Fusão UBS-Credit Suisse desperta debate nacional
A fusão do UBS com o Credit Suisse criou um gigante global na gestão de fortunas. No entanto, na Suíça, há um debate intenso sobre se o país se beneficia dessa união ou se, por outro lado, os riscos para a economia se intensificam ainda mais.
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Atuando globalmente, o UBS combina gestão de patrimônio e ativos, banco de investimento, e serviços de varejo em nível nacional para pessoas físicas e empresas. Seu balanço é duas vezes maior do que o produto econômico anual da Suíça.
Para a Associação de Banqueiros Suíços (ABS), esse tamanho representa uma vantagem competitiva diante de outros grandes bancos globais. “Se a Suíça deseja se posicionar como um centro financeiro internacional, é essencial contar com pelo menos um grande banco internacional”, defende o porta-voz.
Contudo, vários políticos, como Peter Hegglin do Partido do Centro, veem o tamanho como um sinônimo de risco, temendo as consequências de um possível colapso do UBS. “Os Estados Unidos, com sua robustez econômica, estão mais preparados para absorver tais choques. Esse cenário é bem menos viável para a Europa e, especialmente, para a Suíça”, explica.
Um dos argumentos a favor da existência de um grande banco global suíço é a sua capacidade de atender melhor às necessidades das multinacionais suíças e dos exportadores. Segundo a Federação da Indústria Suíça (Swissmem), é vantajoso ter um banco capaz de realizar transações internacionais, conceder empréstimos, gerenciar riscos cambiais e facilitar o acesso aos mercados de capitais, tudo sob o mesmo teto.
“A cultura compartilhada e o idioma comum são aspectos intangíveis que fazem a diferença. Nossas empresas precisam poder confiar no banco, especialmente em tempos difíceis”, afirmou um porta-voz da Swissmem por e-mail.
Além disso, há relatos de empresas suíças se sentindo abandonadas por bancos controlados por estrangeiros, que deixaram o país em larga escala após a crise financeira. O número de bancos estrangeiros na Suíça diminuiu mais da metade, de 123 em 2008 para 61 em 2022, afirma a Swissmem.
“Esta é uma recordação negativa que ainda ecoa nos dias atuais”, afirma o porta-voz.
A farmacêutica Roche também apoia a ideia de um grande banco global. “Os bancos suíços, quando possuem massa crítica e estão interligados na rede financeira internacional, trazem imenso valor para as empresas multinacionais baseadas na Suíça”, declarou a empresa por e-mail. “Bancos maiores, sediados na Suíça, facilitam a utilização do franco suíço em operações comerciais e transações financeiras.”
Crescimento no pós-guerra
A Suíça dedicou gerações à construção de um setor financeiro robusto, que supera amplamente sua importância econômica. Os bancos privados suíços têm origem que remonta a 250 anos atrás, enquanto o centro financeiro suíço se consolidou como uma potência global depois das duas Guerras Mundiais do século 20.
“Após a II Guerra Mundial, a Suíça experimentou uma entrada massiva de capitais. Esse período marcou um crescimento excepcionalmente forte para o setor financeiro do país”, explica a economista Rebecca Stuart, professora na Universidade de Neuchâtel. “Muitas pessoas viam como mais seguro manter seus ativos fora de seus países de origem, e a Suíça se apresentava como um refúgio de estabilidade política e econômica.”
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Um megabanco será ruim para a Suíça?
Com uma base de clientes internacionais substancial, os bancos suíços optaram por manejar seus ativos de maneira mais eficiente e melhorar seus serviços, abrindo filiais no exterior em vez de depender de bancos intermediários em outros países.
As décadas seguintes à II Guerra Mundial marcaram uma era de expansão de negócios, crescimento exponencial e lucros elevados para os bancos suíços. Entretanto, essa prosperidade tinha um limite de tempo.
A competição no setor financeiro internacional intensificou-se na década de 1980, quando os Estados Unidos e a Grã-Bretanha relaxaram regulamentações que mantinham as atividades bancárias sob controle. Essa desregulamentação pavimentou o caminho para a criação de bancos maiores que gerenciavam tanto operações bancárias comerciais quanto de investimento sob o mesmo teto.
O fim da Guerra Fria, no início dos anos 1990, também diminuiu o apelo da Suíça neutra como refúgio seguro contra incertezas geopolíticas e potenciais conflitos, conforme argumenta o historiador Tobias Straumann.
Era de “ouro” acabou
“A era dourada terminou”, declarou Straumann ao jornal Handelszeitung, mencionando também o fim do sigilo bancário suíço sob pressão dos EUA.
Apesar da crescente pressão de outros países, a Suíça manteve seu status de local número um na gestão de fortunas. Com 4,3 trilhões de dólares em ativos investidos, o UBS lidera no setor e tem ambições de aumentar os ativos dos clientes para cinco trilhões.
A Associação de Banqueiros da Suíça e alguns políticos acreditam que somente um grande banco suíço, que combine gestão de patrimônio e banco de investimento, será capaz de competir globalmente com instituições como JP Morgan, HSBC e BNP Paribas.
Essa ambição transcende o mero prestígio; um argumento recorrente é que a Suíça necessita de um banco global poderoso para preservar sua soberania financeira em um mundo repleto de incertezas e riscos geopolíticos.
“Para não se tornar dependente dos americanos ou dos britânicos, a Suíça precisa de um banco de atuação global”, afirmou Josef Ackermann, ex-presidente do Credit Suisse e do Deutsche Bank, ao jornal Tages Anzeiger em dezembro.
Risco versus recompensa
Contudo, Rebecca Stuart considera que essa posição subestima os riscos de ter um único banco global operando em uma economia pequena sem concorrência nacional significativa.
“A questão da soberania financeira foi um dos argumentos para a aquisição do Credit Suisse pelo UBS, em vez de permitir uma compra estrangeira ou estatização”, ela disse. “Mas essa abordagem parece ingênua.”
“A Suíça realmente precisa de um grande banco com alcance global em gestão de patrimônio e banco de investimento? Talvez fosse mais sensato diluir o risco, separando essas funções em entidades distintas.”
No entanto, Colm Kelleher, presidente do UBS, não vê problemas relacionados ao tamanho de seu banco. Em entrevista ao jornal NZZ am Sonntag em março de 2024, Kelleher argumentou que o risco assumido pelo banco é mais relevante do que o tamanho de seu balanço.
Segundo ele, o UBS concentra-se mais na gestão de patrimônio do que nas operações de banco de investimento, mais arriscadas, que eram preferidas pelo Credit Suisse: “A questão do tamanho é irrelevante, desde que o UBS mantenha seu modelo de negócios atual”.
Este cenário complexo deixa o futuro da banca na Suíça em aberto, ponderando entre os benefícios de ter um gigante financeiro e os riscos inerentes a essa concentração. A discussão sobre a regulação e o tamanho dos bancos prossegue, refletindo sobre como equilibrar crescimento, estabilidade e segurança no cenário financeiro global.
Edição: Reto Gysi/gw
Adaptação: DvSperling
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