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“Cansei de ser terapeuta, agora sou analista”

Henryk Broder fez questão de colocar os óculos escuros para tirar a foto. swissinfo.ch

Polêmico, afiado na palavra, processado pelos inimigos e premiado pelos admiradores: Henryk M. Broder é um dos judeus mais conhecidos na Alemanha. Como escritor, jornalista, editor e autor de colunas em revistas prestigiadas na Alemanha e na Suíça, como "Der Spiegel" e "Weltwoche", ele é um crítico feroz do Islamismo e defensor ardente de Israel.

Em entrevista à swissinfo, Broder fala sobre a fraqueza da Europa, a guerra de culturas e os 60 anos de Israel.

O jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” o intitulou em editorial de “A má consciência da Alemanha”. Aos 62 anos, o jornalista alemão-judeu já não se incomoda com as críticas que recebe pelos textos publicados. “Cansei de ser terapeuta, agora sou analista”, disse durante a entrevista dada para o repórter da swissinfo em Zurique.

Publicamente você defendeu a guerra do Iraque. Não existe uma hipocrisia no argumento dos EUA de justificar o conflito pela introdução de democracia no país e ignorar, ao mesmo tempo, a situação política em países aliados como a Arábia Saudita, Egito ou Jordânia?

H.M.B.: Concordo. Hoje eu penso de forma diferente sobre a questão. Na época, eu apoiei a invasão do Iraque por uma razão: para mim era indiferente se havia ou não armas de destruição em massa; Saddam Hussein era uma arma de destruição em massa. Eu não tenho grande consideração pela soberania dos Estados. Ela não é um valor que necessita ser defendido. Por isso, estava totalmente de acordo com a guerra e sua justificativa, que era tirar Saddam do poder. Porém, se você diz que existem outros países vilões, estou totalmente de acordo. Mas é preciso começar de algum lugar.

Então você continua achando que a guerra é justificável?

H.M.B.: Sim, o Iraque era o maior vilão de todos. Porém, talvez tenha sido a guerra incorreta. Talvez os americanos pudessem ter começado ela no Irã, penso hoje em dia. Depois que um casamento fracassa é que sabemos o que estava errado; antes não. Se você tem vários casos emergenciais, o médico no local é que decidirá quem será tratado em primeiro lugar.

Mas o conflito não terminou tendo por conseqüência tornar o Iraque foco de um perigo ainda maior?

H.M.B.: Não sei. Tenho colegas que estiveram no Iraque e que acham que a situação melhorou. Também já encontrei iraquianos que dizem a mesma coisa, apesar do terror. Talvez essa situação seja apenas temporária. Porém, hoje eu penso de forma diferente. De fato, acho insuportável que os americanos cooperem com os sauditas que, por seu lado, apóiam vários grupos de terror.

É sabido que a Arábia Saudita e os EUA apoiaram maciçamente grupos islâmicos radicais, como os mujahedin, no Afeganistão, durante a invasão soviética nos anos 80. O Talibã é originário de um desses grupos.

H.M.B.: Isso acontece. Os americanos também cooperaram com Stalin por um tempo, tendo depois entrado em conflito com ele. Às vezes, é necessária uma aliança tática com os chamados “países vilões”. Mas eu concordo com você: de fato, é um erro defender a democracia e, ao mesmo tempo, fazer negócio com os sauditas. Agora eu sou ainda mais radical: hoje eu penso que devemos sair completamente do Afeganistão, do Iraque, construir um grande muro em volta dessa região, voltando apenas em cinqüenta anos para ver o que sobrou deles. Eu não apóio mais o envio de jovens alemães, americanos, italianos ou quem quer que seja, para sacrificá-los na introdução da democracia no Iraque. Para isso existe a Liga dos Países Árabes, a Organização da Conferência Islâmica e vários outros aparatos. Eles devem resolver entre si esse problema.

Como judeu, o que você sente no momento que Israel comemora 60 anos de existência?

H.M.B.: Esse é o único fato positivo nos últimos dois mil anos da história dos judeus: a criação do Estado de Israel e que esse país até hoje exista e sob essas condições. Eu não acredito em milagres nem em Deus, mas Israel é um milagre.

Mas partindo do princípio de que Israel foi criado com base no sionismo e que este é uma forma de nacionalismo, você não vê problemas nas bases fundamentais desse Estado? Afinal, o patriotismo já foi razão de muitas guerras no continente europeu?

H.M.B.: Durante dois mil anos, os judeus já fizeram algo de muito bom ao abdicar de ter seu próprio Estado.

Mas o sionismo não surgiu apenas no século 19?

H.M.B.: Não é verdade! A idéia de retorno à Palestina foi sempre rezada no Pessach (n.r: festa judia que celebra e recorda a libertação do povo de Israel do Egito). Antes de existir o sionismo político, sempre existiu a ligação com Sion (n.r: terra bíblica em Israel e que representa para os judeus o sonho de um país livre). Não foram os sionistas que inventaram isso para implantar na alma judia.

Existem outros povos que também nunca tiveram um Estado. Os judeus foram os únicos que conseguiram criá-lo. Os armênios, por exemplo, a mais velha cultura cristã européia, terminaram pagando caro por isso, apesar de os turcos terem dito que foram os armênios que quiseram massacrá-los e não o contrário, como o foi na realidade. Os curdos também nunca conseguiram criar o seu país. Os judeus deram um bom exemplo e sobreviveram por mais de dois mil anos sem Estado.

Também sou contra o nacionalismo, mas antes que os judeus suprimam Israel e abdiquem do nacionalismo, então outras nações devem dar o bom exemplo. Vamos suprimir então França, Suíça, Bulgária, Costa Rica, Brasil ou Itália, então podemos falar sobre supressão do Estado de Israel. Os judeus apenas recuperaram o terreno, o que era fundamental para a sobrevivência da coletividade, através da criação de um escudo nacional de proteção. Eu considero a figura do Estado extremamente negativa, mas ela ainda é indispensável.

Por que membros de uma religião necessitam de um Estado? Pelo menos durante o Império Otomano os judeus não viviam em paz na região?

H.M.B.: Isso é absolutamente falso!

Muitos judeus tiveram um papel importante como conselheiros de sultões.

H.M.B.: Sim, mas também vários judeus foram conselheiros de reis europeus e isso não impediu o acontecimento de todos os pogroms (n.r: massacres genocidas cometidos contra minorias, especialmente judeus). Essa é uma das maiores mentiras e fábulas do mundo árabe. Houve pogroms na Palestina já no início do século passado. Por exemplo, em 1920 – e não se falava ainda de Israel – ocorreu um grande massacre em Hebron contra judeus que eram totalmente assimilados e não se diferenciavam em nada dos árabes, a não ser pela sua forma diferente de rezar. O convívio pacífico é uma mentira histórica. O conflito foi ativado ou reforçado através da criação de Israel.

Uma opinião comum na Palestina e até disseminada pelo presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, é que os palestinos estão pagando pelo erro cometido pelos europeus através do Holocausto.

H.M.B.: Esse é o único argumento dos palestinos que está correto. Sempre existe um abismo entre ter direito e recebê-lo. Os alemães que foram expulsos dos territórios orientais depois da guerra também estão no seu direito quando dizem que não foram responsáveis pelo início do conflito, mas é impossível enviá-los de volta. A Pomerânia oriental não será nunca mais alemã, assim como a Prússia oriental, Breslau ou Königsberg. Existe uma forte polêmica na Alemanha relacionada aos Decretos de Benesch (n.r: decretos do governo da antiga Tcheco-Eslováquia no exílio durante a II. Guerra Mundial e que terminaram por oficializar a expulsão e o confisco de propriedade de 2,9 de alemães que viviam na época no país). Os alemães dos sudetos exigem que seja reconhecida a injustiça cometida contra eles. Eles têm razão, mas suas reivindicações não significam mais nada, pois eles não retornarão ao antigos territórios.

Então você reconhece que foi cometida uma injustiça contra os palestinos?

H.M.B.: Sim, de fato eles têm razão de dizer que estão pagando pelos crimes dos europeus. Se realmente existisse justiça, então o Estado judeu deveria ser implantado, como eu sugeri há algum tempo, em Mecklemburg-Pomerânia Ocidental (n.r: estado alemão localizado ao nordeste do país, na fronteira com a Polônia), pois é praticamente despovoado. Mas também poderia ser Schleswig-Holstein (norte) ou mesmo a região pré-alpina do Allgäu (sul da Alemanha). Porém, isso não aconteceu, e se você quiser, eu posso explicar por que os palestinos não receberam, não irão receber e não querem receber o seu Estado.

Essa é uma afirmação um pouco forte, não?

H.M.B.: O programa político dos palestinos não está orientado para receber o seu próprio Estado, mas sim em destruir o Estado dos judeus. Essa é a grande diferença! Entre 1948-1949 houve a resolução de partilha das Nações Unidas e que foi refutada pelos países árabes. Na época, os palestinos nem foram perguntados, pois não existiam como entidade política. Houve o Acordo de Camp David de 1978, assinado entre o primeiro-ministro israelense Menachem Begin e o presidente egípcio Anwar El-Sadat com ajuda do presidente americano Jimmy Carter, onde estava prevista a autonomia dos palestinos e que também terminou refutada por eles. Já houve várias tentativas.

Eu posso entender os palestinos. Eles vivem há 60 anos na área de espera, em trânsito, acreditando na promessa, uma mentira, de que irão retornar a um país que não existe mais. Eu me lembro de uns filmes românticos, onde os palestinos aparecem mostrando a chave dos antigos lares. Porém, é possível que onde estava um desses lares, esteja hoje a Universidade de Haifa.

Eu reconheço a injustiça e sei que 800 mil palestinos foram expulsos deliberadamente. Eu digo expulsos – é indiferente se os judeus ajudaram ou não – mas fato é que era guerra e nela não existe a decisão voluntária. Você não precisa bater em alguém. Já é suficiente a pessoa ter medo de sofrer violência para que parta.

O reconhecimento da injustiça sofrida pelos palestinos muda a sua situação?

H.M.B.: A questão é que durante a guerra também foram expulsos entre 800 mil e um milhão de judeus árabes de países como o Iêmen, Iraque, Irã, Marrocos ou Egito. Todas essas pessoas foram recebidas em Israel.

Ainda existem judeus em países islâmicos como a Turquia ou mesmo o Irã, onde vivem 20 mil.

H.M.B.: Mas você sabe quantos viviam lá antes da guerra? Cem mil! A maioria saiu. Os poucos que ficaram são utilizados nesses países como penhor ou marionetes. Eles têm de dizer que estão sendo bem tratados assim como diziam os judeus que viviam na União Soviética. Você acha que 800 mil judeus árabes, os que imigraram para Israel, deveriam agora que voltar para o local de onde vieram em um acordo de transferência de povos?

Você defende então que a História consolida fatos?

H.M.B.: Sim, exatamente. Existe algum conflito que já foi resolvido pelo retorno ao “status quo”? Isso não ocorreu na ex-Iugoslávia, entre o Paquistão e a Índia, entre a Alemanha e a Polônia. O conflito da Palestina é o único do mundo onde a solução estaria no retorno ao “status quo”. Porém, isso não tem importância. Se você liga para uma empresa pedindo informação e tem de esperar alguns minutos na linha, então diz “fuck you” e desliga. Se você espera 20 minutos, então não desliga, pois já esperou demais. Eles não podem dizer depois de 60 anos que cometeram um erro.

A causa do conflito entre israelenses e palestinos seria essa recusa de aceitar a realidade?

H.M.B.: Os palestinos não podem aceitar. Depois que alguém passou 60 anos na miséria não pode aceitar a realidade. Ele estaria traindo os seus próprios princípios. Por isso, é que nenhum líder árabe tem coragem de dizer “It’s over baby. You are not getting home” (n.r: acabou, você não está voltando para casa).

Então qual seria a solução do conflito?

H.M.B.: Se eu tivesse de apresentar soluções, teria me tornado político.

A proposta de criar um Estado para duas nações em Israel têm viabilidade em sua opinião?

H.M.B.: Não. Isso é apenas uma metáfora eufemística para o extermínio de Israel. Os tchecos se separaram dos eslovacos. A ex-Iugoslávia foi dividida em seis Estados. E depois da experiência, deixar que judeus e árabes vivam no mesmo país é receita para o desastre. Para mim isso seria o holocausto político.

Qual seria o problema para judeus secularizados de viver em um Estado laico com cristãos e outras religiões?

H.M.B.: Mas isso já ocorre. Vinte por cento da população de Israel são de não judeus. Existe um país na Europa onde 20% dos habitantes são não cristãos?

Israel deixaria de existir se não for mais um Estado judeu?

H.M.B.: Então não existiria mais Israel. Ele seria apenas mais um Estado árabe com uma minoria judaica. Mas antes vamos nos exercitar na Europa fazendo com que todos os povos da ex-Iugoslávia vivam juntos, que os bascos desistam de ter o seu próprio Estado ou que o norte e o sul da Irlanda se unam e vivam pacificamente juntos.

Eu não quero mais que os judeus sejam obrigados a dar o bom exemplo. Essa posição sempre nos levou ao desastre. Eu sou a favor de que sejamos os mesmos porcos que os outros. Isso torna a sobrevivência mais fácil.

Na segunda parte da entrevista, Henryk M. Broder fala sobre o fim da Europa, a ascensão da China e da Índia como potências econômicas, o perigo da dominação islâmica e a guerra de culturas. Clique AQUI para ler.

swissinfo, Alexander Thoele

Henryk Marcin Broder nasceu em 20 de agosto de 1946 em Kattowitz, Polônia. Ele é originário de uma família judaica que, em 1958, imigrou através da Áustria para a Alemanha.
O jornalista cresceu em Colônia, onde estudou Economia e Direito. No final dos anos 60, ele iniciou sua carreira de jornalista, tendo trabalhado para publicações como “St. Pauli-Nachrichten”, “Pardon” e “Spontan”
Em 1981, Broder passou um curto período em Israel.
Atualmente ele publica colunas em revistas e jornais alemães e suíços, como “Die Zeit”, “Profil”, Weltwoche” e “Süddeutsche Zeitung”, além de realizar documentários para a TV, matérias para o próprio site na internet e também editar a revista “O Calendário Judeu” (Der Jüdische Kalender). Junto com um grupo de jornalistas, ele criou o “Eixo do Bem” (Die Achse des Guten), cujo blog na internet publica regularmente artigos e comentários sobre temas atuais.
Broder escreveu 19 livros. Os principais temas são a relação entre judeus e alemães, anti-semitismo, anti-sionismo e antiamericanismo na sociedade alemã. Ele é um crítico forte da política européia de tolerância em relação à ditadura, ao terrorismo e ao islamismo. Desde o início o jornalista apoiou a guerra do Iraque e a queda de Saddam Hussein.
Apesar de ter sido premiado várias vezes pelo seu trabalho (Prêmio Schubart de Literatura, de Sátira Política em Klagenfurt, “Goldenen Prometheus, Prêmio Ludwig-Börne em 2007), o jornalista também é fortemente criticado pelas posições que toma. Ele já foi processado várias vezes na Justiça, já tendo sido condenado por calúnia.

A criação do Estado de Israel está fortemente relacionada à Suíça. O primeiro congresso sionista foi realizado em 1897 na Basiléia. Outros 15 congressos subseqüentes também ocorreram na Suíça.

Em 14 de maio de 1948, encerra o mandato britânico para o controle da Palestina. David Ben Gurion, como primeiro-ministro de Israel, lê a declaração de independência do país.

Gurion apoia-se na decisão da ONU que previa dividir a parte ocidental da Palestina em um Estado judeu e outro árabe. Os árabes recusam o plano desde o início. A guerra eclode.

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