Nema – uma máquina de encriptação suíça
Durante a II Guerra Mundial, a Suíça desenvolveu uma máquina de criptografia mais poderosa que a Enigma: a Nema.
Este artigo foi extraído do blog do Museu Nacional Suíço e publicado originalmenteLink externo em 4 de janeiro de 2024.
Antes da II Guerra Mundial, a Suíça não dispunha de saberes específicos no campo da criptografia, ou seja, da tecnologia de codificação. Mesmo assim, um grupo de matemáticos e engenheiros começou a desenvolver sua própria máquina de encriptação em meio à Guerra. Ela recebeu o nome de Nema – abreviatura de “New Machine” (nova máquina). Entregue às tropas em 1948, a Nema permaneceu em funcionamento até a década de 1970. Apenas em 1992, foi liberada do sigilo; e, em 1994, vendida a quem se interessou pela bagatela de 50 francos suíços.
Para entender a invenção da Nema, precisamos voltar um pouco no tempo: durante a II Guerra Mundial, o Exércidto suíço usavam, de fato, a Enigma, máquina cifrante alemã. No entanto, tratava-se de uma versão especial: o modelo K, que remetia a kommerziell, ou seja, comercial. Essa máquina não tinha, contudo, o que se chamava de “painel de plugues” na parte frontal. Um dos especialistas envolvidos na época, Paul Glur, relatou em 2001, quando já estava bem idoso: “Depois da I Guerra Mundial, deixaram o campo da criptografia adormecer”. Só pouco antes da Segunda Guerra é que surgiu um alvoroço para a aquisição de equipamentos próprios compatíveis com a época. Em 1938, a Suíça recebeu o primeiro lote de 238 Enigmas. Um pedido posterior acabou não sendo entregue.
Veja aqui uma demonstração da operação da Enigma (Youtube)
Logo no início da Guerra, o serviço suíço de inteligência recebeu alertas de que as transmissões de rádio do país estavam sendo decodificadas. A culpa era do manuseio antirregulamentar. Além disso, a fiação dos rotores em algumas das máquinas não havia sido trocada. Dessa forma, era fácil para a Alemanha decodificar as mensagens. A princípio, o departamento de tecnologia de guerra das Forças Armadas suíças queria simplesmente imitar a Enigma. No entanto, os três especialistas chamados para executar essa função – Hugo Hadwiger, Heinrich Emil Weber e Paul Glur – reivindicaram o desenvolvimento de uma nova máquina e sua solicitação foi acatada. Hadwiger era, na época, professor de matemática da Universidade de Berna; e Paul Glur um de seus alunos. Heinrich Emil Weber era o chefe do departamento de testes da então PTT, que mais tarde foi dividida em Swiss Post e Swisscom.
Os três percebiam algumas, se não todas, as fragilidades da Enigma: os rolos do rotor eram acionados regularmente e o aparelho tinha apenas três rolos independentes e um refletor. Embora isso possibilitasse um grande número de combinações, elas poderiam ser limitadas com um pouco de conhecimento técnico. Sendo assim, tornava-se viável quebrar o código da máquina.
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Os primeiros protótipos de um aparato para suceder a Enigma foram desenvolvidos durante a Guerra, mas o modelo definitivo só ficou pronto no início de 1945. As especificações eram detalhadas. “A máquina será montada de forma mais robusta que os protótipos, o pressionamento de teclas será mais forte e preciso, os cabos serão mais largos e mais sólidos do que antes”, constava do pedido, que deveria ser executado pela Zellweger AG. Hoje, esse documento está armazenado no Arquivo Federal Suíço.
A empresa de Uster já atuava desde o século 19 no setor de telecomunicações e tecnologia de radiodifusão. A primeira série de máquinas ficou pronta em 1947 e entrou em operação em 1948. As máquinas eram numeradas e embaladas em uma caixa de madeira para transporte, com a abreviação TD (de Tastendrücker-Maschine, ou seja, máquinas de pressionamento de teclas). Ao todo, foram montados 640 aparelhos em três variações: havia uma máquina de treinamento, uma máquina de guerra (chamada K-Mob) e uma máquina especial para comunicação diplomática. A construção dos rotores era o que diferenciava um tipo do outro. Um dos rotores era o refletor. Dessa forma, a Nema podia ser usada tanto para encriptar quanto para decodificar. Isso significava, contudo, que uma letra nunca poderia ser transformada em si mesma. Ou seja, a letra A nunca mais se tornaria outra vez um A. Essa era uma fragilidade grave da Enigma e então também da Nema, algo que, naquela época, ainda não era conhecido. Somente em 1977, com a publicação do livro The Ultra Secret (O Ultrasecreto), é que se tornou público que a Inglaterra e os Aliados haviam decifrado, durante a Segunda Guerra Mundial, até mesmo a mais sofisticada entre as Enigmas – a chamada Marine Enigma.
No que diz respeito à estrutura, a Nema diferia só um pouco da Enigma: ela tinha um teclado, um painel interno com lâmpadas incandescentes, um conjunto de quatro rotores móveis de duas partes e um painel externo para facilitar o uso. Além disso, havia também um refletor, de modo que o usuário podia enxergar as dez rodas. Com número maior de rotores e uma progressão irregular, a Nema era muito mais segura que a Enigma. Para seu manuseio, eram necessárias duas pessoas: uma digitava a mensagem a ser codificada e decodificada; a outra lia o resultado no painel da lâmpada e registrava em um formulário, que era então transmitido por Código Morse. Antes, a máquina precisava ser preparada. Para isso, os rotores tinham que ser instalados. A posição exata de cada rotor era controlada pelo que se chamava de comando de chave. A partir da chave do dia, o operador de rádio tinha que calcular cada chave de mensagem individual. Em suma, um processo penoso, demorado e propenso a erros. A encriptação real acontecia nesses rotores, onde as letras eram trocadas de acordo com um esquema complexo.
Para os padrões vigentes na época, a máquina era considerada segura. Ela foi usada pelo Exército suíço até o final da década de 1950. Em comunicações diplomáticas, continuou em operação por muito mais tempo, até 1976, sendo utilizada principalmente para encriptar mensagens de teor econômico e aquelas relacionadas a serviços encabeçados pela Suíça em prol da paz e da resolução de conflitos.
No final dos anos 1950, chegou ao mercado uma tecnologia mais nova e mais veloz, que funcionava com teleimpressoras criptografadas. O primeiro modelo foi entregue pela empresa Gretag AG, sediada em Regensdorf, a partir de meados da década de 1950, e integrado às tropas em 1958 como KFF-58 – abreviatura de Krypto-Fern-Schreiber, ou seja, máquina teleregistradora criptografada. Ela podia ser manuseada por apenas uma pessoa que soubesse datilografar e era pelo menos dez vezes mais rápida que a antiga Nema. No entanto, o aparelho não era adequado para o serviço diplomático, pois muita gente na central poderia ler os despachos. As máquinas Nema foram ainda usadas pelas Forças Armadas para a rede de rádio para emergências. Entretanto, os operadores de rádio das Forças Armadas não tinham grande apreço por esses aparelhos, que acabaram sendo apelidados de “quebra-dedos”, visto que as teclas tinham que ser pressionadas com bastante força.
Hoje, a Nema é uma peça cobiçada entre colecionadores, vendida por preços que variam de 5 a 10 mil francos suíços. Um desses colecionadores é o engenheiro Walter Schmid, de Zurique Oberland. Na década de 1970, ele trabalhou por um tempo como operador de rádio nas embaixadas da Suíça em Nova Délhi (Índia) e Daca (Bangladesh). Schmid, que passou décadas estudando criptografia e a Nema em especial, reuniu uma extensa documentação sobre o assunto. Atualmente, a Nema pode ser encontrada em coleções de diversos museus na Suíça e no exterior, e simuladores estão disponíveis na internet.
A história da Nema é um testemunho de como o Exército suíço foi capaz de, em caráter de urgência, desenvolver um aparato que satisfazia todas as exigências da época. E seu desenvolvimento contou com um setor bem estabelecido nas áreas de mecânica de precisão e telecomunicações. Porém, a Nema permaneceu um caso isolado e nunca foi oferecida para vendas fora da Suíça – provavelmente por razões de segurança. E o que ninguém na época sabia era que a Inglaterra e os EUA também haviam, antes da Guerra, criado máquinas de rotores – a Typex, na Inglaterra, e a SIGABA, nos EUA – mais seguras que a Enigma.
Adaptação: Soraia Vilela
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Dominik Landwehr pesquisa sobre cultura e mídias e vive em Zurique.
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