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“Nestlé é a melhor organização de desenvolvimento”

Nestlé e Heks têm posições divergentes quanto ao acesso à água. Keystone

Eleito para o conselho da Heks (entidade da Igreja Protestante que apóia 290 projetos sociais em 45 países), o diretor-geral da Nestlé suíça, Roland Decorvet, causa irritações com declarações provocativas.

Do escândalo do leite em pó ao caso de espionagem: ONGs e entidades filantrópicas ligadas à Igreja critacam a Nestlé, que atua no mercado de água enquanto a Heks é contra a privatização da água.

O potencial de conflito entre a multinacional e a entidade filantrópica fica evidente no caso do ativista brasileiro Franklin Frederick, que luta contra a privatização da água com a ajuda da Igreja suíça e brasileira.

Recentemente, tornou-se público que Frederick foi atingido pelo caso de espionagem da Attac do estado de Vaud (oeste da Suíça) pela Nestlé (veja a reportagem “A Nestlé e o ‘James Bond brasileiro'” ao lado).

Críticos temem que, com a eleição de Decorvet, a Heks fique com as mãos amarradas e não possa mais se engajar, por exemplo, pelo acesso à água. Decorvet jogou lenha na fogueira.

Em uma entrevista ao jornal Reformierte Presse, ele disse que a Nestlé é “a melhor organização de apoio ao desenvolvimento que existe”. Ele classificou os críticos de “um pequeno grupo de pessoas da Igreja, politicamente situado na extrema esquerda e que faz muito barulho”.

Representantes da Igreja pedem renúncia



A base da Igreja está indignada. Na terça-feira (2/12), pela primeira vez um parlamento cantonal (estadual) da Igreja – o sínodo das Igrejas Reformadas de Berna, Jura e Solothurn – discutiu o assunto.

O Conselho Sinodal (Executivo) posicionou-se claramente ao lado dos críticos. “A eleição de Decorvet para o Conselho da Fundação da Heks pode levar a conflitos de interesse”, respondeu o órgão a uma interpelação. “A Nestlé é uma empresa com fins lucrativos e, com isso, não persegue os mesmos objetivos de uma organização de ajuda ao desenvolvimento”, acrescentou o conselho.

O nome da Nestlé teria aparecido freqüentemente vinculado a problemas. Assim, a multinacional suíça teria transgredido leis trabalhistas na Colômbia e a legislação local no Brasil, sem falar do caso de espionagem.

Num debate do “parlamento” da Igreja de Berna, solicitado por 93 representantes, também dominaram as vozes críticas. “Pedimos a renúncia do senhor Decorvet do Conselho da Fundação da Heks”, disse Irene Meier-de Spindler.

“Trata-se de uma questão de credibilidade da Heks”, advertiu um outro representante. Alguns ameaçaram claramente não mais recomendar a obra filantrópica para doações.

Uma carta enviada nos últimos dias pela Heks a representantes da Igreja não calou os críticos. “O fato de o Conselho da Heks ver a necessidade de se distanciar das declarações de Decorvet é um indício de que ele é o homem errado”, opina o pastor Jacob Schädelin.

Posição da Heks



A Heks afirmou na carta, que os temores dos críticos são infundados. “A cooperação para o desenvolvimento só pode ser eficiente e sustentável, se pessoas desfavorecidas forem apoiadas na luta por seus direitos. Absolutamente nada muda nisso com a presença de Roland Decorvet no Conselho da Fundação.” A Heks lembra, segundo o código de conduta de organizações sem fins lucrativos, entre outras coisas, um membro do Conselho da Fundação é obrigado a renunciar se houver um conflito de interesses.

“Decorvet lamenta que tenha chamado os críticos de extremistas de esquerda”, continua a carta. “Ele condena a espionagem de ativistas. Além disso, o executivo da Nestlé garantiu que se engaja como pessoa física e fiel protestante na Heks. A Heks, por sua vez, deixa claro que não vê um conglomerado multinacional como uma organização de ajuda ao desenvolvimento.”

A controvérsia envolvendo Decorvet também gera discussões entre os funcionários da Heks (216 fixos e 245 horistas). Na semana passada, eles tiveram a oportunidade de fazer perguntas ao chefe da Nestlé suíça. Até agora, o volume das doações à Heks não diminuiu, informou a organização.

swissinfo e Charlotte Walser, InfoSüd

O ativista brasileiro Franklin Frederick, que supostamente foi espionado pela espionado pela Nestlé, diz estar preocupado com o tratamento dado ao caso na Suíça. A infiltração de organizações não governamentais estaria sendo subestimada. “Como sul-americano, sei até onde podem levar tais métodos”, disse Frederick, que se encontra na Suíça em função do julgamento do caso relativo à espionagem da Attac pela Nestlé.

Segundo ele, a documentação do processo comprova que a Nestlé conhecia o conteúdo de seus emails. “Isso é um escândalo.” Ele considera “incompreensível” o fato de que a opinião pública e as Igrejas suíças não exijam uma desculpa pública da Nestlé. A empresa teria afirmado que se tratou de uma “operação única, não autorizada”. Por outro lado, teria defendido o procedimento na Justiça. “Isso é contraditório”, disse Frederick.

“O caso de espionagem é apenas a ponta do iceberg”, afirmou Frederick. Na controvérsia envolvendo Roland Decorvet, o ativista brasileiro pede que as Igrejas e suas obras filantrópicas tomem uma posição clara em relação ao executivo da Nestlé. Do contrário, seus votos contra a privatização da água não passariam de palavras ocas.

A HEKS foi fundada em 1946 pela Federação das Igrejas Protestantes Suíças (SEK) e, desde 2004, está organizada como fundação. O Conselho da Fundação, composto por nove membros (um indicado pela SEK e oito eleitos pela assembléia dos representantes da SEK) para um mandato de quatro anos, é o órgão máximo de decisão.

A HEKS apóia 290 projetos em 45 países e tem escritórios em 22 países. No ano passado, teve um orçamento de 57 milhões de francos (46,8 milhões de dólares): cerca de 90% desses recursos foram destinados aos projetos, o restante para administração e pagamento de pessoal.

No Brasil, financia dois projetos este ano. Em Recife (PE), presta ajuda de 70 mil francos (US$ 57,5 mil) ao Centro de Trabalho e Cultura (CTC), que oferece cursos profissionalizantes a 250 jovens por ano.

Em Salvador, apóia um projeto do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), que oferece workshops de capoeira, futebol, teatro, música e dança a 270 jovens da periferia da capital e de acampamentos de sem-terra do sudeste da Bahia. (GH)

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