Perspectivas suíças em 10 idiomas

Brasileiros e portugueses no sistema previdenciário suíço

Maria "Marijô" Perrin é uma brasileira aposentada na Suíça. swissinfo.ch

Vivendo entre dois mundos, brasileiros e portugueses nem sempre recebem seus direitos por medo ou por não conhecerem bem o funcionamento do sistema previdenciário suíço.

Grande parte de brasileiros e portugueses vivendo na Suíça já possui a dupla cidadania, ou são cidadãos da comunidade européia, o que não significa estarem bem informados de seus direitos e obrigações no país.

Na maioria dos casos, a barreira da língua é o que impede logo na chegada de procurarem as informações corretas. Além disso, os que estão ilegais temem procurar seus direitos e ajuda dos órgãos especializados com receio de punições ou expulsão. E isto não é tudo.

O bom conhecimento das leis, no entanto, é o que garante ao trabalhador estrangeiro na Suíça segurança e uma possível economia de impostos. Para evitar surpresas após a carreira profissional, seria necessário, portanto, que todos conhecessem seus direitos e obrigações, adaptando-se o mais rápido possível a esta nova sociedade, na qual as informações existem, inclusive em português.

Depoimentos de vários brasileiros e portugueses que vivem no país mostram claramente que muitos deles, apesar de estarem satisfeitos com o sistema previdenciário suíço, desconhecem o funcionamento do 3°pilar. E, como já era de se esperar, quase todos os entrevistados vivem com um pé na Suíça e outro no país de origem. A maioria espera receber duas aposentadorias e alguns não estão informados a respeito da possibilidade de se retirar o capital depositado no 2° e 3° pilares no caso de deixarem o país.

A lenda brasileira em Berna

A alegre Maria “Marijô” Perrin – que com sua coleção de 4.600 colares entrou para o Livro dos Recordes – é uma aposentada brasileira que acha ter nascido em 1935 e virou personalidade em Berna. Após 18 operações e uma prótese no joelho, ela se diz realizada na Suíça e muito satisfeita com o apoio do sistema previdenciário suíço.

Marijô saiu de ônibus de João Pessoa, Paraíba, ainda muito pequena para trabalhar no Rio de Janeiro com uma patroa paraibana. Estudou em Ipanema, quando foi convidada para trabalhar na casa de um diplomata brasileiro em Berna. Em 1972, realizou seu sonho de criança de conhecer a Europa e viajar de avião.

Muito trabalhadora, serviu nove anos como ajudante de enfermeira em Köniz, perto da capital suíça, e durante vários anos serviu como governanta em asilos da capital helvética. Apesar destes anos todos morando no cantão de Berna, confessa não conhecer bem a previdência social. “Nunca me preocupei muito por confiar nos patrões, confiava que eram honestos e pagavam os 1° e 2° pilares pra mim”.

Mesmo tendo sido casada como um suíço, nunca se diz suíça. Marijô dá uma gargalhada e declara: “A gente não deixa nunca de ser brasileira, sempre tenho uma bandeira do Brasil comigo!”.

Ela diz não ter economias, mas sim anjos da guarda no Brasil e em Berna. Aposentada nos dois países, ela recebe da Suíça uma aposentadoria de dois mil francos suíços por mês e o sistema social de Berna complementa sua pensão, pagando o plano de saúde. Para completar a renda e viajar, a paraibana dança, apresenta-se em pequenos shows e cozinha por encomenda.

“Minha irmã sempre pagou o INSS no Brasil pra mim e hoje minha amiga recebe e paga minhas contas”, conta. Depois de várias hospitalizações, confessa que sempre foi bem tratada como aposentada e como paciente nos hospitais suíços.

Marijô espera não perder sua pensão do Brasil e diz que é segurança psicológica poder voltar e viver tranqüila. Sabe que, neste caso, tem direito de continuar recebendo sua aposentadoria suíça, mas nunca entendeu bem o sistema. Hoje, ela se diz muito satisfeita com o sistema de previdência na Suíça, mas, se pudesse escolher, gostaria de ser enterrada no túmulo com a mãe em sua terra natal.

Sempre trabalhei na Suíça

“Não pretendo voltar ao Brasil para morar”, explica o jornalista Gabriel Barbosa, 70 anos, aposentado. Natural do Estado de Minas Gerais, região central do Brasil, Barbosa acredita que, com suas influências européias, sua idade e o fato de estar há 45 anos residindo na Europa, “seria difícil se readaptar ao País, tanto profissional quanto social e financeiramente, até porque gente idosa é, em geral, menos flexível”.

Mas nem por isso ele deixa de viajar freqüentemente ao Brasil em busca do calor, da família e dos velhos amigos. Nessas viagens, entretanto, ele constata, cada vez mais, como diminuíram suas afinidades com o jeito brasileiro de viver. Ele não cita apenas fatores negativos como segurança, que considera o mais preocupante. Fala da desorganização bastante generalizada, de uma burocracia irritante que implica em “um gasto absurdo de papel e uma perda de tempo para milhares, milhões de brasileiros”, e, ainda, o pouco de respeito humano, manifestado em relação a toda pessoa que pareça de condição inferior.

Barbosa, como é chamado por seus amigos, reconhece, evidentemente os aspectos positivos do País e as qualidades afáveis do brasileiro, especialmente, nas regiões que mais freqüenta, os Estados de Minas Gerais, Goiás e São Paulo. Alguns exemplos são o carinho das pessoas queridas, a forma delicada como os visitantes são tratados, a fartura nas casas de quem tem muito ou pouco dinheiro, a generosidade, a natureza, o bom clima (quando o calor não é excessivo), fator particularmente apreciado para quem vive numa Suíça de tempo extremamente instável, cinzento, por vezes quase lúgubre e pouco pródiga em sol.

É natural, portanto, que tais fatores não pendam para o lado brasileiro, uma vez que se acostumou à mentalidade européia, nos quase dois terços de sua vida passados na Europa. Some-se a isso o fato de que Barbosa casou-se com uma holandesa e tem um casal de filhos bem suíços, até porque nasceram e cresceram na terra de Guilherme Tell.

Barbosa veio muito cedo para o Velho Continente. Conseqüentemente, se profissionalizou na Suíça e não chegou a pagar a previdência social no Brasil. Por conseguinte, não recebe pensão do governo brasileiro. Entretanto, recebe a primeira faixa da Previdência local, o “seguro velhice e sobreviventes” (AVS-AI/AHV-IV, o denominado “primeiro pilar” na Suíça. É uma simples ajuda, destinada a garantir a subsistência do segurado, mas que dá apenas para sobreviver, em condições pouco invejáveis.

Na Suíça, Barbosa ainda recebe uma pensão suplementar, correspondente à metade de último salário de jornalista. Se tivesse contribuído integralmente, receberia 60% de percentagem mínima, valor relativo à segunda faixa do Sistema de Aposentadoria suíço, o “segundo pilar”.

Barbosa não sabe se morasse no Brasil conseguiria viver como vive atualmente na Suíça. Se tivesse que contar com apenas esses rendimentos, até porque ainda não fez os cálculos de quanto gasta… Talvez não pudesse viajar, como viaja algumas vezes por ano, ao exterior. Hoje, além de trabalhar esporadicamente, guarda um pouco de suas economias, destinadas a pagar suas viagens.
O orçamento familiar ele deve também contar com as despesas de sua mulher, aposentada prematuramente aos 61 anos, e que terá novamente alguma renda só a partir dos 64 anos.

E Barbosa acrescenta: “Se tivéssemos que viver do montante que recebemos mensalmente, não poderíamos fazer extravagâncias, pois o nível de vida na Suíça, como se sabe, é muito elevado”, desabafa.

Ele confessa não se ter interessado muito sobre o funcionamento do sistema previdenciário suíço. Está bem consciente de que as duas primeiras faixas de contribuição do sistema são obrigatórias. A contribuição para esses níveis é descontada diretamente na folha de pagamento. Tanto o empregado quanto o empregador pagam o mesmo montante.

A segunda faixa de contribuição tornou-se obrigatória em 1986. Até em então existia o chamado “seguro de grupo”. Quando o empregado se aposentava, dispunha do dinheiro da forma que melhor lhe aprouvesse.

No tocante à terceira faixa de contribuição – o “terceiro pilar” – ela corresponde simplesmente a uma previdência privada ou seja, economias pessoais. Mesmo assim o governo estimula esse tipo de contribuição, até porque, na Suíça, as autoridades estão obrigadas a cuidar dos desvalidos. Atualmente, o contribuinte pode deduzir mais de 6 mil francos dos rendimentos em suas declarações de imposto de renda.

Concluindo, Barbosa destaca que na Suíça, um país de baixa inflação, o aposentado goza de certa tranqüilidade, pois o que recebe de pensão dá para viver ou pelo menos sobreviver. O aposentado não precisa se preocupar com o fato de que o dinheiro não será suficiente, se bem que, com a atual e preocupante crise financeira internacional e o perigo de recessão, tudo possa ser questionado daqui para frente…

Brasileira recém chegada a Berna

Em janeiro de 2008, chegou a Berna a mais nova imigrante brasileira. Márcia Anélio veio de São Paulo capital onde trabalhava como professora na rede municipap. Com a volta de seu esposo suíço para Berna, Márcia entrou legalmente no país; porém, sem falar o alemão, ainda não encontrou trabalho. Ela contou também que na chegada não recebeu informações sobre o sistema suíço. “Deram-me a permissão e pronto”, explica.

No Brasil, tudo era descontado nafolha de pagamento, por isso Marcia diz não conhecer bem o sistema previdenciário brasileiro. Sabe que pagava algo como o 1° e 2° pilares como funcionária pública, mas nunca se interessou em pagar previdência privada (3° pilar). “Eu era muito jovem e não pensava em me aposentar”, justifica.

Márcia lembrou ainda que, como para muitos trabalhadores no Brasil, não sobrava dinheiro para pagar um plano de previdência privada e sua prioridade era “viver o presente”, conta. Hoje na Suíça está incluída como dependente no plano do marido, mas não se preocupa, pois pretendem voltar ao Brasil em três anos. Perguntada como será no Brasil, por ocasião de sua volta, Márcia sorri e desconversa.

O caso diferenciado dos portugueses

Os portugueses estão em uma situação especial na Suíça em relação aos brasileiros. Por fazerem parte da União Européia, portugueses gozam de facilidades em obter a permissão de trabalho, por isso não se conhecem portugueses ilegais no país. Segundo Manuel, há poucos portugueses que pensam em ficar na Suíça quando se aposentarem. Na maioria dos casos, trabalham na Suíça e enviam dinheiro para Portugal para preparar a aposentadoria. Fazem isto como forma de previdência privada, mas não sabiam que isso é o 3° pilar.

Manuel trabalhou legalmente desde pequeno na construção civil de Braga, norte de Portugal. Nestes 12 anos como empregado contratado, sempre contribuiu com o mínimo obrigatório. Hoje, depois de 20 anos vivendo em Berna e trabalhando em restaurantes, deseja aposentar-se e voltar a viver em sua terra natal. Ainda desconfiado, espera receber as duas aposentadorias e retirar o que tem direito no fundo de garantia suíço. Ele sabe que tem direitos, porém, nunca os entendeu bem. “As informações em relação ao 2° e 3° pilares do sistema previdenciário suíço sempre vieram de amigos portugueses”, completa.

Casado com uma enfermeira portuguesa que trabalha nos hospitais de Berna, Manuel prefere acreditar nas experiências dos amigos como base para planejar o futuro, mas afirma que os portugueses em geral se dizem satisfeitos com a previdência suíça. “Como bom português que sou, mesmo sabendo das vantagens da vida de aposentado vivendo na Suíça, pretendo terminar nossa casa em Braga e voltar para Portugal”, afirma com saudosismo.

Depoimento de um brasileiro que vive no “cinza”

O garçom vindo de Minas Gerais, com passagens por Genebra e China, vive hoje em casas de amigos em Lausanne, oeste da Suíça. Confessa que trabalha há nove anos no “cinza”. Vivendo sem permissão na Suíça, mas sempre muito bem tratado e feliz, explica: “Se você paga o 1° e 2° pilares direitinho, você é considerado legal perante o sistema previdenciário suíço. Quem trabalha no negro não é registrado e não contribui com a previdência”. E completa que vive no “cinza” por não ter permissão de moradia e, não sendo registrado, não paga imposto.

No Brasil trabalhou e pagou todas as obrigações da previdência, porém não espera receber algo se um dia voltar ao Brasil. Por isso acha que o dinheiro do INSS está perdido. Com um fatalismo comum de desiludidos com o sistema, confessa que “o que vale é o que eu economizo por fora, já comprei uma casa no Brasil e tenho ações de firmas estrangeiras”. Com isso espera viver bem quando a velhice bater à sua porta, mas acrescenta que não quer perder tempo hoje pensando sobre a velhice.

Por não pagar imposto, este mineiro não sabia e nunca se interessou pelos benefícios de se poder abater as contribuições do 3°pilar do imposto de renda. Apesar de dominar perfeitamente o francês, explicou ainda que aprendeu tudo o que sabe sobre a Suíça com os amigos e gerentes de restaurantes.

Sem medo da polícia, mas consciente da fragilidade de sua situação, confessa que quase já foi pego. Desiludido um pouco com a imagem da Suíça, conclui que “com poucos fiscais, o governo da cidade esté impotente para combater os trabalhadores ilegais nos bares e restaurantes”.

Suíço-baiano com muito orgulho

A competência e a educação são o lema deste brasileiríssimo-suíço nascido na Bahia e há 11 anos na Suíça francesa. Como professor no Brasil sempre contribuiu para o INSS e, hoje, insiste na necessidade de continuar pagando como autônomo. “A segurança de já ter uma aposentadoria garantida no meu país de origem me tranqüiliza para viver no exterior, mas, se Deus quiser, vou permanecer na minha nova pátria!”, declara o baiano.

Conhecia a Suíça através de livros. E, quando sua irmã veio morar aqui, seguiu seus passos. Veio pela primeira vez como turista, e, fascinado pela cidadania e democracia do país, radicou-se na parte francesa, trabalhando no início ilegalmente até casar-se e estabelecer-se definitivamente na Suíça. Hoje trabalha e contribui para a previdência suíça como todo cidadão em situção legal.

Diz nunca ter sido informado pelo governo suíço, porém, por falar a língua, sempre teve acesso às informações. O baiano reconhece que, no início, não se interessou em saber mais sobre o sistema previdenciário, pois a prioridade maior era a sobrevivência. “Por nunca ter lido os papéis oficiais que recebo, acabei me inteirando informalmente com amigos”.

Como os outros entrevistados, indignou-se com a possibilidade de abater os valores das contribuições para o 3° pilar do imposto pago na Suíça, mas não culpa ninguém por isso. Confessou já ter ouvido falar dessa possibilidade, porém não tem condição financeira para investir na previdência privada, mesmo sabendo das vantagens.

Na sua opinião, “pessoas aculturadas se integram melhor por saber ler e interpretar as leis”, e aconselha a todos os que pensam em emigrar para a Suíça de se informar bem melhor antes de saírem do país de origem. Nosso entrevistado declara ter sido muito difícil no início, mas não se arrepende de nada e fala com orgulho que nunca recorreu ao sistema de apoio social.

Mesmo quando desempregado, ele nunca procurou ajuda do seguro desemprego por uma questão de integridade pessoal. “Quando você se inscreve no social, cede uma parte de sua privacidade aos órgãos oficiais”, fala com orgulho e uma certa desconfiança. “Claro que no início não podia receber seguro desemprego por não estar cadastrado oficialmente. Eu trabalhei sim no negro e no cinza! Hoje, legalizado, sinto-me totalmente integrado e com paz de espírito. Viver na Suíça só tem vantagens”, finaliza.

swissinfo, Alexandre Maestrini

O sistema de aposentadoria helvético é considerado um dos melhores do mundo.

Na Suíça o trabalhador conta duas fontes obrigatórias: a primeira, mais conhecida como 1° pilar, é o seguro básico para todas as pessoas que residem ou trabalhem na Suíça. Ela é baixa, mas garante que ninguém deixe de ter uma renda mínima quando atingir a idade de abandonar o batente, atualmente aos 65 anos.

A segunda base é a previdência profissional, o chamado 2° pilar, que assegura todos os empregados a partir dos 25 anos de idade e cujo salário anual atinje o limite mínimo anual de CHF 19.350. Ela complementa a renda e é calculada por uma taxa de conversão do capital acumulado durante os anos de trabalho. A taxa atual de conversão do 2° pilar é de 6,4 ou seja, para um capital acumulado de 100 mil francos, ao se aposentar com 65 anos de idade, a pessoa terá um salário anual de 6 mil e 400 francos.

O terceiro pilar é a previdência privada.

Mais lidos

Os mais discutidos

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR