Lavaux: o vinho inclinado a 45 graus
Os terraços-vinhedos do Lavaux, no lago Léman, fazem parte do patrimônio mundial da UNESCO. Porém o título dado não resolve os problemas mais prementes dos viticultores da região como a concorrência estrangeira, as novas modas e até mesmo de sucessão familiar.
A família Blondel é um dos mais tradicionais produtores de vinho do Lavaux e conta como é difícil manter uma tradição que já existe há gerações.
O momento era de ansiedade. Marcada para as dez da manhã de 28 de junho de 2007, a confirmação chegou com um atraso de uma hora e quarenta e cinco minutos da distante Nova Zelândia, país onde estavam reunidos os delegados do comitê do patrimônio mundial da UNESCO. Por telefone chega então a aguardada notícia: os terraços-vinhedos do Lavaux foram incluídos na famosa lista dos lugares protegidos pelo organismo internacional.
Os habitantes dessa região localizada numa estreita faixa de terra ao norte do lago de Léman, entre Lausanne e Vevey, não esconderam sua alegria. Para comemorá-la, os sinos nas igrejas das quatorze comunas implicadas bateram como em dia de casamento e várias festas foram organizadas.
O alívio e felicidade da população se explicam pelas rigorosas condições para a inclusão de Lavaux na lista de terraços-vinhedos. No total eram cinco exigências: ser uma paisagem excepcional e área homogênea e conservada, manter a cultura tradicional de terraços, ter castelos históricos conservados e uma forte tradição vinícola ainda viva.
Com a escolha, Lavaux passa a fazer parte de um clube exclusivo que inclui mais outros seis vinhedos de renome como Saint-Émilion (França), Cinque Terre (Itália) e Alto Douro (Portugal).
Um produtor
Todos os anos, entre o final de setembro e início de outubro, quando o clima não destoa, é período de colheita no Lavaux. Os pequenos produtores da região têm pouco tempo para colher as uvas. Eles não podem deixá-las amadurecer demais nos cachos, com o perigo delas se tornarem excessivamente doces. Porém surpresas desagradáveis podem ocorrer.
“Em 2005, uma terrível geada na região acabou com a produção. Felizmente eu tinha um seguro para cobrir os danos. Mas eu conheço muitos produtores que estão passando uma situação difícil. Por isso eles não podem falhar na colheita deste ano”, conta Jean-Luc Blondel.
Aos 41 anos, o produtor vive com sua família numa bela casa em Lavaux, em meio aos vinhedos acima do vilarejo de Cully. Tanto ele como sua esposa, Francine, descendem de famílias tradicionais e que já produzem vinho na região há várias gerações. “No caso da minha esposa, acho que são mais de oito”, lembra-se.
Os Blondel são proprietários de 7,5 hectares de terra no Lavaux. Cerca de 90% da superfície é coberta de uvas do tipo chasselas. O resto é de pinot, gamay, gamaret e garanoir. A colheita e feita não apenas por trabalhadores contratados, mas até amigos da família. “Um deles, suíço, vem há dezesseis anos para nos ajudar”, nota o produtor.
Custos elevados
Colhidas, as uvas são trazidas para as caves da família e processadas no local. A produção anual é de apenas 120 mil litros de vinho. A apelação das garrafas é dada segundo a origem das uvas no Lavaux, já que a propriedade dos Blondel, como é comum na região, não é unificada, mas sim um somatório de diversas parcelas de terra distantes uma das outras. “Por isso eu ofereço vinhos com apelações diferentes como Villette, Epesses, Calamin, Saint-Saphorin e Dézaley”, explica Jean-Luc.
Cada garrafa de 70 cl. custa entre 12 e 15 francos (10 e 12 dólares). Os preços são considerados normais para os padrões suíços, mas elevados em comparação à concorrência estrangeira. Depois da abertura do mercado em 2005 e o conseqüente fim das cotas de importação, os supermercados suíços foram inundados de bons vinhos. Eles vêm não apenas dos países tradicionais, como França e Espanha, mas também das chamadas novas “potências” do vinho como Chile, Estados Unidos (Califórnia), Austrália e África do Sul.
O acirramento da luta pelo gosto do cliente, num mercado pequeno como o da Suíça, é sentido pelos produtores. “A chegada dessas novas marcas trouxe muitos problemas para nós. Enquanto eles podem verder seus produtos a baixos preços, nossos custos de produção continuam elevados do mundo. Outro fator negativo são as campanhas contra o consumo de álcool. Se por um lado elas são positivas para diminuir o número de acidentes nas estradas, por outro cria também uma certa cultura contra o vinho”, lamenta-se Jean-Luc.
Porém ele explica que a sua estratégia, assim como a dos colegas viticultores, é de continuar a investir no produto. “Precisamos aprimorar cada vez mais o vinho suíço. Só teremos chances se apostarmos na qualidade”, explica.
Investimento em tecnologia e formação
A família de Jean-Luc Blondel é um típico exemplo das transformações vividas pelos viticultores do Lavaux. “Meu avô já produzia vinho, mas era um simples agricultor e que não tinha nenhum diploma. Também meu pai aprendeu a fazer vinho no olho. Eles conseguiam fazer um bom produto, mas não chegavam a bater a qualidade dos franceses”, avalia.
No início, a dureza do trabalho na roça quase mudou sua vida. “Eu via o meu pai voltando todos os dias sujo do trabalho. Por isso decidi estudar outra coisa. Acabei virando técnico em informática, chegando a trabalhar dois anos num vilarejo próximo à Berna. No final a saudade da minha terra foi maior. Voltei para Lavaux e decidi fazer um curso técnico de mestre em viticultura”.
Com pouco mais de vinte anos, o filho já domina todo o processo de produção. Paralelamente ao serviço militar, ele está investindo na formação para melhorar o vinho produzido pela família. “O rapaz está fazendo um curso de nível universitário na área. Quando terminar, ele terá muito mais conhecimentos do que qualquer pessoa da família”, conta Jean-Luc.
Incertezas com o futuro
Os viticultores da região estão otimistas em relação ao futuro. “Não tivemos um bom verão esse ano. Caiu chuva demais. Mas as semanas que antecederam a colheita foram ensolaradas e quentes. Eu acredito que o vinho de 2007 terá um leve sabor de frutas, bem melhor do que no ano passado”, declara Gilles Cornut, presidente da Comunidade Interprofissional do vinho do cantão de Vaud.
Para não perder a produção, muitos dos produtores utilizam helicópteros para retirar as uvas dos terraços mais elevados ou de difícil acesso. Tanto cuidado explica-se pelos números: em 2006, a produção no Lavaux foi de apenas 5,52 milhões de litros de vinho (+1 milhão comparado a 2005). Um por cento da produção é exportada para outros países.
Jean-Luc Blondel pertence ao grupo de produtores que acredita numa chance para Lavaux. Porém ele ressalta que existem grandes desafios. “Precisamos ser mais conhecidos no exterior, aumentar nosso mercado. Ao mesmo tempo, temos que conquistar também as gerações mais novas, que hoje preferem consumir bebidas da moda como os coquetéis pré-fabricados”, afirma.
Como produtor ele já se considera “velho” demais para encontrar novos caminhos. Juntos com os trabalhadores, seu filho começa a descarregar as novas uvas nos tonéis de prensagem. Apontando para o jovem, Jean-Luc declara: – “Essa é a nova geração”.
swissinfo, Alexander Thoele
Os oito lugares na Suíça incluídos na lista de Patrimônio Mundial da UNESCO:
a cidade velha de Berna, a capital.
o convento de St. Gallen.
os castelos de Bellinzona.
o mosteiro St. Johann, Müstair
a região do Jungfrau-Aletsch-Bietschhorn.
o Monte San Giorgio, Mendrisiotto.
os terraços-vinhedos de Lavaux.
a biosfera de Entlebuch.
Lavaux é um distrito localizado ao norte do lago Léman, entre Lausanne e Vevey.
Lavaux pertence a uma das mais prestigiosas regiões vinícolas da Suíça, com 840 hectares de terraços-vinhedos e 28 mil habitantes.
Embora existam indícios de que os vinhedos já existiam no tempo do Império Romano, os registros mais antigos dos atuais terraços-vinhedos vêm do século XI, quando mosteiros beneditinos e cistercienses (relativo à ordem de Cister ou membro dessa ordem [Fundada no sXI, na Borgonha, expandiu-se pelo resto da França e por quase toda a Europa, no sXII, com São Bernardo de Claraval) controlavam a área.
A região é influenciada por uma clima temperado. Porém os terraços voltados para o sul e os muros de pedras dão à região um ambiente mediterrâneo.
Os vinhos do Lavaux são produzidos, em grande parte, através de uvas tipo chasselas (68.5%), gamay (10.9%) e pinot noir (11.5%). Eles são agrupados em oito apelações de origem controladas (Appellations d’origine contrôlées – AOC), que são denominações protegidas de origem dos vinhos: Calamin Grand Cru, Chardonne, Dézaley Grand Cru, Epesses, Lutry, Saint-Saphorin, Vevey-Montreux e Villette.
Em 2006, a produção no Lavaux foi de 5,52 milhões de litros de vinho (+1 milhão comparado a 2005). Apenas 1% do total da produção é exportado para outros países.
Lavaux é membro da Associação Vitour, onde outras regiões de produção de vinho listadas pela UNESCO como St. Emilion (França), Cinque Terre (Itália) e Alto Douro (Portugal) dividem experiências e atividades promocionais.
Em 22 de setembro de 2007, 15 mil pessoas das cinco principais cidades da região do Lavaux comemoram o aniversário de um ano da listagem como Patrimônio Mundial.
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.