Nestlé do Brasil lucra com população de baixa renda
No censo demográfico que se realiza no Brasil, a expectativa é que se confirme a entrada de cerca de 30 milhões de brasileiros na chamada classe média e a saída de outros 20 milhões do estado de extrema pobreza.
Estudos anteriores indicam que houve de fato um aumento no poder de consumo das classes C, D e E. Essa mudança já tem seus reflexos na atuação da Nestlé.
O crescimento do consumo entre os brasileiros com menor faixa de renda acontece de forma mais acentuada nas regiões Norte e Nordeste do país, e o maior símbolo da estratégia da Nestlé para alcançar esses novos consumidores é o supermercado flutuante que a empresa criou para atender às populações ribeirinhas da Amazônia.
O supermercado, que leva o nome “Nestlé até Você a Bordo”, funciona dentro de um barco que acaba de fazer seu trajeto inaugural, percorrendo 18 municípios nos estados do Pará e do Amazonas.
Segundo a Nestlé, o supermercado flutuante, “além de atender prioritariamente a população ribeirinha, também será o canal entre as empresas, os microdistribuidores e as revendedoras porta-a-porta, que terão o barco como referência do negócio e para o abastecimento de produtos”. O supermercado, que saiu do porto de Belém (PA) no início de julho, disponibiliza aos consumidores cerca de 300 produtos da Nestlé e conta com equipes de vendas, estoque e gerência de operação.
O presidente da Nestlé Brasil, Ivan Zurita, estima que o supermercado flutuante atenderá a um público médio de 800 mil pessoas por mês: “Isso ampliará a presença dos produtos com a marca Nestlé nos lares brasileiros. Vamos buscar o cliente onde ele está. Será um serviço à população da Amazônia, que tem os rios como ruas e avenidas. Trata-se de um projeto alinhado ao nosso conceito de regionalização, baseado nos diferentes perfis dos consumidores. Tratamos cada região como uma área diferente”, diz.
O conceito citado por Zurita foi estabelecido pela Nestlé há sete anos, com a criação de sua Unidade de Regionalização, que desenvolve ações, programas e produtos específicos para cada uma das regiões do Brasil. Antes do supermercado flutuante, esse atendimento regionalizado já estava sendo efetuado pelo sistema de venda porta-a-porta desenvolvido pela empresa e que conta atualmente com 7,5 mil revendedores e 220 microdistribuidores em 15 estados brasileiros.
Regionalização
Se os municípios remotos da Amazônia agora serão alcançados por um barco, nas demais regiões do Brasil a estratégia de regionalização da Nestlé também já é uma realidade.
Outro caso emblemático acontece nos estados do Nordeste, onde programas de transferência de renda como o Bolsa-Família, criado pelo governo federal, proporcionaram à empresa nos últimos dois anos um aumento de 30% em suas vendas na região. Ciente dessa realidade, a Nestlé aumentou a capacidade de produção de sua fábrica instalada em Feira de Santana, na Bahia, e estuda construir outras fábricas na região.
Na Região Sul, a estratégia de crescimento da Nestlé incluiu o arrendamento por R$ 108 milhões da antiga fábrica da Parmalat, em Carazinho, no Rio Grande do Sul. Agora, a empresa estuda a aquisição em definitivo dessa unidade ou a construção de uma nova fábrica na região.
No Sudeste, a Nestlé construiu no ano passado uma nova fábrica, estimada em R$ 120 milhões, no município de Araraquara, em São Paulo. O faturamento da Nestlé no Brasil em 2009 girou em torno dos R$ 15 bilhões, o que faz do país o segundo mercado mundial para a empresa suíça, atrás somente dos Estados Unidos.
A estratégia de crescimento levada a cabo no Brasil, segundo a direção da Nestlé, “busca aumentar as oportunidades de negócio e compartilhar valores com a sociedade brasileira, proporcionando renda incremental e inclusão social com a geração de empregos”. O programa de regionalização, segundo a empresa, “é também um canal para estreitar ainda mais o relacionamento com os consumidores das classes C, D e E”.
O desenvolvimento de negócios voltados aos consumidores de baixa renda é considerado pelo Grupo Nestlé como uma plataforma estratégica em todo o mundo: “Este mercado – estimado em mais de 2,8 bilhões de pessoas com rendimentos inferiores a US$ 10 por dia – vem crescendo com foco na criação de produtos com alta qualidade nutricional e preços acessíveis”, afirma a empresa. No Brasil, as vendas da Nestlé para as classes C, D e E cresceram 27% em 2009, movimentando cerca de R$ 1,2 bilhão em vendas.
Crescimento de 18%
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Kantar Worldpanel em 8,2 mil domicílios brasileiros e divulgada recentemente nos principais veículos de comunicação do país revela que as classes D e E ampliaram em 18% o número de itens comprados no supermercado no primeiro trimestre de 2010 em relação ao mesmo período do ano anterior. A pesquisa, que leva em conta alimentos, bebidas, produtos de higiene pessoal e de limpeza, também registrou aumento no consumo das classes C (16%), A e B (11%).
Segundo o estudo, a maior expansão no consumo das classes C, D e E aconteceu nas regiões Norte e Nordeste, onde o impacto do Bolsa-Família e de outros programas de transferência de renda foi mais forte. Entre os produtos mais citados pelos entrevistados como “novidade” em sua lista de compras está o leite em pó, segmento de mercado que a Nestlé lidera no Brasil com a marca Leite Ninho.
Outra pesquisa, divulgada pela Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio), revela que em 2009 o total de gastos das classes C, D e E com bens e serviços no Brasil atingiu o montante de R$ 864 bilhões, o que representa 78% do que foi gasto pelas classes A e B. Com todas as classes incluídas, o potencial total de consumo do país, segundo a Fecomércio, pode chegar a R$ 2,42 trilhões até 2013. A Nestlé está atenta a essa expansão.
Maurício Thuswohl, swissinfo, Rio de Janeiro
Para que possa ser identificado e reconhecido durante suas viagens pelos rios da Amazônia brasileira, o barco que abriga o supermercado flutuante da Nestlé conta com uma identidade visual associada às marcas mais conhecidas da empresa.
A embarcação, de cor predominantemente azul, tem 27,5 metros de comprimento, e o espaço da loja por onde circulam os clientes é de 100 metros quadrados.
O barco da Nestlé conta ainda com acessos para pessoas portadoras de necessidades especiais e idosos, além de uma equipe de onze pessoas entre funcionários do supermercado e tripulantes.
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