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O fim da ajuda humanitária na Ucrânia?

Pessoas em uma sala
Voluntários distribuíndo ajuda humanitária em um abrigo antibombas em Huliaypole, região de Zaporizhia, sudeste da Ucrânia, em 25 de dezembro de 2023, em meio à invasão russa. KEYSTONE

Dois anos após a invasão russa da Ucrânia, a situação humanitária no terreno continua crítica. Pela primeira vez, a ONU teme que sua ajuda às populações ucranianas afetadas pela guerra seja subfinanciada.

“É bastante chocante ver como a Ucrânia não está mais nas manchetes”, diz Sarah Hilding. De Kiev, a chefe do Bureau das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários na Ucrânia não esconde sua preocupação: “O financiamento é uma de nossas principais preocupações”.

Embora a crise na Ucrânia ainda tenha sido uma das mais bem financiadas do mundo no ano passado, com 69% das necessidades cobertas, as Nações Unidas agora temem que esses fundos sequem, especialmente porque a situação catastrófica em Gaza eclipsou em grande parte a da Ucrânia.

24 meses após o início da invasão russa da Ucrânia, as necessidades humanitárias no país continuam enormes. De acordo com a ONU, cerca de 40% da população da Ucrânia, ou seja, 14,6 milhões de pessoas, precisará de assistência este ano.

Gráfico
Kai Reusser / swissinfo.ch

“Não há trégua para a guerra. Todos os dias, civis são afetados, pessoas são mortas, hospitais são destruídos ou danificados, bem como escolas e outras infraestruturas civis”, disse Hilding. Para ilustrar seu argumento, a gerente disse que passou a manhã em um abrigo por causa de um alerta de ataque aéreo.

Embora a linha de frente tenha se movido pouco no ano passado, todo o território da Ucrânia continua sendo regularmente alvo de ondas de mísseis e drones. Esses ataques se intensificaram desde dezembro de 2023.

Dois anos depois, as necessidades se agravaram

As necessidades humanitárias são mais significativas em áreas próximas aos combates, no leste e no sul da Ucrânia. Nesses territórios, que incluem aqueles sob controle russo aos quais as agências da ONU não têm acesso, mais de 3 milhões de pessoas precisam de assistência. Nas regiões central e ocidental, cerca de 4 milhões de deslocados também são particularmente vulneráveis, de acordo com as Nações Unidas.

“As comunidades que vivem perto da linha de frente estão exaustas. Seus recursos estão esgotados”, diz Sarah Hilding. Os que ficaram para trás nessas áreas são muitas vezes idosos. Após dois anos de guerra, eles não têm economias e dependem da ajuda humanitária, incluindo bebidas, alimentos e cuidados médicos. E com o passar do tempo, mais e mais pessoas se encontram nessa situação. “Devido à natureza prolongada desta guerra, as necessidades daqueles que ficaram para trás se agravaram”, disse o funcionário.

Há também aquelas pessoas que, depois de fugir de suas casas no início da invasão, voltam para suas casas para descobrir que suas casas foram destruídas ou que a terra que costumavam cultivar ainda está minada.

O plano de resposta humanitária da ONU para a Ucrânia em 2024 é de US$ 3,1 bilhões para cobrir as necessidades de 8,5 milhões de pessoas. Isso é menos do que os US$ 3,9 bilhões do ano passado, refletindo o desejo de alcançar aos mais vulneráveis. Este esforço foi feito devido a preocupações com a generosidade dos países doadores.

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Antecipar o subfinanciamento

O Conselho Norueguês para os Refugiados (CNR), uma ONG internacional presente na Ucrânia que recebe uma parte dos fundos da ONU, também deve enfrentar um déficit de financiamento em 2024.

“A situação pode se tornar catastrófica muito rapidamente se o financiamento cair drasticamente”, alerta Athena Rayburn, chefe de defesa da Ucrânia da ONG. Segundo ela, por isso, é importante garantir que a resposta das agências humanitárias seja a mais duradoura possível. Uma das prioridades do CNR este ano será trabalhar com o governo ucraniano e a sociedade civil para determinar quais serviços podem ser delegados a eles se as organizações humanitárias ficarem sem dinheiro.

No entanto, em caso de subfinanciamento, escolhas difíceis terão de ser feitas. E algumas pessoas serão privadas de assistência vital. “Para alguém como eu e para meus colegas, é de partir o coração”, diz Hilding. Nós vemos que as pessoas precisam de ajuda. Devemos ser capazes de contar sua história de uma maneira convincente para que os doadores entendam que, quando dizemos que precisamos de dinheiro, realmente precisamos.”

Evitando sistemas paralelos

Depois de dois anos, o conflito agora parece estar atolado. Num país como a Ucrânia, cujo governo é apoiado financeiramente por importantes parceiros internacionais, seria uma ação humanitária em larga escala ainda justificável?

“Eu diria que sim. A partir do momento em que há situações de emergência, situações precárias para a população, que sofre violência significativa, parece-me completamente justificado”, diz Karl Blanchet, diretor do Centro Conjunto de Estudos Humanitários da Universidade de Genebra e do Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento (IAEID).

Segundo ele, ainda é cedo para atores do desenvolvimento, como o Banco Mundial, o FMI ou a OCDE, investirem na reconstrução do país, porque as incertezas relacionadas à guerra ainda são muito grandes.

No entanto, o especialista assinala o risco de que, no longo prazo, a ajuda humanitária crie dependência e gere sistemas de serviços paralelos. Por exemplo, pode-se imaginar um hospital em pleno funcionamento administrado por uma ONG internacional, por um lado, e outra unidade de saúde administrada pelo governo ucraniano, por outro, onde há escassez de pessoal e medicamentos.

À sombra de Trump

2024 poderá ser ainda mais difícil para a ajuda humanitária na Ucrânia. À medida que o apoio ocidental começa a diminuir, especialmente nos Estados Unidos, com o bloqueio no Congresso de um novo pacote de ajuda majoritariamente militar de US$ 60 bilhões para Kiev, a sombra da eleição presidencial americana paira sobre os agentes humanitários.

O candidato republicano Donald Trump se opõe ferozmente à ajuda à Ucrânia e pode decidir se for eleito reduzir seu apoio ao país, o que teria impacto no conflito e, portanto, no trabalho das organizações humanitárias. Conhecido durante seu mandato anterior por seu desprezo pela cooperação multilateral, ele também poderia tentar cortar a contribuição dos Estados Unidos, que é o maior país doador, para o sistema humanitário da ONU.

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“Com ou sem eleição, já estamos preocupados que não vamos conseguir financiamento suficiente”, disse Hilding, que não comenta a política dos Estados. “Só espero que, não importa quem esteja no poder em todo o mundo, a humanidade se manifeste por meio do financiamento de operações humanitárias”, acrescenta.

À medida que as crises em todo o mundo, como as guerras em Gaza, Sudão, Iémen, se multiplicam, o fosso entre as necessidades e o financiamento continua a aumentar. Como resultado, muitas emergências encontram-se cronicamente subfinanciadas. A Ucrânia poderia um dia juntar-se às fileiras destas chamadas crises esquecidas? “É muito possível”, responde Karl Blanchet, ainda que sublinhe a vantagem dela estar na Europa e, portanto, próxima dos principais doadores. “A Ucrânia tem uma probabilidade menor de cair no esquecimento. Mas, em algum momento, todo o mundo vai se cansar”, acrescenta o especialista.

Edição: Virginie Mangin

Adaptação: DvSperling

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