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“Minorias são vetores da diversidade”

Nicolas Levrat
Nicolas Levrat no Instituto de Estudos Globais da Universidade de Genebra. Olivier Vogelsang

Nicolas Levrat, novo relator especial da ONU sobre questões de minorias, fala à SWI swissinfo.ch sobre o pragmatismo de sua abordagem "suíça", comenta as regras que regem uma guerra e explica por que estamos no fim de uma era que começou em 1989.

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“Genebra é um dos lugares mais interessantes do mundo, se não o mais interessante, para se trabalhar com Direito Internacional. A Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas está sediada aqui e seu papel é desenvolver o Direito Internacional. Todos os principais tratados multilaterais foram preparados aqui”, aponta Nicolas Levrat. 

Como novo relator especial das Nações Unidas para questões de minorias, ele concede essa entrevista em seu escritório, no 5º andar do Instituto de Estudos Globais da Universidade de Genebra, localizado em Plainpalais, bairro central da cidade, nos arredores do Museu de Arte Contemporânea (Mamco). Na parede de seu escritório, um enorme relógio dependurado chama a atenção dos visitantes, pois funciona no sentido anti-horário. “Um presente da minha filha”, revela o relator.

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Os relatores especiais são especialistas independentes da ONU, responsáveis pelo monitoramento de direitos humanos específicos. Olivier Vogelsang

Questões relacionadas a minorias sempre estiveram no centro da trajetória profissional de Levrat. Ele estudou Direito na Universidade de Genebra. Nos anos 1990, passou a integrar o Conselho da Europa, em Estrasburgo, para lidar com questões de minorias principalmente na Europa Central e no Leste Europeu. Mais tarde, assumiu um cargo acadêmico na Universidade Livre de Bruxelas. No início dos anos 2000, retornou à Universidade de Genebra e, juntamente com a ex-presidente suíça Micheline Calmy-Rey, fundou a “Human Rights Week” – uma série de eventos em Genebra em torno dos desafios relacionados à defesa dos direitos humanos.

Na condição de relator independente e imparcial recém-nomeado, o papel de Levrat será investigar questões relacionadas a minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas.

Os relatores especiais são especialistas independentes da ONU, responsáveis pelo monitoramento de direitos humanos em contextos específicos, cuja missão inclui responder a queixas individuais, conduzir estudos, fornecer consultoria sobre cooperação técnica e fazer visitas a países para avaliar situações específicas relacionadas aos direitos humanos.

Pergunto se Levrat tem algum plano para abordar essas questões em seu primeiro ano no cargo, dados os inúmeros problemas neste contexto em todo o mundo. 

Desafios rondam

Não”, diz ele. “Primeiro, as situações evoluem com o tempo, novas situações podem talvez se tornar mais problemáticas do que as que enfrentamos hoje. Em segundo lugar, você tem muita liberdade como relator especial, mas, se quiser lidar com uma questão específica, em um país específico, terá de lidar com o Estado. Você não pode simplesmente dizer: ‘Vou resolver esse problema’. Como você pode imaginar, nem sempre será fácil”, diz ele.

De um relator, espera-se viagens por pelo menos dois países por ano, com a produção de dois relatórios apresentados na Assembleia Geral da ONU e no Conselho de Direitos Humanos. “Se quiser atingir seus objetivos nessa função, você precisa manter o equilíbrio entre três polos: a sociedade civil, a comunidade de Estados e o mundo da ONU, que tem sua própria lógica. Tenho a grande vantagem de estar baseado em Genebra e todas as questões de direitos humanos são discutidas aqui”, observa.

Levrat não revela os casos pelos quais começará o trabalho, mas diz que está “ciente de que há muitas situações envolvendo os direitos humanos em todo o mundo que não podem ser aceitas”. “O cargo é tido como um canal de voz para aqueles que representam as minorias. Ao mesmo tempo, você tem que trabalhar no mundo da ONU, que é composto por Estados. Você pode fazer muito barulho, sem ser muito eficiente. Ou você pode ser mais eficiente, mas seu trabalho pode ter talvez menos visibilidade. É uma escolha”, reflete Levrat.

Valor agregado da diáspora

Um tópico que o novo relator planeja abordar é a situação e o papel da diáspora. Os integrantes da diáspora são considerados minoria dentro de um país? Quais são seus vínculos com as pessoas do país de origem? Essas são algumas das perguntas que Levrat pretende responder, a exemplo da diáspora iraniana em Los Angeles.

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“Genebra é um dos lugares mais interessantes do mundo, se não o mais interessante, para se trabalhar com direito internacional.” Olivier Vogelsang

“Eu gostaria de evidenciar a contribuição das minorias para a sociedade. Acho que as sociedades plurais e diversificadas são mais resilientes e provavelmente mais eficientes para lidar com muitos problemas do que as monolíticas. A diversidade é um valor muito importante. De fato, as minorias são os vetores dessa diversidade”, analisa.

O objetivo de Levrat é desenvolver ferramentas de ciência de dados ou inteligência artificial, em cooperação com o meio acadêmico, a fim de entender e monitorar como as questões das minorias evoluem e as tensões escalam em comunidades de todo o mundo.

Pergunto como ele pretende lidar, no cargo, com a questão atual entre israelenses e palestinos. “Essa preocupação é uma prioridade”, admite Levrat. “Temos que pensar no que podemos fazer para ajudar de uma forma ou de outra. Há questões entre grupos religiosos da região e os atos antissemitas e islamofóbicos também aumentaram em muitos lugares do mundo. Essa também é uma das minhas preocupações, pois esses grupos, vítimas de discriminação ou de atos de ódio ou violência, são minorias. Sim, esse é um problema”, diz ele, sem especificar como será envolvido nesse contexto. 

“Legalmente, não podemos dizer que os direitos das minorias tenham sido afetados em Gaza. Os Estados precisam decidir se em seus países há minorias ou não. Gaza é um Estado? Israel é um Estado que deveria decidir se as pessoas em Gaza são uma minoria? Certamente não. A maioria dos direitos dessas pessoas foi afetada e a situação precisa ser resolvida de maneira rápida, humana e justa, se possível”, completa.

Levrat acredita que, tradicionalmente, a Suíça mantém uma abordagem pragmática no âmbito das relações exteriores, à qual ele é favorável, pois “é mais provável que surta efeitos”. “A justiça perfeita é uma boa ideia, mas, se pudermos melhorar a situação de pessoas que passam por uma situação injusta, essa é uma justiça melhor. Não é o ideal, mas é melhor que nada”, pondera. 

Fim de uma era

Proteger os direitos humanos tornou-se difícil no mundo de hoje, admite Levrat. Tradicionalmente, a comunidade internacional, por meio de cooperação ou pressão, tenta melhorar a situação dos direitos humanos em um determinado país. No entanto, acredita ele, a era da cooperação internacional, iniciada em 1989, terminou o mais tardar com a guerra da Rússia na Ucrânia. O “clima de cooperação” no mundo mudou e voltamos aos “blocos” como durante a Guerra Fria. “Agora é mais difícil para a comunidade internacional intervir e pressionar certos países para que melhorem seu histórico de direitos humanos. A lógica de ‘bloco’ está de volta. Você apoia seus aliados independentemente do que façam”, analisa o relator.

Levrat pretende dar atenção especial à forma como as minorias são retratadas na mídia. Ele quer também gerar maior visibilidade para o trabalho do relator e sua equipe. Tanto ao longo da história quanto hoje, as questões das minorias estão no cerne de muitos dos conflitos no mundo, argumentaram os palestrantes no último Conselho de Direitos Humanos, no primeiro semestre do último ano. Levrat vai ter certamente bastante trabalho nos próximos seis anos.

Edição: Virginie Mangin

Adaptação: Soraia Vilela

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