association Bertschy-Chevalley”, em Murist, Friburgo) tem até um robô para tirar leite de 80 vacas, 24 horas por dia. Quando a rês – confinada num curral – passa por um cercado para comer, o robô, através de um chip, a identifica e tira o leite dela 4 vezes por dia. (Quando ela passa mais vezes, o robô a ignora. Havendo “pepino”, há um sistema de alarma).
As 80 vacas dessa fazenda produzem 2000 kg de leite por dia, ou seja, uma média de 25 litros cada uma.
É comum, um fazendeiro ter apenas 10, 15 ou 20 vacas. Mesmo assim o volume de leite produzido não deixa de ser considerável, dada a produção das vacas leiteiras.
Contingenciamento
Quase a metade da produção do leite suíço – cerca de 45% – é destinada à fabricação de queijos. (O soro – de que se extrai parte da manteiga – serve para alimentação de touros e, principalmente, de suínos).
A outra metade é destinada ao consumo da população à indústria de laticínios para fazer manteiga, iogurtes, ricotas, ou ainda em leite em pó.
Note-se, porém, que vigora no país um sistema de contingenciamento para a produção de leite. Cada pecuarista tem determinada cota e não pode produzir mais que o autorizado, a não ser que compre cotas de colegas do mesmo ramo. (O sistema de cota se aplica igualmente a certas lavouras, como veremos).
O objetivo é evitar excesso de produção e a rentabilidade do setor, já considerada fraca pelos criadores de gado leiteiro..
Agricultura intensiva
Na área da agricultura, a maior surpresa do estagiário agrícola brasileiro, Luciano Horbach, foi o trabalho intensivo do solo:“Na Suíça as propriedades são muito pequenas e todo pedaço de terra é ocupado”, constata o gaúcho.
Luciano exagera muito pouco ao afirmar: “Aqui não se planta o que se quer, planta-se o que se pode plantar”. E acerta em cheio quando observa que “na Suíça planta-se o que se pode vender”.
Esta é aliás uma regra básica de qualquer agricultor que se respeite, pois ele precisa estar atento ao mercado. Mas o sistema suíço de cotas para certos tipos de lavoura é muito rigoroso. As autoridades indicam a quantidade ou a superfície do que se pode plantar disso ou daquilo.
Exemplos
“Colza e beterraba são limitadas em quilos ou em toneladas”, assinala Jean-Luc Charbon.
(Toneladas, para a colza; quilos de açúcar, para a beterraba). “O excedente é mal pago ou, simplesmente, não é remunerado”, realça o especialista.
Outro exemplo: a produção de uva é limitada por metro quadrado. O excesso é simplesmente podado pelo viticultor antes da maturação.
Já para o tabaco há cotas para as superfícies em regiões destinadas a esse gênero de cultivo.
Se o agricultor quiser plantar uma dessas lavouras, deve se inscrever junto às autoridades competentes. Cerca de 4 meses antes pode saber suas cotas de lavouras.
Rotação de cultura
O agricultor precisa, portanto, tomar cuidado com as diferentes normas e ao, mesmo tempo, costuma concluir contratos que garantam fornecimento de tal quantidade de produto a determinada empresa. Uma maneira como outra de assegurar o escoamento da safra.
De resto, o tempo ajudando, a colheita é boa porque os agricultores suíços sempre aplicam a rotação de culturas para evitar empobrecimento do solo.
Olivier Richard, por exemplo, pode alternar suas lavouras na seguinte ordem: trigo, colza, milho, cevada e pasto, porque tem gado. Quem não tem gado poderia alternar assim: trigo, batatinha, trigo, colza, milho, trigo. Os agricultores costumam revezar as culturas qualificadas de “sarclées” (como milho, colza, batatinha, ervilha…) com as lavouras de cereais.
“A rotação de cultura é uma exigência biológica da natureza, lembra Jean-Luc Charbon: “Uma planta absorve muito cálcio, outra muito potássio, outra muito azoto…”. Então, logicamente, não se pode plantar sempre a mesma coisa nas mesmas terras, sem enfraquecê-las. E não menos importante, realça Oliver Richard: “A rotação visa também combater as pragas das lavouras”.
Controle sobre fertilizantes
Claro que se pode compensar deficiências do solo com fertilizantes. Mas a utilização dos mesmos é muito regulamentada. A principal justificativa para a severidade das normas é o fato de a Suíça ser pequena e não poder apostar na grande produção. Só pode apostar na qualidade. É como o suíço é minucioso por natureza, em geral dá certo.
A chamada “produção integrada” que procura associar rendimento e qualidade, respeitando o meio ambiente, é norma no país. Os fertilizantes são aplicados em função das necessidades. É uma análise prévia que vai determinar qual fertilizante vai ser utilizado em determinada lavoura.
Segundo Olivier Richard, o controle da terra para cultura é realizada em cada parcela. Ele vale por um período de 5 a 10 anos. Dependendo de como evolui a terra, decide-se sobre come continuar o cultivo, eventualmente modificando a rotação de culturas e aplicando fertilizantes.
swissinfo, J.Gabriel Barbosa
Cultura intensiva em pequenas propriedades é uma das principais características da agricultura suíça.
A maioria das fazendas é “mista” – lavoura e gado – porque é difícil sobreviver apenas com um desses ramos da agricultura.
Em função disso, os dias de trabalho são longos, em particular no inverno, quando é preciso agir como a formiga, preparando o inverno, porque os animais também precisam de um teto e de alimentos.
Pode surpreender o sistema de cotas existente no país. O contingenciamento do leite é mais conhecido, mas há limitações também na produção de certas lavouras, como cevada e beterraba.
Rotação de culturas é também muito praticada e controle da qualidade da terra é feito periodicamente.
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