Agricultores suíços se sentem ameaçados
A agricultura suíça está passando por uma verdadeira tormenta. Os ventos vêm de duas frentes, uma próxima, outra do outro lado do Atlântico.
Os agricultores suíços acham que têm tudo a perder na Organização Mundial do Comércio (OMC) e de um futuro acordo de livre comércio com os Estados Unidos.
As manifestações dos agricultores suíços se multiplicam porque eles se sentem cada vez mais ameaçados. Embora o ministro da Economia, Joseph Deiss, reitere freqüentemente que a Suíça “vai defender a existência indispensável dos agricultores” – como foi o caso recentemente em Washington – o setor está sendo reformado há anos e é cada vez menor o número de propriedades.
Os “perigos” da OMC
No banco dos réus dos agricultores suíços estão os grandes países exportadores de produtos agrícolas, entre eles o Brasil. Esta semana, o Conselho Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, deverá dar um novo impulso às negociações do ciclo de Doha, bloqueado desde a conferência de Cancún, em 2003, justamente por causa agricultura.
As negociações são sobre a liberalização do comércio como um todo mas os países exportadores de produtos agrícolas exigem maior acesso aos mercados dos países do Norte. União Européia, Japão e países menores como a Noroega e a Suíça tentam resistir.
Mas a agricultura representa apenas 5 a 10% do comércio mundial e os agricultores em geral, incluindo os suíços, temem ser sacrificados em troca da liberalização de outros setores (indústria, serviços, finanças etc).
A Suíça privilegia os acordos multilaterais, insiste o ministro Joseph Deiss, mas os agricultores suíços protestam contra a OMC. Os produtores de beterraba de açucar, por exemplo, tendem a desaparecer depois que, em abril, a OMC deu ganho de causa ao Brasil, Tailândia e Austrália contra as subvenções da UE (1,7 milhão de dólares por ano) em subvenções ao preço e às exportações de açucar.
A Suíça não é membro da UE mas alinha-se à sua política de subvenções. O resultado é que o consumidor paga três vezes e meia o preço do açucar do mercado mundial.
País importador
A preocupação dos suíços vai muito além do açuçar de beterraba. “A OMC destrói a existência camponesa”, afirma o presidente da poderosa União Suíça de Agricultores. Hansjörg Walter. Ela explica que os agricultores suíços estão sofrendo fortes pressões das negociações muitilaterais, que reduzem tarifas, e pela redução das subvenções.
Os produtores de cereais, frutas, verduras e vinhos também estão aflitos. Como são produtos menos perecíveis e de transporte mais fácil, são os mais pressionados à baixa de tarifas. John Dupraz, presidente da Federação Suíça de Cerealistas afirma que “temos de evitar que as necessidades da população sejam sacrificadas em proveito alguns produtores gigantes de cereais e soja”.
É fato que a produção agrícola total da Suíça não abastece o mercado interno. Por isso o país é importador de produtos agrícolas.
Perdas previstas
Segundo cálculos do negociador suíço na OMC, Luzius Wasescha, os agricultores suíços devem perder receitas de 3 bilhões de francos por ano, com as novas concessões feitas na OMC.
Para o presidente da Associação Suíça dos Produtores de Leite, Peter Gfeller, os produtos agrícolas suíços não são caros. “Eles são eqüitativos, se considerarmos o nível de renda em cada país; um suíço trabalha seis minutos para comprar um quilo de pão, um austríaco o dobro e um brasileiro uma hora”, afirma.
Ele propõe que a OMC integre esse critério de cálculo para “permitir que cada agricultor possa viver do seu trabalho”.
Prudente e dura nas negociações, a Suíça diz que privilegia o multilateralismo mas investe em negociações bilaterais e regionais. Com a UE, principal parceiro comercial, ela tem duas séries de acordos bilaterais mas não poderá ir além, segundo especialistas, depois da ampliação da UE para 25 membros.
A Suíça já tem 15 acordos assinados com outros países e negocia outros cinco atualmente com Canadá, Coréia do Sul, Tailândia, Egito e União Aduaneira da África Austral.
Agora os Estados Unidos
Na semana passada, o ministro da Economia Joseph Deiss esteve nos Estados Unidos para lançar a idéia de um acordo de livre comércio. A receptividade foi boa e grupos binacinais de especialistas agora vão estudar as condições de conclusão de um acordo.
A viagem de Washington faz parte da estratégia definida pelo governo federal meses atrás de ampliar as relações privilegiadas com os principais parceiros comerciais da Suíça, a começar pelos Estados Unidos. O Brasil também está nessa lista.
O acordo com os Estados Unidos deve ocorrer em menos de dois anos, prazo em que o presidente Bush dispõe do chamado Fast Track, a liberdade de negociar acordos comerciais sem que o Congresso possa modificá-los, apenas rejeitá-los ou aprová-los.
A Suíça quer ter melhor acesso ao mercado estadunidense sobretudo para seus produtos industriais e serviços mas a agricultura é capítulo importante e preocupante para os agricultores suíços. Além dos 3 bilhões de perdas na OMC, estima-se que perderiam outros 2,5 bilhões com um acordo com os Estados Unidos.
Em Washington, Joseph Deiss falou com Rob Portman, representante do presidente Bush para os acordos comerciais e com o secretário da Agricultura Bob Goolatte.
Ouviu deles que os Estados Unidos querem vender mais produtos agrícolas, em caso de acordo. O ministro suíço respondeu que seu país já é grande importador mas que defenderá a existência indispensável de seus agricultores.
swissinfo, Claudinê Gonçalves
Lançado em novembro de 2001, o ciclo de Doha sobre a liberalização do comércio deveria ter sido concluído em 2004.
As negociações chegaram a um impasse devido à questão agrícola, na conferência munisterial de Cancún, no México, em setembro de 2003.
A próxima conferência ministerial da OMC será em dezembro próximo, em Hong Kong.
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