Alinghi e Oracle têm alta tecnologia para captar o vento
Adiada desde segunda-feira por falta de vento, as equipes suíça Alinghi e norte-americana Oracle deverão finalmente se enfrentar a partir de sexta-feira (12) em Valência, na regata mais prestigiosa do iatismo mundial, a Copa América.
A Alinghi venceu as duas últimas edições e, conforme a tradição, tem o direito de ditar as regras.
Mas os barcos mudaram muito desde a primeira edição, em 1851. Alinghi e Oracle são dotados das mais modernas tecnologias.
O dia começa bem cedo para os tripulantes, os projetistas, os meteorologistas e os homens de apoio de Alinghi, em Valência, na Espanha. E a primeira coisa que eles fazem ao pular da cama é olhar para o céu, ainda meio escuro, por conta do inverno veja os vídeos na coluna à direita.
A temperatura do ar, a pressão atmosférica, a extensão da visibilidade da costa são alguns dos principais parâmetros que irão reger o passar do tempo nas horas seguintes. Deles depende a rotina de cada membro do grupo suíço, na contagem regressiva para a disputa da Copa America, a principal competição de vela do mundo, marcada para começar no dia 8 de fevereiro.
Instalados em hotéis, apartamentos e casas nas proximidades da marina, eles abrem as janelas, respiram o ar puro que sopra do mar Mediterrâneo e imaginam aonde irão passar o dia: se a bordo do catamarã ou em um dos barcos de apoio, dentro d’água, ou em terra firme, diante dos computadores nos escritórios do imenso box montado na marina, ou ainda em pleno voo, na “hidro-asa-delta” a motor. Tudo depende da função de cada um.
Em comum estão a concentração absoluta em rastrear os problemas, encontrar soluções, aperfeiçoar os equipamentos e a coordenação e a troca de ideias entre os integrantes do grupo Sociedade Náutica de Genebra, de Alinghi. Como um time de futebol, antes de entrar em campo, no caso, no mar da regata, os tripulantes devem estar bem preparados física e psicologicamente para reger e utilizar, da melhor maneira possível, o enorme fluxo de informações.
E elas chegam a todo instante, das mais variadas frentes de “combate”: sobre os limites técnicos de cada equipamento a bordo, as previsões do tempo e, claro, das observações de campo, na raia de competição, das reações e táticas do adversário, no caso, o trimarã americano Oracle.
“O dia começa às sete e meia da manhã, com o time já em operação, na hora do café. Depois o grupo da vela vai para o ginásio esportivo, cuidar da preparação física. Temos, logo depois, uma primeira reunião com este grupo que, dependendo das condições da meteorologia, podemos cair na água ou não”, explica o assessor de imprensa deAlinghi , Massimo Procopio, à swissinfo.ch.
Aulas
Se eles não vão para o mar, tarefas não faltam por fazer em terra firme. O trabalho é sempre muito. Trezentos metros quadrados de vela, o equivalente a nove quadras de tênis, precisam de manutenção constante e de atenção redobrada. Entre um ajuste aqui e outro ali, eis o grupo jogando video-game, não por diversão, mas por profissionalismo.
Alinghi possui um software capaz de reproduzir a raia da competição, as diferentes direções, condições e intensidade das ondas e do vento. Os tripulantes treinam na realidade virtual aquilo que deverão encontrar na competição. O jogo é uma espécie de simulador e tem o mesmo objetivo do aparelho usado pelos pilotos de avião: treinar os reflexos, movimentos individuais e coletivos a bordo, as estratégias de regata, que são tão variáveis quanto os vetores que incidem numa raia de competição muito grande.
“Vamos correr longe da costa e, ao mesmo tempo, num amplo perímetro de campo, as condições do vento nem sempre vão ser homogêneas. Ao contrário dos barcos de quilha, o catamarã exige dos tripulantes respostas individuais extremamente rápidas”, explica Ed Baird, timoneiro de Alinghi, e já campeão na campanha de 2007.
Filho do vento e da tecnologia, Alinghi exige dos tripulantes uma
mentalidade de enxadrista. “Temos que prever nossas manobras com antecedência pois elas, quando forem realizadas, não perdoam equívocos”, alerta ele. O catamarã acelera de zero a 25 nós em poucos segundos, como um cavalo selvagem. Todos a bordo devem aprender a usar seus equipamentos da maneira mais perfeita possível para dar ao barco a maior eficiência.
“Temos que falar a mesma língua, nos entendermos num piscar de olhos. Sozinho não posso cuidar de uma vela que pesa quase 250 quilos. Temos que sair com a vela justa e, para isso, as informações dos meteorologistas devem ser precisas ”, diz à swissinfo.ch, o italiano Lorenzo Mazza, um dos velejadores.
Carbono e fibra ótica
Com o vento contra, Alinghi não pára, mas navega de marcha a ré. “Antes era como se velejássemos em câmara lenta. Agora tudo é muito mais veloz” , conta Ed Baird.
Em terra firme, os tripulantes e os demais membros do Alinghi participam de duas reuniões diárias para aprender todos os segredos do barco. Eles descobrem que os projetistas instalaram fibras óticas entrelaçadas às de carbono, usadas na construção do mastro,cabos, retranca e flutuadores. Assim, a carga de tensão pode ser medida, em tempo real, em 150 pontos diferentes do barco.
As informações recebidas e interpretadas pela equipe de terra são repassadas para a tripulação. Este tipo de telemetria, semelhante a usada nos carros de fórmula 1, permite saber os limites da deformação de um cabo, sem correr o risco de ruptura. Mas os dados também chegam do alto.
Batalha naval
Alinghi tem uma asa-delta a motor, com dois flutuadores. Ela decola e pousa na água. A função principal é estudar as correntes de vento na raia de regata. Quanto mais dados a equipe de meteorologistas conseguir acumular, maiores serão as chances de saber o quê fazer, qual rumo apontar a proa nos dias da competição.
Nos momentos “vagos”, ela sobrevoa o barco do adversário, o trimarã americano Oracle, para estudar melhor o adversário. Ele só falta decolar da água, de tão veloz.
A vela de Oracle é uma asa, feita de fibra de carbono e coberta com um fio especial usado pela indústria aeronáutica, capaz de aproveitar cada sopro de brisa. Só que a vela não pode ser enrolada ou dobrada, como as tradicionais. Quando ela não está arranhando o céu, empurrando o trimarã, repousa deitada sobre cavaletes, dentro de num galpão.
“A Ideia surgiu quase como brincadeira, com uma observação de um barco pequeno. Depois o time de designers arregaçou as mangas e produziu uma peça única de engenharia e design nunca feita anteriormente. E se pensarmos que se trata de um objeto quase duas vezes maior do que a asa de um jumbo 747, podemos entender que é algo muito sofisticado e grande”, diz à swissinfo.ch Max Sirena, italiano, velejador e projetista de Oracle.
A espionagem sempre existiu na Copa America . A segurança em terra firme é um item importante na campanha pelo troféu de maior prestígio da vela mundial. Na marina de Alinghi, há câmeras instaladas por todos os lados para evitar visitas indesejadas. O jeito é espionar em mar aberto. Com vários barcos menores de apoio e voo de helicópteros, os dois grupos observam-se a uma pequena distância de segurança.
O mesmo acontece com o vizinho “box” de Oracle, vigiado dia e noite por policiais, ainda que boa parte da equipe e o próprio barco estejam no cais do porto. O motivo é simples: as dimensões dele são tão grandes que o canal de saída da marina oficial tornou-se estreito demais para as manobras.
Apesar de tanta tecnologia, Oracle e Alinghi dependem de uma única força que joga de igual para igual, com ambos os competidores: o vento. Mesmo sendo invisível, ele é o único que não faz segredo algum.
Guilherme Aquino, Valência, swissinfo.ch
Alinghi e Oracle gastaram juntos cerca de 400 milhões de euros, aproximadamente, no total da campanha.
Cada um dos competidores traz um motor de 160 cavalos para içar a vela e realizar os movimentos hidráulicos a bordo.
A instalação da vela de Oracle exige quatro horas de trabalho e o uso de dois guindastes. A vela tem 68 metros de altura.
Os “aerofólios”laterais de Alinghi aumentam o rendimento do barco em até 25%. O aerofólio traseiro diminui a turbulência do ar.
Oracle impetrou nove ações contra Alinghi no Tribunal de Nova York, sede oficial da Copa América. Cada time gastou cerca de 500 mil euros com advogados nos últimos dois anos.
Uma das regras da Copa América determina que os barcos devem ser construídos completamente no país de origem. Estas regras foram escritas faz mais de um século,quando a globalização não existia. Uma nova reinterpretação dela é a base da disputa jurídica.
Alinghi tem os suíços Ernesto Bertarelli, Yves Detrey, Nils Frei e Pierre- Yves Jorand no grupo de velejadpres; Jim Bunger, Luc Dubois, Jean Claude Monnin e Andreas Winistoerfer, no grupo de designers; Damien Weiss, David Nikles e João Cabeçadas (português), no grupo em terra.
Uma milha naútica é igual a 1.852 metros. Um nó de vento é igual a 1,852km/h
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