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Por que a globalização exclui a maioria

H. de Soto fundador do Instituto Liberdade e Democracia. uncommonknowledge.org

Por que a globalização parece funcionar em países como a Suíça, mas traz poucos benefícios à população mundial?

O conhecido economista peruano, Hernando de Soto, assíduo participante do Fórum Econômico de Davos, opina a este respeito.

“Quatro bilhões de pessoas não apenas não têm acesso ao mercado global, como também estão excluídos do próprio mercado nacional”.

Em conseqüência, em entrevista a swissinfo, Hernando de Soto diz compreender os críticos da globalização, mas estima que as reivindicações deles não respondem às necessidades da população dos países em desenvolvimento.

H. de Soto, criado em Genebra – onde trabalhou vários anos, inclusive para o Swiss Bank Corporation antes de regressar ao Peru. Fundou, em Lima, em 1979, o Instituto Libertad y Democracia, considerado um dos mais importantes think tank pelo The Economist.

(Nota do tradutor: lembremos que think tank é um instituto privado de ciências sociais. Lembremos também que opositores de H. de Soto o acusam de estar “vinculado ao grande capital internacional”, que suas idéias se baseiam numa “concepção capitalista liberal”. O texto que se segue não deixa porém de ser mais uma contribuição para um debate considerado de suma importância).

swissinfo: A suíça já foi um país pobre. O Peru é até hoje. Por quê?

HdS: Acho que isto tem muito a ver com o sistema legal. Quando começamos nossas pesquisas no Peru, constatamos serem necessários 289 dias para registrar uma fábrica de roupas. No Egito, para abrir uma padaria precisa-se de 549 dias. Se fosse necessário tanto tempo na Suíça, não haveria padarias no país.

De modo geral, (em nossos países) custa-se muito caro fazer negócios – entrar e sair do mercado, comercializar e registrar bens. É um preço exorbitante. Esses sistemas não oferecem o mínimo de segurança legal básica. Lembremos que a maioria dos norte-americanos e europeus conseguem créditos onde vivem e pelo que possuem.

Seria tão simples assim, ou há outros motivos?

Claro que há outros motivos, mas me refiro aos que podemos identificar e remediar. Falemos de diferenças culturais. Quando vim para a Suíça em 1949, li as aventuras de Tintin no livro O Lótus Azul. Tudo girava em torno da incapacidade dos asiáticos de fazer negócios. De lá para cá, as coisas mudaram muito!

Não creio que culturas mudem de uma década para outra. O que muda são as legislações de certos países, que se tornam mais favoráveis às iniciativas dos pobres. Por que 1 milhão de japoneses emigraram para o Peru e o Brasil? Porque na época éramos mais ricos que o Japão.

Que acha do protecionismo aplicado por muitos países ocidentais? Não é uma das causas das diferenças atuais?

Claro que sim. As barreiras deveriam ser baixas tanto para a agricultura quanto para a propriedade intelectual, caso contrário o sistema não é correto. No entanto, mesmo se os países desenvolvidos diminuíssem as barreiras comerciais, 70% da população mundial não poderia entrar na economia global.

Há seis bilhões de pessoas na Terra. Pelo menos 4 bilhões não estão inseridas num quadro legal. Não podem sequer preencher um formulário de exportação – não têm uma identidade legal, uma firma, um endereço oficial. Portanto, se abolirmos todas as barreiras comerciais, mesmo assim não conseguem uma saída…

Que diferenças vê a nível político – que importância têm?

Uma diferença óbvia é que se venho à Suíça para fazer negócios, a primeira pergunta que me fazem é: como vai a sua empresa? Se você vai ao Peru, por exemplo, e, digamos, trabalhe no setor da energia, a primeira pergunta é: quem é ministro da Energia?

Essas diferenças estão muito relacionadas com descentralização e democracia. É por isso que sob muito aspectos admiro o sistema político suíço.

Faz algum tempo, os peruanos tentaram implantar no país o sistema de transportes públicos de Zurique. O que deu errado?

De fato, há muitos anos, estatísticas no Peru revelavam que os acidentes rodoviários matavam onze vezes mais que na Alemanha e na Suíça. Uma comissão parlamentar veio a Zurique e observou que o trânsito era bem organizado e decidiu traduzir as leis em espanhol e aplicá-las. O número de mortes não variou.

Se leis pudessem ser simplesmente copiadas dos países desenvolvidos, seriamos todos países desenvolvidos. É por isso que o sistema de transportes peruanos ainda não funciona. Ninguém discutiu com o público, ninguém perguntou aos motoristas o que pensam.

Voltando a Davos: qual é sua mensagem aos participantes do encontro e aos participantes do Fórum “rival” de Porto Alegre?

Em vou repetir que a economia de mercado na minha região é extremamente restrita; que são poucos os que receberam ingresso para entrar nesse jogo de pôquer e que a longo prazo essa situação é insustentável.

No que toca Porto Alegre, pode parecer estranho, mas não acho que o que faz seja relevante para os países em desenvolvimento. Nunca vi uma marcha anti-globalização em Lima, Caracas ou Cidade do México.

A questão é que se os pobres nem conseguem entrar no próprio sistema, não devem se imiscuir em outros. A maioria das pessoas na parte do mundo de onde venho é empreendedora e muitos gostariam de expandir seus negócios ao exterior.

Mas antes de ocupar-se da questão tomam consciência que as multinacionais são mais fortes que eles e nem começam a pensar seriamente no assunto.

swissinfo, Chris Lewis
Tradução de J.Gabriel Barbosa)

Hernando de Soto foi criado em Genebra, onde exerceu diversos cargos administrativos importantes antes de regressar ao Peru onde foi conselheiro do ex-presidente Fujimori.
Fundou o internacionalmente elogiado ILD – Instituto Libertad y Democracia – e segundo a revista Time é uma das 100 personalidades mais influentes do mundo.
Publicou dois livros de sucesso: El Otro Sendero (o outro caminho) e El Misterio del Capital.

– Segundo Hernando Soto 4 bilhões de pessoas estão excluídas da economia global.

– Forçadas a agir “fora dos parâmetros do Estado de direito”, sem identidade legal e sem capital, a posição delas não mudaria se as barreiras comerciais desaparecessem da noite para o dia.

– Afirma que essa falta de proteção legal é a principal causa da pobreza.

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