“Toda a imprensa está contra nós”
A Suíça era conhecida como um oásis de paz e neutralidade. A situação mudou a partir da campanha eleitoral da UDC, o partido mais forte do país. Polêmica e polarizadora, ela provoca protestos até no exterior. Alguns já vêem a Suíça como o centro do novo extremismo de direita na Europa.
swissinfo entrevista Toni Brunner, um dos mais jovens deputados do partido e coordenador da campanha. Na sua opinião, a UDC é atacada apenas por dizer a verdade.
“O coração da Europa obscura?” – a questão provocadora é o título da reportagem publicada no jornal inglês “The Independent” em 26 de setembro de 2007. O jornalista Paul Vallely não precisa de mais palavras para explicar porque vê na Suíça o novo centro do extremismo de direita na Europa.
O principal tema é o ambiente tenso no país pouco antes das eleições federais marcadas para 21 de outubro de 2007. O que chama a atenção do repórter é que, apesar da heterogeneidade política de uma das mais antigas democracias do mundo, os debates e a mídia são hoje monopolizados pela campanha de um partido: a União Democrática do Centro (UDC), a maior força política no Parlamento, representada no governo federal por dois ministros (dos sete) e abrigo de várias correntes da direita nacionalista, antieuropéia ou conservadoras.
Seus cartazes polemizam quando retratam estrangeiros criminosos como ovelhas negras que precisam ser expulsas pelas brancas, o eleitor suíço. Um outro pôster, que pode ser visto de norte ao sul, alerta para o perigo da islamização da sociedade através da influencia dos grupos de imigrantes de países muçulmanos. Para reforçar o debate, a UDC até chegou a lançar uma iniciativa popular, pedindo a aprovação de uma lei proibindo a construção de minaretes nas mesquitas. Se conseguirem 100 mil votos, o projeto será submetido ao voto popular, apesar das fortes dúvidas que um tal projeto seja constitucional.
Também “Time” resolveu explorar a campanha eleitoral suíça. A influente revista americana revela aos seus leitores que o maior partido do país conquista os eleitores explorando temas populistas, mas de grande apelo ao eleitorado, como a criminalidade entre estrangeiros, a violência juvenil, o abusos do sistema de assistência social e a neutralidade helvética.
Nas últimas semanas, swissinfo entrevistou diversos cientistas políticos para entender o fenômeno da UDC. Agora abrimos espaço para o próprio partido através de uma entrevista com uma das suas grandes estrelas: Toni Brunner.
O deputado federal entrou no Parlamento com apenas 21 anos e já está no seu segundo mandato. Hoje, aos 33 anos, o fazendeiro do cantão de St. Gallen e radialista – ele montou uma rádio no estábulo da sua propriedade e que só transmite música folclórica suíça – é vice-presidente da UDC e coordenador da campanha eleitoral do polêmico partido.
Antes da entrevista ele fez questão de dizer que a UDC não precisa de agências de publicidade ou especialistas em marketing eleitoral. “Tudo vem da nossa cabeça”, declarou o suíço.
A campanha da UDC parece girar em torno de uma só pessoa: o ministro da Justiça, Christoph Blocher. Essa personalização não é algo estranho às tradições suíças?
Outros partidos também praticam essa personalização. A ministra das Relações Exteriores, Micheline Calmy-Rey (n.r: Partido Social-Democrata) também é o rosto do seu partido e assume muito bem esse papel. Ninguém se incomoda. Agora quando é a vez de Christoph Blocher, a situação muda. Ele é atacado a todo momento e exposto a calúnias e agressões verbais. As últimas acusações (ler reportagem “Ministro da Justiça sofre pressão política”) são uma prova disso. Elas são absolutamente sem fundamento e felizmente a população suíça sabe disso.
Mas voltando à questão da personalização…
Eu concordo que esse é um fenômeno que não havia antes na política suíça. Mas o eleitor precisa saber que o voto dado para a UDC fortalece a posição de Blocher quando o Parlamento votar o novo executivo. Quem vota nos ecologistas ou na esquerda, vota nas forças que querem tirar Blocher do poder. E como o ministro da Justiça é uma pessoa de forte caráter, a campanha acaba tendo uma conotação muito personificada. Eu, como chefe de campanha da UDC, seria muito criticado se não colocasse em primeiro plano o nosso mais forte cavalo de batalha.
Os críticos dizem que a campanha eleitoral da UDC é xenófoba e preconceituosa.
O debate político na Suíça funciona no contexto da democracia direta, algo único no mundo. A questão é que colocamos em debate um tema concreto, que se concretiza através de uma iniciativa da UDC pedindo a expulsão de criminosos estrangeiros. Estamos falando de estupradores, assassinos e pessoas que fraudam o sistema de assistência social. Depois de cumprir a pena na Suíça, eles deveriam ser expulsos do país. É absolutamente normal dizer que as pessoas que não cumprem as regras devem ser expulsas. A maior parte dos estrangeiros que vive na Suíça cumprem essas regras. Só as ovelhas negras é que não.
Mas a linguagem figurada de ovelhas negras não daria uma conotação de cor, racismo contra estrangeiros?
Esse é um completo equívoco. As pessoas deveriam debater mais sobre o conteúdo da nossa mensagem. Aliás, essa imagem – a da ovelha negra – não foi criada na Suíça, ela existe em todas as partes do mundo. Aqui até as crianças sabem que uma ovelha negra é aquela que fez algo que não deveria fazer.
Como as pessoas que vocês intitularam “falsos aposentados”?
Abusos cometidos contra o seguro-invalidez são bons exemplos. O Estado apóia pessoas inválidas e que não podem cuidar de si próprias. A UDC é a favor do sistema. Porém não concordamos que uma pessoa receba essa aposentadoria da Suíça e diga ao Estado que está impedida de trabalhar e, um dia, se descubra que ela trabalha na sua própria oficina em um país qualquer dos Bálcãs. Esse é apenas um exemplo. A obrigação sagrada dos políticos é eliminar esses males, abusos, para que na população não seja contaminada por essas tendências.
A UDC realizou um vídeo que acabou sendo proibido, pois os atores não sabiam do que estavam participando de um vídeo eleitoral.
A proibição não foi pelo conteúdo, mas sim por outra questão. Nós contratamos uma empresa para realizar o vídeo. Aparentemente ela engajou um grupo de jovens e disse para eles que era apenas um filme de prevenção ao crime. Apesar disso, acho que o nosso filme é mesmo de prevenção. Nós mostramos o que a pessoa precisa fazer quando quer combater a violência: votar na UDC.
Não é maniqueísmo mostrar em preto-e-branco a Suíça dos traficantes estrangeiros, das gangues juvenis e consumo de drogas?
Realmente a nossa mensagem é aguçada. Mas nesse filmes estamos falando de problemas que existem de fato: a violência juvenil e a criminalidade elevada entre os estrangeiros na Suíça. Falamos sobre o aumento no consumo de álcool e drogas. Ao mesmo tempo estamos também abrindo o debate sobre a crescente islamização da nossa sociedade.
É possível dizer que criminalidade é um problema só de estrangeiros?
Se eu digo que 22% da população na Suíça é de estrangeiros e que nunca tivemos tantas naturalizações como agora, então peço que alguém me mostre um país europeu onde estrangeiros e nacionais tenham um convívio tão pacifico. Porém temos agora os primeiros sinais de problemas e também de tendências negativas. Não queremos aqui uma sociedade paralela. Queremos pessoas integradas. Quem vive aqui, tem de se adaptar às regras, como ocorre no Irã, Turquia ou Arábia Saudita.
Mas posições do seu partido, como a iniciativa popular pedindo a proibição da construção de minaretes na Suíça ou cartazes alertando a população contra o Islã, não contribuem a polarizar ainda mais a sociedade?
O que queremos é o convívio pacífico na nossa sociedade. Mesmo os círculos islâmicos reconhecem que nós, da UDC, respeitamos a liberdade religiosa, algo que é absoluto na Suíça. Porém eu me pergunto se um minarete é realmente necessário para o exercício de uma fé. Não seria suficiente ter uma mesquita? O minarete não é exatamente o símbolo que necessita de um espaço na Suíça se lutamos em prol do convívio pacífico entre os diferentes grupos.
E para isso vocês lançam o debate dentro da campanha?
Essa é o nosso sistema de democracia direta: ao colocarmos os problemas vividos pela sociedade na mesa, obviamente teremos conflitos e discussões. Mas eu respeito a posição dos outros. Porém eu acho errado fazer como os outros partidos, que preferem varrer esses problemas, pelo seu caráter sensível, para baixo do tapete.
Andreas Glarner, o candidato da UDC no cantão da Argóvia, criou um cartaz mostrando uma mulher coberta de véu. O título dele é “Aarau ou Ankara?”. Em outro ele fala de “Baden ou Bagdá?” e coloca a foto de um minarete. Isso não seria uma provocacao?
Não trabalhamos com a proibição de slogans políticos, mas sim com a força dos argumentos. É possível que alguns vejam como provocação os cartazes do candidato de Aarau, mas se trata de discutir o futuro do país. Onde queremos ir? Como vamos viver em conjunto. Obviamente o candidato precisa preencher as mensagens que lança com conteúdo no momento em que sobe na tribuna para fazer um discurso. Eu acredito que esse debate pode ser bem interessante.
Por que tantos cartazes da UDC costumam ser depredados?
Para mim esse comportamento não é condizente com os nossos costumes. Isso significa que essas pessoas não querem discutir através de argumentos. A questão é que, durante um ano, o eleitor suíço vota em plebiscitos sobre questões concretas – em nível federal, cantonal e até comunal – muito mais do que um inglês durante toda a sua vida. Temos um outro processo de participação na política.
O que significa o lema de campanha da UDC – “Minha casa, nossa Suíça”?
Esse é o nome da nossa plataforma eleitoral, dentro dele estão nossas posições. “Minha casa, nossa Suíça” apela aos valores que fizeram a força desse país. A Suíça tem poucos recursos naturais. Não temos acesso ao mar ou riquezas, mas apenas muitas pedras e montanhas. Apesar disso conseguimos chegar a uma situação de prosperidade. E por quê? Pois os suíços e os estrangeiros que aqui vivem trabalham aplicados e até mais do que a média européia.
O cientista político Dario Spini acha que a UDC é cínica ao bater nos setores mais frágeis da sociedade. Também o jornalista Roger de Weck acha que a UDC dá exemplo para a extrema direita na Europa. O que você acha das críticas dessas personalidades?
A UDC é o partido que tem o perfil mais claro da Suíça. As pessoas só podem nos amar ou odiar. Mas quando você analisa os três pontos fundamentais do nosso programa, é fácil entender a nossa força. Nós recusamos terminantemente a adesão da Suíça à União Européia. E por quê? A nossa soberania, o sistema de democracia direta, não combina com uma Europa centralista. Já o segundo ponto, a questão dos estrangeiros e do asilo político na Suíça, mostra que somos o partido que diz claramente que existem problemas e abusos. Isso é compreendido não só pelos suíços, mas a maior parte dos estrangeiros que se comporta bem no país. Eu costumo encontrar estrangeiros no trem que me dizem: – estamos felizes de vocês fazerem essa campanha, pois sofremos com os maus estrangeiros.
A última pesquisa de opinião realizada pela Televisão Suíça mostra que a UDC caiu 1,1% na estima do eleitor. Será que vocês não chegaram a um limite, apesar de ainda ser o partido mais forte da Suíça?
Não, nós não chegamos a um limite. Eu volto à questão anterior e falo agora do terceiro ponto fundamental do nosso programa: nós queremos que os habitantes desse país tenham mais dinheiro no bolso. Por isso queremos diminuir o imposto sobre circulação de mercadorias, que atingem mais os pobres do que os ricos. E quem defende essa posição: e o ministro Christoph Blocher, que representa o nosso programa no governo federal. O programa da esquerda e dos outros partidos, no momento em que ele foi eleito ao governo, foi de combatê-lo. É por isso que a Lei do asilo e de estrangeiros foi chamada de Lei do Blocher. Os nossos oponentes diziam à população que se eles votassem à favor dessa lei, estariam votando no Blocher. No final, 70% dos eleitores votaram “sim”. Eu estou convencido que o potencial do nosso partido está entre 50 e 40% do eleitorado.
E qual a percentagem do eleitorado a UDC quer alcançar nas eleições de outubro de 2007?
Nós nunca falamos de percentual. Apenas dizemos que o objetivo é garantir 100 mil votos a mais que, somados ao nosso eleitorado, já daria uma percentagem de 30% do total. Esse número já é bastante ambicioso em dimensões suíças. Já nas últimas eleições nós tivemos uma vitória fulgurosa, com 26,6% dos votos, o que nos garantiu o lugar de partido mais importante da Suíça.
Se vocês conseguirem alcançar esse objetivo, quais são os planos da UDC para o governo?
Se Christoph Blocher, nosso segundo representante no governo federal, não for reeleito para o cargo, um ministro que é trabalhador e honesto, então não estaremos dispostos a continuar no governo. Nesse caso iremos para a oposição, o que significa uma mudança no sistema político do país. Não teremos mais o sistema de governo por concordância, mas sim oposição e governo. Os outros partidos devem ter consciência desse perigo, pois essa seria uma mudança cultural muito grande no nosso país. É preciso aprender a respeitar as outras opiniões que, muitas vezes, vem da UDC contra todos os partidos.
Como é trabalhar para um partido que é sempre atacado por todos?
De fato não temos o apoio da mídia. Somos o partido mais forte e toda a imprensa da Suíça apóia os nossos oponentes. Ninguém pode nos criticar de ser como o partido do Berlusconi na Itália, que domina todo o aparato da mídia. No caso da UDC, nós convencemos o eleitor somente através dos argumentos. E a arma mais forte da UDC é o seu claro programa, enquanto outros partidos têm um programa como uma colcha de retalhos.
swissinfo, Alexander Thoele
Os partidos mais fortes da Suíça segundo as ultimas pesquisas eleitorais (entre parenteses, os resultados nas eleições de 2003)
União Democrática do Centro: 26,2% (26,7%)
Partido Social Democrata: 21,6% (23,3%)
Partido Radical-Democrático (liberal) 16,2% (17,3%)
Partido Cristão-Democrático: 14,6% (14,4%)
Partido Verde: 10,3% (7,4%)
A União Democrática do Centro (UDC) é um partido político suíço da direita nacionalista, conservadora e liberal, muitas vezes qualificada de xenófoba.
A UDC é o partido mais representado no Conselho Nacional (Câmara dos Deputados), com 55 dos 200 assentos e 8 dos 40 assentos no Conselho de Estados (Senado Federal). No governo federal ela é representada através de dois ministros (de sete): Samuel Schmid e Christoph Blocher.
Para as eleições de 2007, o partido pretende conquistar mais 100 mil votos. O objetivo é passar de 26,6% a 30% ou mais do eleitorado.
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