Fracasso de Doha: agricultores suíços festejam
A suspensão das negociações comerciais na rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) decepciona a delegação suíça e também os meios econômicos do país.
Já os agricultores festejam: o fracasso da OMC dá mais fôlego para o sistema de proteção de mercado e de subvenções. Porém o futuro do setor continua incerto.
A Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) foi suspensa na segunda-feira (24.07) depois do fracasso da tentativa do Grupo dos Seis (G-6) – Estados Unidos, União Européia, Brasil, Índia, Austrália e Japão – de chegar a um acordo sobre o corte dos subsídios domésticos e das tarifas agrícolas no comércio mundial. Sobretudo duas grandes potências comerciais, União Européia e Estados Unidos, acusam um ao outro de ter sido responsável pela suspensão das negociações.
Os Estados Unidos afirmam que, segundo as propostas da União Européia, 95% a 98% do mercado europeu continuariam protegidos. Essa é uma inverdade, revida Bruxelas, que acusa Washington de não ter apresentado “nenhuma nova oferta” para diminuir as subvenções internas dadas aos seus agricultores.
Meses, talvez anos
“É evidente que se as grandes potências comerciais não chegam a um acordo, a suspensão das negociações é o melhor que poderia acontecer”, observa o chefe da delegação suíça, o embaixador Luzius Wasescha. Assim como outros diplomatas, ele supõe que agora as negociações lançadas em Doha em 2001 podem ficar bloqueadas por meses ou até mesmo anos.
“Será necessário esperar uma mudança nos parâmetros políticos”, explica ele à swissinfo. “E se tivermos de esperar uma nova administração no governo dos EUA, então isso nos leva até 2009”.
Agricultores aliviados
Os representantes dos agricultores suíços não escondem que temiam o sucesso de Doha. Publicamente eles afirmam que estão até felizes com o fracasso das negociações. Porém permanece ainda grande a insegurança e mesmo o medo em relação “a uma solução ainda pior”, declara a Federação Suíça de Agricultores (USP, na sigla em francês)
Esse seria o caso, por exemplo, de um acordo de livre-comércio com a União Européia, visado pelo governo helvético. “Após o fracasso na OMC, os agricultores não teriam nada a ganhar com essa proposta”, afirma Sandra Helfenstein, porta-voz da USP.
Meios econômicos decepcionados
Para os representantes da economia, a situação atual constitui uma derrota “extremamente lamentável” do ponto de vista suíço. “Para um país de economia pequena e aberta como o nosso, o acesso aos mercados com a regulamentação da OMC é de vital importância”, estima Gregor Kündig, membro da direção da Economiesuisse, a organização patronal do país.
Agora ela reclama a multiplicação de acordos bilaterais de livre-comércio. “O governo federal deve dar prioridade absoluta a essa meta”, exige Kündig. Nesse sentido, o fim do acordo firmado com os Estados Unidos é considerado incompreensível pelos representantes da Economiesuisse.
ONG critica países ricos
“Estas negociações não vão a lugar algum porque os EUA e a UE se negam a diminuir o dinheiro que utilizam para subsídios agrícolas internos, enquanto pedem aos países em desenvolvimento que lhes abram seus mercados”, afirmou Celine Charveriat, responsável pela campanha “Comércio Justo” da Oxfam. “Sem uma estratégia para avançar, a suspensão só adia o inevitável. Dar quatro meses, quatro anos ou quatro séculos não significará nada para o desenvolvimento, a menos que a UE e os EUA mudem fundamentalmente suas posições”, afirmou a representante da Oxfam em comunicado.
Charveriat disse que a ajuda potencial que a Rodada de Doha representava para os países mais pobres “será perdida” sem essa mudança por parte das grandes potências. Além disso, afirmou que o custo de novos adiamentos na agenda do desenvolvimento de Doha “será enorme”. A Rodada de Doha foi lançada, pelo menos em princípio, sobretudo para beneficiar os países em desenvolvimento. “A UE e EUA são livres para subsidiar seus maiores produtores agrícolas e de continuar fazendo dumping (concorrência desleal), enquanto os países em desenvolvimento lutam para garantir um nível de subsistência para seus agricultores e entrar nos ricos mercados do Norte”, acrescentou.
Sistema multilateral em crise
Os países em desenvolvimento consideram que essas subvenções mantêm de forma artificial os preços dos produtos agrícolas das economias mais ricas, colocando-os em um nível que dificulta que as nações mais pobres vendam os seus nos mercados das desenvolvidas.
Uma das dificuldades da negociação é o nível de redução dos subsídios aos agricultores americanos que os EUA estavam dispostos a fazer, pois os outros pediam que o corte fosse maior. O temor expressado pela Oxfam é que, como resultado do fracasso atual, o sistema multilateral entre em crise. “Preocupa-nos que os EUA e a UE voltem-se para acordos comerciais regionais para entrar nos mercados dos países em desenvolvimento”, disse Charveriat.
swissinfo com agências
A rodada de Doha das negociações da OMC foi lançada em 2001 na capital do Qatar. Nesse contexto, os 149 países membros negociam para diminuir as barreiras comerciais em todo o mundo, com foco no livre comércio para os países em desenvolvimento.
As conversações centram-se na separação entre os países ricos, desenvolvidos, e os maiores países em desenvolvimento (representados pelo G20). Os subsídios agrícolas são o principal tema de controvérsia nas negociações.
A rodada de Doha começou em Doha (Qatar), e negociações subseqüentes tiveram lugar em: Cancún (México), Genebra (Suíça) e Paris (França).
Durante as negociações, a Suíça rejeita o pedido da OMC de reduzir as subvenções dadas a sua agricultura e de abaixar as barreiras tarifárias.
Por outro lado, a Suíça defende a liberalização dos serviços, assim como a redução das barreiras tarifárias para a produtos industrializados.
A Suíça preside o G10, o grupo dos países importadores agrícolas. Além dela, fazem parte do grupo Liechtenstein, Japão, Coréia do Sul, Noruega, Taiwan, Ilhas Maurício, Israel e Islândia.
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