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Sem Estados Unidos, negociações nucleares entre Irã e Europa avançam timidamente

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A polícia bloqueia o acesso ao Hotel Intercontinental em Genebra durante uma rodada de negociações nucleares entre os Estados Unidos e o Irã em 2015. KEYSTONE/Laurent Gillieron

Uma semana antes do retorno de Donald Trump à Casa Branca, em um cenário tenso, diplomatas do Irã, França, Reino Unido e Alemanha se reuniram nos arredores de Genebra. O programa nuclear do Irã estava na pauta, mas as chances de progresso nessa questão explosiva permanecem pequenas.

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As conversas – realizadas num local secreto próximo a Genebra – foram descritas como “sérias, francas e construtivas” pelos diplomatas iranianos, franceses, britânicos e alemães presentes. Os representantes desses países já haviam se reunido na Suíça no final de novembro. Na noite do dia 14 de janeiro, o chefe da diplomacia iraniana acrescentou que havia “sentido uma vontade séria” por parte da França, do Reino Unido e da Alemanha de retomar as negociações sobre o programa nuclear do Irã.

Ambas as partes concordaram que a reunião não era uma “negociação”, mas simplesmente uma “consulta”, que tinha como objetivo dar ao Irã e às potências europeias a oportunidade de discutir uma série de questões, incluindo a questão do desenvolvimento nuclear do Irã.

Por trás dessa linguagem diplomática, contudo, há uma urgência real. Os países europeus estão cada vez mais preocupados com os avanços do programa nuclear do Irã. De acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o órgão de vigilância nuclear da ONU, o Irã agora é capaz de enriquecer urânio com 60% de pureza, próximo aos 90% necessários para produzir armas nucleares. A França, o Reino Unido e a Alemanha pediram às autoridades iranianas que pusessem fim à sua “escalada nuclear”, mas o Irã defende que tem o direito de desenvolver energia nuclear para fins civis.

Ao mesmo tempo, o Irã está sofrendo cada vez mais pressão interna e externa. Além de estar enfrentando uma grave crise econômica, o país foi enfraquecido pelos ataques militares realizados por Israel contra seus “representantes” na região – como o Hezbollah e o Hamas – e pela queda do regime de seu aliado Bashar al-Assad na Síria. Diante desse cenário difícil, o Irã busca afrouxar as sanções internacionais contra o país.

Essa urgência é intensificada pelos prazos iminentes. Em outubro de 2025, importantes disposições do Plano de Ação Integral Conjunto (JCPOA) de 2015, um acordo nuclear com o Irã, devem expirar. Em particular, o mecanismo de “snapback” não estará mais disponível para as potências europeias após essa data. Esse mecanismo permite que a França, o Reino Unido ou a Alemanha restabeleçam unilateralmente as sanções da ONU contra o Irã.

As relações entre o Irã e as nações europeias, historicamente melhores do que seus laços com os Estados Unidos, que estão rompidos há 45 anos, têm se deteriorado nos últimos anos. Isso se deve majoritariamente a dois fatores: o fornecimento de drones, por parte do Irã, para serem utilizados pela Rússia na guerra na Ucrânia e a repressão do governo iraniano aos protestos que sucederam a morte de Mahsa Amini, uma mulher de 22 anos que morreu sob custódia das autoridades após ser presa por supostamente usar um hijab “inadequadamente”.

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Sem a presença dos EUA

Mas qualquer novo acordo inevitavelmente deverá envolver os Estados Unidos, que não estiveram presentes nas discussões em Genebra.

Em 2018, sob a liderança de Donald Trump, o país se retirou do acordo nuclear com o Irã. O republicano há muito tempo já criticava esse tratado – uma das principais vitórias da política externa de seu antecessor, Barack Obama – por considerá-lo injusto. O acordo, também assinado pela França, Reino Unido, Alemanha, China e Rússia, impõe limites ao desenvolvimento nuclear do Irã em troca da suspensão de sanções internacionais contra o país. No entanto, após a saída dos Estados Unidos e o restabelecimento de sanções, o Irã começou a abandonar os limites que haviam sido acordados.

“Hoje, todos sabem que o acordo está obsoleto”, diz David Rigoulet-Roze, pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS), com sede em Paris. “Ele está obsoleto porque, desde sua assinatura, Teerã realizou avanços exponenciais no enriquecimento e armazenamento de urânio. Avanços que não se alinham mais com um programa civil, de acordo com a AIEA. É difícil ver como o Irã, cada vez mais nacionalista, poderia cumprir o acordo”.

O pesquisador acrescenta que a possível obtenção de uma arma nuclear pelo Irã não depende mais de “questões técnicas, mas de decisões políticas”. Segundo ele, a posição enfraquecida do Irã pode levar o país a desenvolver um sistema de dissuasão nuclear, ou seja, armas nucleares.

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Importantes obstáculos às negociações futuras

Desde que assumiu o cargo em agosto passado, o novo presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, expressou várias vezes o desejo de retomar as negociações com parceiros internacionais.

“O presidente e sua equipe de relações exteriores preferem concluir um acordo com o novo governo dos EUA. Isso pode ou não incluir as potências europeias”, diz Farzan Sabet, especialista em segurança do Oriente Médio no Instituto de Pós-Graduação de Genebra. “O governo iraniano quer afrouxar as sanções e reduzir as tensões com Washington para evitar entrar num confronto militar com os Estados Unidos e ser colocado numa posição em que precise desenvolver armas nucleares”, acrescenta.

O problema, explica o especialista, é que o presidente não é o único responsável por tomar decisões sobre a questão nuclear. Ele depende do posicionamento de outros atores mais poderosos dentro do regime iraniano, particularmente o líder supremo e a Guarda Revolucionária.

“É difícil saber o que mudou no Irã a respeito da questão nuclear e de outros pontos importantes, e até mesmo se realmente houve alguma mudança. Especialmente tendo em vista os acontecimentos recentes que levaram à erosão de sua segurança e influência”, diz Sabet.

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Incerteza frente ao retorno de Trump

O retorno de Donald Trump à Casa Branca, que ocorreu em 20 de janeiro, também traz mais incerteza. O republicano adota uma linha dura em relação ao Irã e, em sua nova administração, cercou-se de figuras que compartilham essa abordagem. Mas Donald Trump também se vê como um bom negociador e poderia ficar tentado a agir sozinho e negociar diretamente com Teerã, como fez quando visitou a Coreia do Norte durante seu primeiro mandato.

Rigoulet-Roze reconhece que Trump poderia iniciar negociações e deixar os europeus de lado, mas destaca que ele corre o risco de enfrentar um dilema. Trump quer ser visto como um firme aliado de Israel, possivelmente apoiando os ataques israelenses às instalações nucleares iranianas, ao mesmo tempo que se apresenta como um defensor da paz.

“O que é certo é que, se Donald Trump quiser um acordo, esse acordo será ainda mais restritivo para o Irã do que o JCPOA. E o problema é que Teerã não o aceitará”, diz Rigoulet-Roze.

Embora as perspectivas de outra reunião entre as potências europeias e o Irã pareçam favoráveis, nenhuma data ou local foi confirmado.

Edição: Virginie Mangin/fh
(Adaptação: Clarice Dominguez)

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