“Última bruxa da Europa” é reabilitada
O Parlamento do cantão (estado) de Glarus, no centro da Suíça, inocentou Anna Göldi e classificou de "assassinato judicial" o processo que levou à decapitação da suposta "última bruxa da Europa" há 226 anos.
A decisão do governo foi aprovada por unanimidade e sem discussão pelo Parlamento, nesta quarta-feira (27/08). Anna Göldi foi inocentada da acusação de envenenamento de um menor, feita no processo diante do Conselho da Igreja Protestante, em 1782.
Göldi foi a última pessoa executada na Europa por bruxaria. O caso aconteceu no vilarejo de Mollis em 1782 e ilustra o fanatismo religioso, a superstição e o abuso de poder que vigoravam na época de seu julgamento.
A Fundação Anna-Göldi, criada em 2007, saudou a sua “absolvição”. “Göldi recupera a honra que havia perdido pelas graves acusações e pela pena de morte”, disse Walter Hauser, jornalista e autor do mais novo livro sobre Göldi.
Segundo Hauser, é a primeira vez na Europa que uma assim chamada bruxa foi reabilitada por um Parlamento. Esse passo também tem um significado atual. Ele é um incentivo para lutar pela dignidade e pelos direitos humanos, afirmou.
Livro decisivo
O destino de Anna Göldi voltou à atualidade depois que o jornalista Walter Hauser publicou, no ano passado, um livro com novos elementos sobre a influência excessiva que o patrão da acusada exerceu sobre as autoridades locais.
Hauser explicou à swissinfo a razão de seu interesse pelo assunto. “Em primeiro lugar, sou do cantão de Glarus (Suíça Central), é minha terra e também sou advogado. Pode-se dizer que eu era predestinado a escrever sobre isso.”
O reconhecimento de que Anna Göldi foi vítima de um erro judicial provocou um amplo debate em que as igrejas Católica e Reformada foram consultadas.
Esta não é a primeira vez que o caso é abordado. No ano passado, o governo cantonal (estadual) e o Conselho da Igreja Protestante recusaram um pedido de reabilitação da vítima.
As autoridades mudaram de opinião depois que o Parlamento cantonal reabriu o caso, forçando o Executivo a limpar o nome de Anna Göldi.
“Estou muito satisfeito que o governo de Glarus tenha mudado de opinião, reconhecendo a inocência de Anna Göldi, vítima de um escandaloso erro judicial”, afirma Hauser.
“Um feitiço”
Göldi, de 48 anos, era empregada doméstica do outrora distinto cidadão Johann Jacob Tschudi. Ela foi acusada de enfeitiçar uma filha de Tschudi de oito anos, provocando convulsões na menina.
O médico e juiz Jakob Tschudi, ao que tudo indica, teve relações sexuais com Anna Göldi e sua reputação no vilarejo seria seriamente abalada se o adultério se tornasse público.
Antes de trabalhar na casa de Tschudi, Anna levava uma vida miserável. Nascida em uma família muito pobre, trabalhou como criada desde muito jovem. Ficou grávida solteira e foi desprezada quando descobriram que o bebê estava morto.
Três anos depois, engravidou novamente e teve um menino cujo destino é desconhecido. Anna mudou de emprego várias vezes até chegar à casa de Tschudi, onde trabalhou seis anos. Foi então demitida e acusada de responsável pela doença de uma das crianças da família.
O julgamento e a decapitação de Göldi ocorreram em 1782, quando esse tipo de processo já havia desaparecido na Europa. A última mulher executada por bruxaria antes de Ana Göldi fora julgada em 1738 na Alemanha.
Julgamento ilegal
Uma declaração da administração de Glarus publicada este mês indica que o Conselho da Igreja Reformada, que julgou Anna Göldi, não tinha autoridade legal alguma e decidiu antecipadamente que a mulher era culpada. Além disso, atesta que Göldi foi executada quando a lei não impunha a pena capital por envenenamento não letal.
“Este é o reconhecimento de que o veredicto foi pronunciado em julgamento ilegal e que Anna Göldi foi vítima de um assassinato judicial”, afirma o documento.
“A revisão deve ser mais que uma simples confirmação de sua inocência”, continua o texto. “Isso deve deixar bem claro que se tratou de um ato estatal incompreensível e injusto, uma injustiça grosseira que provocou um veredicto falso.”
No entanto, as autoridades de Glarus advertem que a revisão do caso Anna Göldi não pode dar a impressão de que a geração atual assume a responsabilidade pelo passado de seus antigos habitantes.
swissinfo, Glare O’Dea
A perseguição por bruxaria não é exclusiva da Idade Média. Continuou em épocas muito mais recentes.
Mesmo amplamente considerada como uma forma de heresia, a bruxaria só passou a ser considera crime depois de 1500. O período mais repressivo foi o século XVII.
As igrejas Protestante e Católica perseguiram as “bruxas” com fanatismo idêntico, estimulado provavelmente pela Reforma.
As vítimas desses julgamentos – dezenas de milhares – eram, sobretudo, mulheres. Estima-se que 20% eram homens.
Em Mollis, cantão de Glarus, foi inaugurado em setembro de 2007 o museu Göldi, 225 anos depois de sua morte.
Há uma certa confusão acerca do sobrenome correto de Anna.
O nome Anna Göldin tornou-se popular com a publicação de um livro de Eveline Hasler.
Essa denominação seguiu a velha prática de feminizar os sobrenomes das mulheres (sr. Blumer, senhora Blumerin).
No entanto, como consta em sua certidão de nascimento, a grafia correta é Anna Göldi.
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