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Hans Küng lota auditórios em palestras no Brasil

Hans Küng (à esquerda) e o prof. Cândido Mendes no Rio de Janeiro. swissinfo.ch

Graças ao respeito e à admiração conquistados a partir da publicação de livros como "A Igreja Católica", "Ética global para a política e a economia mundiais" e "Freud e a questão da religião", o suíço Hans Küng é muito querido no Brasil.

Aos 79 anos, considerado um dos maiores teólogos do mundo, ele mais uma vez comprova sua popularidade na viagem de nove dias que faz pelo país, passando pelos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Brasília.

Desde o dia 21, quando chegou ao Brasil, Küng está enchendo todos os auditórios por onde passa para expor suas idéias.

Na quinta-feira (25), cerca de 500 pessoas lotaram o teatro da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, para ouvir num impressionante silêncio e estado de reverência a palestra de mais de duas horas ministrada pelo teólogo suíço.

No Rio, a palestra baseou-se no livro mais recente, “O princípio de todas as coisas”, onde Küng trata das relações entre Deus, fé, a ciência e as religiões.

Após desmistificar a “narrativa simbólica” de Adão e Eva, o suíço discorreu sobre as mais recentes descobertas da ciência acerca das origens da vida e fez um paralelo entre esse conhecimento hoje conquistado pela humanidade e a pertinência da crença em Deus e seu poder criador.

Ciência e fé

Numa apresentação dividida em nove etapas pontuadas por nove perguntas, Küng afirmou que “se a descoberta de moléculas, átomos e quarks não prova a existência de um desígnio criador divino, ela também não prova que esse desígnio não existe”.

O teólogo questionou os cientistas que afirmam que a vida na Terra somente surgiu graças a uma combinação aleatória de fatores: “A matéria, por menor que seja, surgiu como? Será que ela veio do nada? Como o nada pôde produzir alguma coisa? Como as diversas matérias se combinaram de forma a criar as formas elementares de vida, depois os animais e depois o homem? Terá sido tudo isso obra do acaso?”, provocou.

Hans Küng lembrou que os cientistas estimam que o big-bang aconteceu há 13,7 bilhões de anos, e que a espécie humana só surgiu no finzinho desse processo evolutivo: “Por quê essa constância da natureza e essa sintonia fina entre a energia e a matéria até o surgimento da vida humana? Por quê somente nós, os humanos, surgidos no final desse processo evolutivo, temos a capacidade de compreendê-lo? Talvez seja porque toda essa evolução de 13,7 bilhões de anos foi feita por nossa causa, para que nós estivéssemos aqui”, disse.

O suíço citou outras provas de que “o universo conspira a favor da humanidade” e permite a continuidade da vida: “Estamos exatamente no lugar certo. Vênus é muito quente, Marte é gélido, a Terra tem a distância necessária do Sol para que exista a vida. A Lua evita que a Terra aumente sua velocidade de rotação, o gigantesco Júpiter impede que a maioria das rochas que vagam pelo espaço nos atinjam. Acredito que tudo foi feito para que possamos estar aqui”, disse.

A força da fé

“Os biólogos falam nas leis da ciência e alguns já se perguntam se não existe uma meta-lei, uma espécie de força maior que rege essas leis naturais”, disse Küng, mais inquietante do que nunca, para acrescentar: “A ciência e a religião têm cada uma sua autonomia. Se conjugarmos as percepções da ciência com as percepções da religião, teremos uma visão holística da origem da vida”.

Küng concluiu que a não comprovação da existência de Deus pela ciência faz parte da experiência da fé, que deve ser vivida pelo ser humano: “A fé é a convicção, a crença nas coisas não vistas, e é um dos caminhos para se chegar a Deus. Vivendo com fé, não terei perdido nada. Tive e terei, com certeza, uma vida mais plena do que teria vivido se não tivesse a esperança da existência de Deus”, disse.

O teólogo suíço falou também na expectativa de vida após a morte: “Não acredito que Jesus morreu para ir para o nada. Nós não morremos para ir para o nada, acredito que morremos para reaparecer em outra dimensão, na dimensão do infinito, de Deus. A morte é um adeus para dentro. Vejo a morte como um encontro com a luz”, disse.

Teologia da Libertação

Excluído da Igreja Católica devido às suas posições progressistas e críticas em relação a temas como o celibato obrigatório e a infalibilidade do papa, Hans Küng falou sobre a Teologia da Libertação, corrente também perseguida pelo Vaticano, em especial na América do Sul.

“É importante o papel da Teologia da Libertação. Não podemos aceitar a repressão dentro da Igreja, nem uma regressão a um estado de obediência infantil aos velhos dogmas. A lei opressora do celibato já nos fez perder muitos sacerdotes”, disse.

Durante o evento, foi lida uma carta de Leonardo Boff, maior expoente brasileiro da Teologia da Libertação e velho amigo de Küng, que não pôde estar presente: “Manifesto todo o meu apoio à tua luta pela verdade, transparência e evangelicidade da Igreja”, disse Boff, que se referiu ao suíço como “companheiro de atribulações”.

Küng foi ladeado em sua palestra pelo reitor da Universidade Cândido Mendes, o próprio professor Cândido, que fez questão de declarar publicamente sua admiração por “este suíço de boa cepa” e convidou o teólogo a voltar ao Rio ainda este ano: “Nós, católicos e cristãos em geral, devemos a Küng nossa capacidade de permanecer alertas”, disse Cândido Mendes.

swissinfo, Maurício Thuswohl, Rio de Janeiro

Desde que saiu da Igreja Católica, Hans Küng dedicou parte de seu trabalho teológico à busca do ecumenismo e do diálogo com outras crenças e religiões.

O suíço elaborou as bases do discurso por uma ética global e, nas últimas décadas, travou um sem-número de contatos com representantes das seis maiores religiões do mundo (cristianismo, islamismo, judaísmo, budismo, confucionismo e hinduísmo).

Todas essas religiões, afirma o suíço, têm uma base comum: “Quinhentos anos antes de Cristo, Confúcio já dizia que não devemos fazer aos outros aquilo que não gostaríamos que fizessem a nós mesmos. O ser humano deve ser tratado de forma humana, isso é uma aspiração de todas as religiões”, diz.

Ele cita quatro “mandamentos consensuais” entre as maiores religiões: “Não matar, não roubar e não mentir, além de respeitar a mulher e não viver a sexualidade de maneira exagerada”.

Para as gargalhadas da platéia, Küng acrescentou: “Não se deve roubar, mesmo se você for o Banco Mundial. Nem mentir, mesmo se você for o presidente dos Estados Unidos”.

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