Cantões suíços são pivô da disputa fiscal com a UE
Para os cantões, o último ataque da Comissão Européia contra o seu regime fiscal de pessoa jurídica não trará nenhum resultado sem que ocorra um plebiscito nacional que peça o fim da sua autonomia financeira.
Várias autoridades cantonais declaram que pretendem ignorar as novas imposições da União Européia (UE) de acabar com os privilégios que Bruxelas chama de “injusto”.
Segundo a constituição helvética, os cantão têm autonomia total na questão de recolhimento de impostos e do sistema fiscal. Essa característica única permite que eles possam oferecer incentivos fiscais atraentes, quando querem atrair empresas ou milionários.
Em um documento de 17 páginas, a Comissão Européia acusa a Suíça de violar dessa forma o Acordo sobre o Livre Comércio firmado em 1972 entre as duas partes. Na sua análise, ela estima que os cantões cometem uma injustiça ao oferecer tantas vantagens fiscais para empresas. Ao mesmo tempo o sistema de incentivo fiscal também provoca evasão de consideráveis recursos para os países da UE.
O relatório elaborado em Bruxelas foi entregue nos últimos dias à Suíça. O governo helvético ainda tenta defender o sistema frente à UE. O argumento: a lei impede as autoridades de intervir ou atacar a autonomia dos cantões.
Resistir às pressões
“A Comissão Européia não entende o nossos sistema federativo. A realidade é que o governo federal na Suíça não têm nada a dizer nessas questões fiscais dos cantões”, declara Kurt Stalder, secretário da Conferência de Diretores Cantonais de Finanças.
“Está escrito nas nossas leis que os cantões têm autonomia de recolher os impostos. Seria necessário um plebiscito nacional para modificar essa situação. Várias vezes o eleitor suíço foi convocado a modificar esse sistema, mas ele sempre o recusaram”.
Kurt Stalder acrescenta ainda que, durante um encontro recente entre os 26 ministros cantonais de Finanças, foi adotado de forma unânime uma resolução para resistir à pressão européia.
O ministro de Finanças do cantão de Zug, Peter Hegglin, não entende porque a Comissão Européia decidiu lançar essa campanha nesse momento.
“O sistema de tributação das pessoas jurídicas, que está sendo tão criticado no momento pela Comissão Européia, já existe nos cantões há mais de cinqüenta anos. Não podemos nos deixar ser intimidados”, reforça Hegglin em uma coluna recentemente publicada no jornal “Tagesanzeiger”.
Irlanda e o Chipre têm o mesmo sistema
A harmonização fiscal introduzida em 2001 já obriga os cantões a definir as taxas de recolhimento de impostos e fixar as subvenções e deduções autorizadas. Porém a lei também dá liberdade aos cantões de determinar a alíquota de impostos.
Além disso, o sistema de incentivo fiscal utilizado pelos cantões para atrair grandes empresas também já foi utilizado com sucesso por países europeus como a Irlanda e o Chipre. Porém a Suíça tem tido nos últimos anos muito sucesso em atrair um grande número delas, sobretudo pela qualidade de vida no país.
A disputa fiscal entre a União Européia e a Suíça já dura há dezoito meses. Nesse tempo, vários cantões – o primeiro foi Obwald – reduziram ainda mais a sua alíquota de impostos.
Talvez isso explique porque a segunda maior empresa do setor agroalimentar do mundo, a Kraft, tenha transferido sua sede européia de Londres e Viena para Zurique.
Fortunas individuais
Os cantões também têm autonomia fiscal para atrair grandes fortunas aos seus territórios. Essa prática encontra oposição até de grandes cantões como Zurique.
Isso pois Zurique está cercado de pequenos cantões que atraem, através de vários pacotes de incentivo fiscal, as pessoas de renda elevada. Dessa forma elas continuam trabalhando em Zurique, aproveitando da sua infra-estrutura e do estilo de vida que a maior metrópole suíça oferece, mas sem pagar impostos por lá.
A disputa interna termina, porém, exatamente no momento em que a Comissão Européia começa a pressionar a Suíça. “Nessa questão todos os ministros cantonais das Finanças estão de acordo em refutar qualquer pedido feito pela comissão”, reforça Kurt Stalder.
swissinfo, Matthew Allen
O artigo 23 do Acordo de Livre Comércio estipula que “toda ajuda pública que possa destocer a concorrência ao favorecer algumas empresas ou produções” é contrário aos termos do acordo.
O acordo, firmado em 1972, estipula regras gerais para o comércio de certos produtos (produtos agrícolas e industriais).
A Suíça estima que os incentivos fiscais não fazem parte do acordo.
Algumas alíquotas fiscais para pessoas jurídicas (o acúmulo dos impostos federais, cantonais e comunais) em alguns cantões suíços, segundo um estudo realizado pela KPMG: Obwald (13,1%) do lucro operacional das empresa, Schwytz (15,6%), Zug (16,4%), Zurique (21,3%), Grisões (29,1%). Média aplicada na Suíça: 21,3%.
Alíquotas aplicadas em outros países: Japão (40,7%), Estados Unidos (40%), Alemanha (38,3%), Irlanda (12,5%) e Chipre (10%).
Alguns cantões se especializaram em atrair grandes fortunas privadas. Os cantões de Vaud, Genebra e Zurique propõem “acordos” para os milionários que ganham o seu dinheiro no exterior, mas que desejam residir e pagar seus impostos neles.
Esse curioso sistema de incentivo fiscal fez com que diversas estrelas do esporte e cinema, além de grandes empresários, viessem morar na Suíça: Alain Delon (cinema), Michael Schumacher (Fórmula 1), Ingvar Kamprad (o fundador do fabricante de móveis sueco IKEA) e, recentemente, Johnny Halliday, um famoso cantor francês.
Halliday decidiu fixar residência no famoso vilarejo de Gstaad, conhecida estação de esqui para ricos, no cantão de Berna. Além do ar puro, o que mais atraiu o cantor à Suíça foram os incentivos fiscais especialmente atraentes nesse local. A decisão de Halliday provocou uma grande polêmica na França, que está atualmente em fase de campanha eleitoral pela presidência. Arnaud Montebourg, antigo porta-voz da candidata socialista Ségolène Royal, chegou mesmo a qualificar a Suíça de “nação predadora”.
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