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Natal comemorado por mais de um bilhão de cristãos

Decoração natalina em shopping de Friburgo. swissinfo.ch

Com todo um folclore comercial em torno do Natal, quase se esquece que a festa mais vistosa do cristianismo evoca o nascimento do Salvador.

A enorme carga simbólica da comemoração não esconde, porém, origens pagãs em que está calcada.

Os primeiros cristãos celebravam Natal na Epifania (apresentação de Jesus menino aos reis magos), como ainda o faz boa parte dos ortodoxos. A transferência para 25 de dezembro aconteceu no século IV, na época de Constantino, imperador romano convertido ao cristianismo que impôs a nova crença como religião oficial.

O objetivo da mudança era fazer coincidir o nascimento de Cristo com o solstício de inverno, erradamente fixado em 25 de dezembro. (O dia mais curto do ano, no hemisfério norte é dia 21 O erro ocorreu quando se passou ao calendário juliano, no império de Júlio César, em 45 a.C. Esse calendário solar – e não lunar, como o precedente – seria substituído em 1582 pelo calendário gregoriano).

Cristo no lugar de Mitra

No solstício de inverno realizavam-se, na Roma Antiga, de 17 a 24 de dezembro, as Saturnais (em referência ao deus Saturno), festa em que se cometiam muitos excessos. Festas semelhantes eram celebradas em nações do norte da Europa.

A mudança de data para a comemoração do nascimento de Jesus tem motivo adicional: dia 25 de dezembro celebrava-se o culto de Mitra (deus do Sol, importado da Pérsia) que havia florescido especialmente no Império Romano, nos primeiros séculos.

E se era celebrado o solstício do inverno, ou seja, no período em que a escuridão ganhava da luz, pois o dia era mais curto, o período coincidia também com a promessa de dias melhores, menos frios, mais luminosos, mais quentes com a volta do Sol, sem o qual a vida na Terra é impossível.

A festa cristã se encaixava perfeitamente para comemoração do nascimento d’Aquele que se apresentava como “o caminho, a verdade e a vida”, o próprio Cristo. Natal, ou seja, “dia do nascimento do Senhor” visaria então descartar festas pagãs celebradas na noite de 24 para 25 de dezembro.

Presépio italiano

Já o presépio e o pinheiro são muito mais recentes e não teriam tomado nada emprestado de outros cultos.

As representações do estábulo em Belém e das cenas relativas ao nascimento de Cristo. O evangelho de São Lucas (cap.2) assinala que o menino Jesus foi depositado numa manjedoura do estábulo onde Maria e José encontraram refúgio na cidade. Por extensão, o presépio foi aplicado a todo o estábulo.

Na Itália, no século XV, havia o costume de reproduzir nas igrejas, no período do Natal, um estábulo com Maria, José, o menino Jesus e os pastores com os carneiros, com base na narração de Lucas.

Os presépios nas casas de família só apareceriam dois séculos mais tarde, também na Itália.

Origem longínqua

Os reis magos eram acrescentados na festa da Epifania, dia 6 de janeiro. Já as figuras do asno e do boi, elas derivam de um evangelho apócrifo, o chamado pseudo-Mateus e foram englobadas nessa tradição católica.

A origem dos presépios de hoje vão mais longe: remontam aos séculos X e XI, quando figuras eram representadas em paisagem artificial nos espetáculos religiosos na França, Germânia e Inglaterra.

Segundo a tradição, um presépio como representação do estábulo da natividade em Belém, foi montado por São Francisco de Assis para a celebração da missa de Natal de 1223. Era um quadro vivo ao ar livre na floresta de Greccio, na província italiana de Lazio, reunindo pastores da região e alguns animais. Não se incluíam as figuras de Maria, José e nem mesmo o Menino Jesus, pois São Francisco não tinha dúvida de que Cristo estivesse presente na Eucaristia.

O pinheiro é mais recente

Resta que o presépio – que o Papa João Paulo II descreveu dia 19 deste mês como “o símbolo mais significativo do Natal” – era visto com maus olhos no século XVI pelos protestantes por considerá-lo muito profano. Preferiam o pinheiro (pinus sylvestris) que o mesmo Papa descreve como “símbolo da vida eterna”.

Quanto ao pinheiro avança-se uma data e lugar precisos para seu aparecimento, o ano de 1521, na Alsácia. Ele simbolizava a árvore do Paraíso.

Na região, no século XVI, erigia-se um pinheiro na praça central da cidade e as pessoas dançavam em volta da árvore, decorada de maçãs. É aos poucos que ele entraria nas casas de família.

Note-se ainda que a estrela que brilha, seja acima do presépio seja na ponta do pinheiro, lembra a estrela, que, como conta o Evangelho, teria guiado os reis magos na viagem que empreenderam para homenagear o recém-nascido em Belém.

Laicização

Hoje, a julgar pela maneira que a maioria das pessoas na Europa Ocidental em particular comemora o Natal vale indagar o que todos esses símbolos representam. A festa proporciona ocasião de solidariedade, mas é antes de mais nada oportunidade para desenfreada compra de presentes e, principalmente, oportunidade de comer bem, beber bem e viver bem.

Nesses países cristãos, as autoridades eclesiásticas parecem consternadas diante da laicização da sociedade e não encontraram meios de atrair as pessoas às práticas religiosas.

Estatísticas suíças baseadas em recenseamento, publicadas ainda esta semana, revelam que no país, por exemplo, em 30 anos (de 1970 a 2000), os cristãos – católicos e protestantes – passaram de 95% a 75% da população. Já os muçulmanos, em dez anos (de 1900 a 2000) duplicaram, saltando de 2,2 a 4,3%.

Diante de uma realidade cultural diferente, diante de pessoas que não parecem viver no mesmo século, as Igrejas não sabem muito bem como agir ou reagir. Chegam ao ponto de esconder um pouco manifestações evidentes da própria identidade para não melindrar ou chocar outras sensibilidades religiosas.

E o espírito de Natal

Esse recuo identitário tem pelo menos o mérito de provocar debate. Se religião se revela fator de divisão (basta ver o número de guerras em nome da religião), a espiritualidade é apontada por especialistas como uma necessidade constante.

Resultado: muitos cristãos vão buscar em outras fontes essa sede de espiritual. Haja vista a evidente progressão das igrejas ou seitas que oferecem alternativa às igrejas tradicionais.

Vale, então, a pergunta: que resta do significado religioso do Natal? Está aí mais um assunto de debate. Enquanto isso, essa festa tem um charme muito particular que encanta crianças e adultos, desperta rasgos de solidariedade. E, pelo menos na Europa, é anúncio de dias melhores, prenúncio de primavera, de renascimento da natureza…

Já é alguma coisa.

swissinfo, J.Gabriel Barbosa

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