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Suíça: um país negreiro?

Porto de Bordeaux pintado por Louis Garneray, 1783 - 1857, (Câmara de Comércio e Indústria de Paris) swissinfo.ch

A Suíça não tem acesso ao mar. Porém isso não impediu que ela estivesse fortemente envolvida no tráfego negreiro e na escravidão no século XVIII.

Os nomes de várias famílias helvéticas tradicionais estão registrados nos anais do comércio de seres humanos.

A Suíça do século XVIII: seus pastores e seus rebanhos, suas montanhas e suas cachoeiras, tão citadas pelos viajantes da época. Mas por trás dessa Suíça idílica, ou melhor dizendo, ao lado dela, existia uma outra Suíça, um país envolvido com sua época e com o espaço europeu.

Porém mesmo as aparências podem enganar:

– Nas montanhas do cantão Appenzell, os trabalhadores da indústria têxtil sempre souberam a que hora partia um comboio de navios portugueses em direção às Antilhas – conta Hans Fässler, político e historiador suíço, que resolveu dedicar horas de trabalho pesquisando o tema.

Globalização já na época

Um grande veleiro, partindo de um porto europeu. Na África são trocados produtos manufaturados contra uma carga de madeira de ébano. Na América e nas Antilhas são vendidos posteriormente escravos e depois comprados bens coloniais, levados depois à Europa. Esse é o famoso “comércio triangular”.

A Suíça não é um país marítimo. Porém ela conseguiu nesse caso de participar do tráfico negreiro? Essa pergunta é feita por muitas almas inocentes. Um suíço, Alinghi, conseguiu ganhar a famosa Copa da América com seu veleiro. Por isso, nada é impossível.

A Europa, já naquela época, não era apenas uma justaposição de Estados. A rede de ligações financeiras é densa. E a Confederação Helvética, os cantões que a constituem, são totalmente inseridas nela.

Suíça estava muito orientada para os portos franceses como Marselha, Bordeaux ou Nantes, centros do comércio negreiro, sobretudo devido ao comércio de produtos têxteis, mas também através dos acordos financeiros firmados pelos seus bancos.

O comércio triangular necessitava, de fato, de quantidades consideráveis de dinheiro. Para fretar e assegurar os navios, pagar o salário dos marinheiros e oficiais, comprar mercadorias que seriam depois exportadas para a África. Em resumo: para organizar expedições de grandes dimensões e que não trariam lucros imediatamente.

Isso, pois da partida de um navio até seu retorno, com seus compartimentos de carga repleto de produtos coloniais de fácil venda nos mercados europeus, podiam se passar até dois anos. Assim se explica a importância dos investidores de fundos, profissionais que eram uma mistura entre comerciante e banqueiro, acostumados com ações e especulação e cuja importância era crescente na época.

Nomes…

Dentro do engajamento comercial e financeiro no comércio de escravos e mercadorias entre a Europa e suas colônias “são encontrados todos os grandes nomes da burguesia suíça do século XVIII: família Zellweger do cantão de Appenzell, Zollikofer e Rietmann do cantão de St. Gallen, Leu e Hottinger de Zurique, Merian e Burckhardt da Basiléia, De Pury e Pourtalès de Neuchâtel, Picot-Fazy e Pictet de Genebra”, constata o historiador Fässler.

Nomes conhecidos e respeitados na época, assim como os nomes escolhidos para batizar embarcações: um exemplo foi dado por uma empresa do cantão de Vaud, que fretou dois navios, o “Pays de Vaud” e o “Ville de Lausanne”, para adaptá-los ao transporte de escravos que seriam enviados para Moçambique. Em seguida, um terceiro barco também entrou na frota, o “Helvétie”, que também transportou o mesmo “produto”.

– No Suriname existiam grandes plantações dirigidas por suíços. Essas colônias tinham nomes como “Helvetia” ou “La Liberte”. Tudo é muito cínico – ressalta Hans Fässler. Em termos de domínio colonial, é possível também citar a fazenda “Purysburg”, que um membro da família De Pury criou na Virgínia. Um dos seus filhos chegou a morrer numa revolta de escravos.

É importante lembrar que, na época, se falava também do chamado “Royaume Pourtalès” (Reino de Pourtalès). Isso, pois a família era tão rica e poderosa, sobretudo pelo comércio de produtos têxteis e escravos.

Moral ou imoral

O debate atual em relação a esse período histórico é polêmico.

– Muitos dizem que não havia nada de imoral para a Suíça, pois ela atuava mais diretamente no comércio de algodão, café, açúcar. Porém de ouro lado, para um historiador africano ou das Antilhas, esse foi um sistema que não teria sido possível sem o emprego de escravos negros nas grandes plantações – conclui Hans Fässler.

swissinfo, Bernard Léchot

– Toussaint Louverture, primeiro líder da independência do Haiti, morreu em 7 de abril de 1803 na prisão do Forte de Joux, próximo a fronteira franco-suíça.

– Dois séculos mais tarde, a França lhe homenageia, assim com o historiador suíço Hans Fässler.

Hans Fässler pesquisou e publicou livros sobre as relações entre a Suíça e a escravidão, principalmente nos séculos XVII e XVIII.

A Suíça esteve envolvida indiretamente nesse tipo de negócios, sobretudo através das suas casas comerciais e bancos.

Essa constatação na atualidade fez com que vários políticos apresentassem moções no Parlamento Federal helvético.

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