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“Queremos comércio e não ajuda”

Wangari Maathai sendo entrevistada pelo apresentador do evento em Genebra. swissinfo.ch

Durante três dias, Genebra recebeu a primeira conferência de cúpula sobre o desenvolvimento da África organizado por uma empresa privada israelense.

Vários presentes ilustres – dos quais Gordon Brown, Al Gore ou o presidente da União Africana – apresentam algumas soluções aos problemas do continente. Só os governos não apareceram.

O tema era o continente africano, ou melhor, seus problemas. O ambiente escolhido para receber o evento batizado com o pomposo título de “Portal para a África” de 4 a 6 de abril conjugava luxo com uma fachada de representatividade: o Hotel Intercontinental em Genebra, poucos metros distante da sede europeia da ONU e de outras organizações internacionais.

Quando o presidente da Guiné Equatorial e atual presidente em exercício da União Africana (UA), Teodoro Obiang Nguema, entrou no salão às dez da manhã da terça-feira (05/04) acompanhado pela esposa e um séquito de assessores e seguranças, o público presente foi convidado a se levantar. Todos aguardaram solenemente que sua excelência tomasse o seu lugar na primeira fila para voltar a seus assentos.

Em um grande telão foi exibido um filme com imagens das savanas e animais selvagens. A apoteose final na abertura do congresso foi uma curta apresentação da cantora israelense Noa, que subiu ao palco para interpretar “Ave Maria”, sua mensagem de paz ao mundo. Além do chefe de Estado da Guiné Equatorial e alguns embaixadores africanos, somente o cantão de Genebra enviou um representante oficial ao congresso: Isabel Rochat, secretária de segurança, polícia e meio ambiente do cantão de Genebra.

O promotor desse evento único, o primeiro de caráter privado a funcionar como um encontro de cúpula sobre a África, se chamava Comtec, uma empresa organizadora de eventos sediada em Israel e com filiais em Xangai e Barcelona. Ela foi ambiciosa nos temas escolhidos para os debates: saúde, educação, economia, meio-ambiente, oportunidades de negócios, democracia e até terrorismo.

Para atrair o público pagante – 350 euros de taxa de inscrição e 963 euros para se hospedar por três dias no quarto mais barato do hotel – Comtec convidou um leque de personalidades, em sua grande maioria políticos que já se despediram há um certo tempo do poder, como o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown, o ex-vice-presidente americano Al Gore, o ex-ministro das Relações Exteriores da Franca, Bernard Kouchner e o ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan.

Contra intervenção estrangeira

O presidente da União Africana aproveitou o seu discurso para criticar a intervenção na Líbia e na Costa do Marfim. “Países ocidentais não devem decidir pelos africanos”, declarou Obiang. “Eu acredito que os problemas na Líbia devem ser resolvidos internamente e não através de uma intervenção que possa parecer de fundo humanitário. Isso já vivemos no Iraque”, lembrou, ressaltando também que a UA reconhece o presidente eleito da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, mas que isso não deve “implicar em uma guerra, uma intervenção de um exército estrangeiro.”

Teodoro Obiang, 69 anos, governa Guiné Equatorial desde um golpe de Estado realizado em 1979. O país é considerado pela ONG Transparência Internacional como o 10° país mais corrupto do mundo e acusado por várias ONGs de não respeitar os direitos humanos. Em 2009, ele foi reeleito ao cargo com 95.4% dos votos. Em Genebra, o presidente reconheceu que a situação conturbada em diversos países africanos deve-se ao problema de desemprego da juventude, corrupção e anseio da população por reformas democráticas, mas ressaltou que as reformas não podem ocorrer de um dia para o outro. “A abertura deve ser uma revolução gradual, pois senão erros serão cometidos.”

Ao falar sobre o conflito na Líbia e na Costa do Marfim, Gordon Brown criticou a posição de Obiang. “A comunidade internacional tem a responsabilidade de proteger as populações civis”, citando o genocídio em Ruanda nos anos 1990 como exemplo da necessidade de intervir. O ex-primeiro-ministro britânico aproveitou a ocasião em Genebra para falar da sua proposta de criar um fundo de investidores estrangeiros com 100 bilhões de dólares. Os recursos devem ser utilizados para melhorar a infraestrutura na África. Para justificar a razão que levaria um investidor a colocar seu dinheiro em projetos no continente, Brown lembrou uma razão demográfica. “África tem a população mais jovem do mundo.”

Comércio justo

“Thinking Green” (Pensando ecologicamente) era o título da palestra proferida por Al Gore poucas horas mais tarde no mesmo dia. A imprensa foi retirada do salão durante sua presença e não pode registrar sua discussão com Wangari Maathai. Segundo os organizadores, a exclusão ocorreu a pedido do próprio palestrante.

Ao falar ao público, a ecologista queniana vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2004 criticou as lideranças políticas africanas sob o olhar atento do presidente Teodoro Obiang. “Muito mais importante do que fundos para ajudar o desenvolvimento da África é acabar com a corrupção. O dinheiro acaba nos bolsos dos políticos”, declarou.

Maathai defendeu uma mudança na abordagem dos problemas do continente. “Não precisamos de ajuda, mas sim de comércio”. Questionada pela swissinfo.ch sobre a forma com que esse comércio deveria ocorrer, a queniana vai aos detalhes. “A gente precisa começar a processar as matérias-primas que exportamos na própria África para vendê-las a preços mais elevados no mercado internacional. Porém esse beneficiamento é impedido pelos importadores. O comércio tem de ser equilibrado”, lembrou Maathai.

“O dinheiro não foi perdido”

Já Bernard Kouchner, ex-ministro das Relações Exteriores da França e cofundador da ONG “Médico sem Fronteiras”, que participou do congresso em Genebra para falar sobre a situação da saúde na África, considera importante a ajuda externa dada ao continente, avaliada por alguns pesquisadores em 500 bilhões de dólares desde 1960. “Esse dinheiro não foi completamente perdido. A África está crescendo, inclusive nos anos de crise até mais do que a Europa”, respondeu à swissinfo.ch. Mas o político concorda que existem problemas. “O importante encontrar outra direção política para a aplicação desse dinheiro.”

Misturado ao público, o israelense Daniel Benaim, fundador e presidente da Comtec assistia satisfeito os debates. Ele confessou que sua empresa havia investido muito dinheiro na organização do evento, além da ajuda de patrocinadores, mas considerou-o um sucesso. Depois de Genebra, sua ideia é organizar outras edições em Nova Iorque ou na África. “Tive uma visão de, nos próximos cinco anos, fazer alguma coisa para melhorar a situação no continente”, afirmou à swissinfo.ch

Sua vantagem em relação a órgãos oficiais ou ONGs na realização de um encontro sobre a África é a independência, obtida graças ao sucesso comercial dos grandes congressos médicos internacionais que organiza. Porém o empresário revelou que existiu um preço para isso. “Alguns dos palestrantes foram pagos para falar”. Questionado, ele deu um dos nomes: Gordon Brown.

Evento organizado de 4 a 6 de abril de 2011 em Genebra, no Hotel Intercontinental.

Palestrantes convidados: 

Gordon Brown, Al Gore, Kofi Annan, Bernard Kouchner, Shlomo Ben Ami, Rudy Giuliani, Wangari Maathai, William Asiko

Chefe de Estado presente: Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, presidente da Guiné Equatorial.

Participantes como especialistas: Moshe Hod, Hamid Rushwan, Luis Cabero-
Roura e Jesper Høiland.

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