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Corte da ONU analisa responsabilidades dos países sobre danos climáticos

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Intensificadas pelo aquecimento global, as chuvas de monções extremas inundaram um terço do Paquistão em 2022, afetando milhões de pessoas e matando mais de 1.500, incluindo 500 crianças, de acordo com a UNICEF. KEYSTONE/Copyright 2022 The Associated Press. All rights reserved.

A decisão histórica que condenou a Suíça por não tomar medidas para combater as mudanças climáticas confirmou a obrigação dos governos em reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Mas como fica a responsabilização governamental por danos climáticos já causados ou sofridos? A Corte Internacional de Justiça decidirá em breve sobre essa questão, em um caso que pode ser um ponto de virada para a justiça ambiental.

Os governos são responsáveis pelos danos causados pelas mudanças climáticas? A Corte Internacional de Justiça (CIJ), o principal órgão judicial das Nações Unidas (ONU), está atualmente analisando exatamente essa pergunta. No início de 2025 o órgão deve publicar um parecer técnico sobre o assunto que, ainda que não seja vinculativo, poderá reformular significativamente o direito internacional.

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Em março de 2023, incitada por Vanuatu – uma pequena nação insular do Pacífico que já está enfrentando o aumento do nível do mar – a Link externoAssembleia Geral das Nações Unidas solicitou à Corte Internacional de Justiça que esclarecesse as obrigações dos EstadosLink externo de enfrentar a crise climática, bem como suas responsabilidades legais em relação a danos relacionados ao clima, especialmente em regiões vulneráveis.

Essa é primeira vez que o tribunal internacional decidirá sobre este mérito. A Corte já recebeu Link externo91 contribuições por escritoLink externo de países e organizações, “o maior número até hoje em um procedimento desse tipo”, Link externoobservou o tribunalLink externo que realizará audiências no segundo semestre de 2024 antes de emitir seu parecer no início do próximo ano.

As conclusões da Corte virão em um momento em que os processos judiciais sobre o clima estão ganhando cada vez mais manchetes. O caso mais recente foi a condenação contra a Suíça por inação climática, no Tribunal Europeu de Direitos Humanos (ECHR), em Estrasburgo, em 8 de abril. O tribunal decidiu que o governo suíço estava violando os direitos humanos das mulheres idosas ao não tomar as medidas necessárias para combater as mudanças climáticas.

“A Corte Europeia deixou claro que os Estados têm a obrigação de agir para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas também estabeleceu as bases para a responsabilidade legal em relação aos danos causados pela crise climática”, afirma Nikki Reisch, diretora do Programa de Clima e Energia do Centro Internacional de Direito Ambiental (CIEL), em Genebra.  

Direito a um meio ambiente saudável

Embora a decisão da CEDH seja vinculativa e estabeleça um precedente para todos os países europeus, a luta continua para os ativistas climáticos. Desde então, Link externomais de 400 ONGs e institutos de pesquisa pediram que o direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável fosse consagrado na Convenção EuropeiaLink externo de Direitos Humanos, por meio da adoção de um protocolo adicional. Até agora, esse direito estava indiretamente implícito nos artigos 2 (o direito à vida) e 8 (o direito ao respeito pela vida privada e familiar) da Convenção Europeia.

“A decisão de Estrasburgo é um passo à frente para a justiça climática, mas os critérios de admissibilidade ainda são muito estritos”, diz Raphaël Mahaim, advogado da Senior Women for Climate Protection e parlamentar do Partido Verde Suíço. O Tribunal Europeu não acolheuLink externo dois processos semelhantes – movidos por seis jovens cidadãos portugueses e pelo ex-prefeito francês Damien Carême – com o argumento de que eles não foram “pessoal e diretamente afetados pela ação ou inação das autoridades públicas”. “A decisão também se refere apenas às obrigações em termos de redução de CO2”, acrescentou Mahaim. “Com um protocolo adicional na Convenção Europeia, poderemos ser mais precisos e concretos.”

Reisch, da CIEL, concorda: “Um protocolo adicional sobre o direito a um ambiente saudável reforçaria e esclareceria as obrigações dos Estados em termos de proteção ambiental.” Esse direito já foi reconhecido pelo Conselho de Direitos Humanos e pela Assembleia Geral das Nações Unidas em outubro de 2021 e julho de 2022, respectivamente.

Pequenos países-ilha na Corte Mundial

Todas as atenções agora se concentram na Corte Internacional de Justiça (CIJ) em Haia, cujo parecer consultivo terá efeitos que vão muito além das fronteiras europeias, aponta Reisch.

“Como a ‘mais alta corte do mundo’, a CIJ tem peso. Sua opinião sobre as obrigações dos Estados em relação às mudanças climáticas influenciará os tribunais de todo o mundo, bem como os governos que buscam evitar ações judiciais”. Para o especialista, a CIJ poderia incentivar os governos a serem mais ambiciosos em suas metas, além de esclarecer o impasse dos danos climáticos já sofridos, que tendem a afetar desproporcionalmente as regiões que menos contribuíram para as emissões de gases de efeito estufa.

No entanto, mesmo as metas climáticas obrigatórias, por exemplo, conforme estabelecido no Acordo de Paris, raramente são cumpridas. “O calcanhar de Aquiles da legislação internacional sobre o clima é a falta de mecanismos eficazes de responsabilização”, admite o Relator Especial sobre Direitos Humanos e Meio Ambiente da ONU, David R. Boyd, que apoia o pedido de adoção de um protocolo adicional na Convenção Europeia. Em sua opinião, o direito a um meio ambiente saudável deve ser reconhecido nas constituições dos estados e na legislação nacional, e aplicado por meio de medidas concretas, como a redução das emissões de gases de efeito estufa, a proteção da biodiversidade ou a melhoria da qualidade do ar.  

Rumo a uma onda de ações judiciais?

Para a diretora do Programa de Energia e Clima do CIEL, Reisch, além das negociações da ONU, os tribunais nacionais e internacionais desempenham um papel fundamental para garantir que os governos respeitem o direito a um meio ambiente saudável. Ela cita a Link externorecente decisão em La OroyaLink externo, nos Andes, como exemplo. Em 28 de março, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu que o Peru havia violado os direitos das comunidades locais ao permitir que a região fosse contaminada por uma fundição de metais.

As ações judiciais ambientais em todo o mundo estão se acumulando, frisando uma pergunta: os tribunais estão preparados para enfrentar uma onda gigantesca de litígios ambientais?

“As ações judiciais sobre o clima são, e continuarão sendo, uma pequena fração do número total de casos julgados pelos tribunais. É importante enfatizar que, se os Estados e as empresas cumprissem suas obrigações ambientais e de direitos humanos, não haveria mais necessidade de ações judiciais sobre o clima”, diz Boyd, relator na ONU.

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Pessoas em uma escada

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Velhinhas ganham ação contra Suíça em tribunal europeu

Este conteúdo foi publicado em A Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que as autoridades suíças são responsáveis por não implementar políticas eficientes de mudança climática e por violar o direito à vida de um grupo de idosas na Suíça.

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Ele insiste na necessidade de implementar “políticas ambientais mais populares, equitativas e eficazes [que] teriam como alvo as empresas e os super-ricos que geram uma parcela desproporcional das emissões de gases de efeito estufa”.

Ao longo de seu mandato, Boyd denunciou disputas judiciais entre empresas e estados que impediram a introdução de regulamentações ambientais mais rígidas, principalmente com relação à exploração de combustíveis fósseis. “Em vez de fazer com que os poluidores paguem, os estados estão pagando os poluidores”, diz ele, referindo-se a disputas no valor de várias centenas de bilhões de dólares.  

Genebra, o novo centro de litígios climáticos?

Como Reisch destaca, a sentença no caso das Idosas Suíças pela Proteção do Clima estabelece as bases legais para responsabilizar os principais emissores por danos relacionados ao clima. A decisão judicial destaca que a mudança climática é uma questão atual, que já está prejudicando desproporcionalmente as regiões e populações vulneráveis. Como resultado, alguns países estão exigindo indenizações, incluindo estados insulares como a Indonésia e Vanuatu. Na COP28, foi adotado um fundo de “perdas e danos” dedicado à compensação de desastres relacionados ao clima, embora, Link externode acordo com vários especialistasLink externo, a iniciativa seja subfinanciada.

Em Genebra, as Nações Unidas estão prestes a sediar um novo escritório dedicado a perdas e danos: a Rede Santiago, que apoiará os países afetados por desastres climáticos, fornecendo-lhes assistência técnica. Seu principal objetivo será limitar as perdas e os danos, equipando as regiões vulneráveis. “A rede ajudará a coletar evidências de danos relacionados ao clima”, diz Reisch. “Essas informações podem ajudar a interpretar os deveres dos Estados. Mas ainda não se sabe que papel ela desempenhará em litígios climáticos”. O artigo 8 do Acordo de Paris, que reconhece perdas e danos, ainda não estabelece nenhuma obrigação juridicamente vinculante.

No final de maio, Boyd passará as rédeas de seu cargo de relatoria especial na ONU. Sua sucessora, Astrid Puentes, assumirá o cargo que levará agora um novo nome. Para refletir e incorporar o nascimento de um novo direito humano, Puentes será a nova “Relatora Especial sobre o direito humano a um ambiente limpo, saudável e sustentável“.

Edição: Virginie Mangin/fh
(Adaptação: Clarissa Levy)

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