Negociador na OMC justifica subsídios agrícolas
A guerra iraquiana terminou, mas um grande combate ocorre em surdina nos bastidores da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra.
Em entrevista exclusiva, o embaixador Luzius Wasescha, 57 anos, chefe do setor de comércio exterior no Ministério da Economia, explica a posição suíça.
A Suíça, assim como os outros 145 países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), está se preparando para a conferência ministerial que ocorrerá em Cancun, no México, entre 10 e 14 de setembro.
Não só os países em desenvolvimento já estão mobilizando seus esforços para conseguir uma abertura maior dos mercados mundiais para seus produtos, sobretudo agrícolas. Os países ricos temem, sobretudo, perdas para seus produtores rurais. Estes são fortemente subvencionados e protegidos.
O embaixador Waseschan, chefe do setor de comércio exterior no Ministério da Economia (seco), dá entrevista exclusiva à swissinfo e explica como a Suíça pretende abrir seus mercados para produtos do Terceiro Mundo, sem porém deixar de proteger seus próprios interesses.
Embaixador, o senhor está viajando hoje para a França onde irá participar de um encontro de países. Seria essa a primeira etapa para decidir a posição que a Suíça irá apresentar nas negociações da OMC?
Wasescha: vou viajar amanhã para a França, onde participo do encontro anual de ministros dos países da OECD. Seus trinta representantes irão discutir vários temas, como “encontrar um meio de incentivar o crescimento mundial equilibrado”, ou “como adaptar a organização aos novos tempos”. Ao mesmo tempo, ocorrerá um encontro informal de trinta ministros de vários países para discutir sobre temas relacionados ao comércio mundial. Como você sabe, em setembro ocorre a conferência mundial de ministros da OMC em Cancun. Para preparar o terreno, vários encontros informais de governos foram organizados e eu estou orgulhoso de dizer que a Suíça está participando.
Porém não pertence a Suíça ao grupo de países desenvolvidos, que mais protegem seus mercados internos?
O mercado suíço é totalmente aberto no que diz respeito a produtos industriais. Ele é bastante aberto no setor de serviços e para produtos agrários de países em desenvolvimento. Para produtos que só crescem em países tropicais, como frutas, não temos barreiras tarifárias. Um bom exemplo são as maravilhosas mangas do Brasil que, na minha opinião, ainda chegam um pouco “verdes” na Suíça. (risos). Além disso, quando vou ao açougueiro, gosto de comprar carne brasileira. Aparentemente esse país está sendo mais concorrente nesse setor, do que a Argentina. Eu resumo: não acredito que um país como o Brasil tenha problemas de acesso ao mercado suíço.
Porém a Suíça subvenciona em quase 73% sua agricultura. Trata-se de dimensões maiores até do que ocorre na União Européia.
O problema agrário explica-se através da seguinte realidade: existem países que têm uma agricultura competitiva e outros que não têm. No caso do segundo grupo, sua agricultura precisa ser defendida.
Esse é o caso da Suíça, não?
Não só da Suíça, mas também da União Européia, do Japão, da Noruega e dos Estados Unidos, em parte. Esses mecanismos de proteção têm, em primeiro lugar, uma longa tradição. Em segundo lugar, eles estão ancorados politicamente e, em terceiro, tudo depende do nível de preços. Como você sabe, a Suíça é um país de preços caros, onde a produção agrária, de pequeno valor agregado, não consegue teer preços competitivos e, dessa forma, financiar seus próprios custos. Nesse caso ela precisa ser protegida.
De que maneira?
Ela é protegida de duas maneiras: nas fronteiras, através das barreiras tarifárias e internamente, através de subvenções.
Mas veja que a indústria agrária suíça também está vivendo uma revolução. Ela passará por sua terceira reforma, que está sendo debatida desde 1994 e que será aprovada em maio no parlamento. A Suíça terá então um mercado mais liberal. Esse é o caso da importação de carnes: a partir da reforma, a importação não estará mais dependente da quantidade que o distribuidor compra na Suíça, mas de um leilão.
Qual é o montante de subvenções dadas à agricultura na Suíça?
É difícil de responder essa questão com clareza. Nós temos na Suíça subvenções de equilíbrio comercial que estão entre 3 e 4 bilhões de francos suíços por ano. Ao mesmo tempo temos as subvenções diretas, que estão na mesma ordem. Ainda existem outros programas de ajuda que podem ser regionais, etc. Naturalmente, trata-se de muito dinheiro. Porém esse dinheiro não é relevante para o consumidor. No orçamento geral da Suíça, os gastos com a agricultura não passam de 8 a 10%. A tendência é inclusive de queda desses gastos. Por isso não temos no país uma revolta dos cidadãos dizendo que os produtos agrários são muito caros.
O discurso positivo dos países ricos em relação à liberalização do comércio mundial tem, na realidade, outra face: barreiras como as criadas pelas redes de distribuição, ou mais claramente, “monopólio”.
O produtor latino-americano pode participar diretamente do mercado suíço. Porém a Suíça tem um mercado muito reduzido, dominado por poucas grandes redes de supermercado. Isso é verdade. O maior problema que existe na distribuição na Suíça é que as empresas produtoras precisam escoar seus produtos através dos canais tradicionais. Mais de 80% dos gêneros alimentícios são vendidos através de três redes de supermercados: Migros, Coop e Denner. Essa é uma questão que é menos da proteção do Estado do que da política comercial dos supermercados.
Estes não compram diretamente seus produtos dos países exportadores, mas sim diretamente em grandes mercados. No caso das frutas, os maiores estão em Gênova e Milão. No caso das flores é na Holanda. Lá são comprados os produtos que apresentam a melhor qualidade. Num dia podem ser produtos do Brasil; no outro da Argentina, ou do Chile. Existem também exemplos interessantes de especialização: veja o caso dos frutos vermelhos como framboesas e morangos. Nas prateleiras suíças, esses frutos vêm, em grande parte, do Chile. Lá foi investido e seus agricultores distribuem com eficiência e oferecem um produto de qualidade. Eles descobriram um mercado na Europa. Essa é a prova que é possível para os produtores latino-americanos ter acesso ao mercado suíço.
Um fenônemo vivido nos países desenvolvidos é a redução contínua do número de produtores rurais. Cada vez mais o meio rural se esvazia. Por que defender com tanto rigor uma classe que, diríamos, pertence ao passado?
Nós incluímos em 1995 um artigo na Constituição suíça que estipula que a agricultura deve funcionar com base nas leis de mercado, mas sua função multifuncional deve ser preservada. Isso significa que uma liberalização total do mercado na Suíça não pode ocorrer. Enquanto o governo tiver com suas finanças em ordem, a subvenção é possível. Se elas pioram, então a ajuda diminui. Esse apoio influencia diretamente as transformações estruturais vividas pela agricultura no país. Nossos parceiros na Organização Mundial do Comércio tomam pouco conhecimento dessa situação. Hoje vivemos na Suíça uma transformação estrutural natural de 3%. Isso significa que, em 10 anos, 30% dos produtores rurais irão desaparecer. Esse processo está sendo acelerado desde 1994, quando colocamos em prática as resoluções da OMC.
E qual o futuro da agricultura na Suíça?
Em primeiro lugar, na alta especialização dos produtores rurais. Em segundo, na união entre agricultura e turismo. O governo suíço pretende, através das reformas do setor rural, aumentar a área de produção, ou seja, com menos produtores produzir mais alimentos, para que os custos e ganhos se equilibrem.
Queremos também incentivar produtos agrários de qualidade. Quem poderia imaginar, há trinta anos, que nosso vinho tipo Pinot Noir iria ganhar uma medalha de ouro numa competição internacional. Através desse exemplo você pode ver que existems oportunidade para micro e pequenas empresas rurais no mercado. Nosso governo tem, por essa razão, interesse na abertura no mercado dos outros países. Porém a abertura dos mercados internacionais deve ocorrer de forma equilibrada. A Suíça irá dizer “sim” para mais abertura no encontro da OMC, porém sem a queda completa das barreiras. Nós queremos uma abertura gradual, a passos racionais.
Os pobres acusam os ricos de egoísmo, na divisão do bolo do comércio internacional. Como a Suíça pretende colaborar na procura de um consenso entre as partes?
Nós estamos sentados no banco dos réus junto com a União Européia, o Japão, Coréia, Noruega e EUA. A situação não é muito boa quando temos, em alguns países, barreiras tarifárias de até 700%. Porém esse é um processo que foi decidido nas rodadas Uruguai. Lá vivemos uma revolução, quando foi decidido no Gatt, que os países teriam apenas tarifas alfandegárias. Nós queremos reduzi-las em 36%.
Agora estamos para dar um novo passo. Porém, se os exportadores agrários mundiais quiserem forçar esse passo, a situação se complicará para todos. Nós poderíamos até viver uma catástrofe política na Suíça. Se uma política agrária incorreta na Europa desestabilizar governos, então os grandes exportadores agrícolas terão seguramente mais problemas para vender seus produtos, do que se esses países mantiverem seu alto poder de compra.
Quais serão afinal as bases de negociação da Suíça na OMC?
Nas negociações, parte do nosso trabalho é encontrar um ponto em comum. Sim, meu colega brasileiro poderá me contradizer: – “o ponto comum é realizar o que seria economicamente mais razoável, ou seja, a produção agrícola deve ocorrer onde ela é mais barata”.
Porém podemos restrucar: – “sim, podemos discutir o assunto, mas precisamos de um cálculo geral: qual o custo ecológico do transporte, por exemplo”. Então a situação será um pouco diferente.
Porém uma maior liberalização no comércio internacional é vital para países pobres do Terceiro Mundo, apesar dos custos ecológicos, ou não?
Se nós abrirmos completamente o mercado na Suíça, países como o Brasil seriam, com certeza, os grandes beneficiários. Trata-se de um país gigantesco, que tem um bom sistema de distribuição e produz com qualidade.
orém, eu pergunto: e os países pequenos? Qual seria a sua situação sob essas condições? Eles seriam cortados do mercado! Hoje eles têm acesso livre ao mercado, através das preferências alfandegárias. Amanhã, eles não teriam mais essa preferência e não poderiam mais exportar. Produzir um quilo de açúcar no Brasil tem custos de seis centavos de dólar. Nas Ilhas Maurício já custa 15 centavos. Na Europa, um dólar, por exemplo. Se abrirmos o mercado, então os países exportadores competitivos irão se beneficiar. Porém e os outros pequenos?
Pela imprensa a impressão é que haverá uma verdadeira batalha entre países pobres, exportadores agrícolas e nações do chamado “Primeiro Mundo” nas negociações da OMC. Como negociador suíço, essa é a sua impressão?
Na rodada Uruguai, os países exportadores de produtos agrários não queriam apenas 100%, mas sim 1000%. Não é possível exigir tanto! Esperamos encontrar futuramente um ponto em comum entre todos os países-membros da OMC. Cada um deles que participará das negociações terá de satisfazer-se com resultados modestos. Esses possibilitarão a abertura sustentada dos mercados mundiais, sem que ocorram catástrofes políticas. Esse é o equilíbrio que procuramos.
Eu entendo que o meu colega australiano esteja tão frustrado, quando lembra que a Austrália foi cortada do mercado inglês, no momento da integração da Grã-Bretanha à União Européia. Porém essa frustração desencadeia muitas vezes uma enorme agressividade.
Ora, não existe razão para, num mundo de democracia ordenada, queimar como bruxos pessoas que têm uma outra opinião. Numa atmosfera de declaração de guerra não é possível participar de nenhuma negociação. Ela só poderá ser bem sucedida quando nós, meu colega brasileiro, meu colega australiano, por exemplo, lutarmos para atingir o consenso. Porém ainda estamos muito longe dessa fase. No momento, lançamos apenas gestos anteriores à fase de negociações.
swissinfo, Alexander Thoele
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