Perspectivas suíças em 10 idiomas

Os suíços que inventaram a guitarra elétrica

Guitarra
Basiléia: berço do rock? Ilustração: Marco Heer

No início do século 20, Karl Schneider e Adolph Rickenbacker transformaram um instrumento de cordas comum em uma supermáquina elétrica com uma sonoridade potente adequada para grandes palcos.

Este artigo foi extraído do blog do Museu Nacional Suíço e publicado originalmenteLink externo em 5 de outubro de 2023.

É difícil imaginar a explosão da música pop nos anos 60 sem o som caraterístico da guitarra eléctrica. Como é que as canções dos Led Zeppelin ou dos Rolling Stones teriam soado sem os amplificadores Marshall despejando seus efeitos e nuances? Bob Dylan, cantor folk americano, também não escapou ao fascínio por este novo instrumento. No Festival Folk de Newport, em 1965, ele deixou de lado seu violão e ligou, para grande desgosto dos puristas da música folk, uma Fender Stratocaster. Vaiado e insultado por seus próprios fãs, ele teve de interromper sua apresentação. Mas a partir desse dia, o famoso cantor e compositor voltou-se cada vez mais para o pop e o rock.

Bob Dylan com uma guitarra elétrica: uma atuação que não agradou a todos (Youtube)

Conteúdo externo

A música pop nasceu nos Estados Unidos há cerca de um século. Durante os anos 20Link externo, desenvolvimentos técnicos, como o cinema falado, o toca-discos e o rádio, permitiram a rápida difusão de novas formas de música popular. No cruzamento do jazz “negro” com a variedade “branca”, o swing surgiu na América. Tocado pelas Big Bands, ele partiu para conquistar o mundo inteiro. Ao mesmo tempo, apareceram outros gêneros: música western, country, havaiana etc. Mas os desenvolvimentos técnicos não se limitaram à disseminação da música: elas também afetaram tudo o que se passava no palco.

Considera-se que a guitarra elétrica foi inventada pelo guitarrista texano George Beauchamp, que tentava montar uma guitarra com um som suficientemente alto para se destacar em uma Big Band. Com ajuda de um receptor (microfone) que captava as vibrações das cordas metálicas e as transformava em sinais elétricos, o som, por meio de um amplificador, conseguia atingir o volume desejado. O princípio básico da guitarra elétrica estava estabelecido.

Nos Estados Unidos, o engenheiro Adolph Rickenbacker geralmente recebe o título de “pai da guitarra elétrica”. Suas raízes eram suíças. De acordo com o registro de batismo, Adolf Adam Riggenbacher nasceu na cidade velha de Basileia, na Gemsberg 7, em 1887, no seio de uma família modesta cujo pai era carpinteiro. Em 1891, os pais e seus três filhos emigraram para os Estados Unidos. O jovem Adolph, que agora adotava o nome de Rickenbacker, abriu um negócio em Los Angeles. Em 1931, Rickenbacker lançou no mercado a primeira guitarra elétrica, chamada Frying Pan (frigideira) devido à sua forma. A patente foi pedida em 1932 e finalmente obtida em 1937 para os Estados Unidos. A empresa logo começou a fornecer guitarras com a marca “Rickenbacke” para lojas de música em todo o país. A empresa ainda existe, em Santa Ana, Califórnia. Foi somente a partir de 1936 que a Rickenbacker enfrentou a concorrência da Gibson Guitar Corporation, que lançou uma guitarra elétrica de fabricação industrial.

swissinfo.ch publica regularmente outros artigos do blog do Museu Nacional SuíçoLink externo sobre temas históricos. Esses artigos estão sempre disponíveis em alemão e, geralmente, também em francês e inglês.

Antes da II Guerra Mundial, as primeiras Big Bands de jazz americanas se apresentavam até mesmo em salas de concertos e clubes das metrópoles europeias. Na cidade velha de Basileia, não muito longe do local onde Rickenbacker nasceu, Karl Schneider, um jovem luthier da loja Musikhaus Meinel, teve pela primeira vez em suas mãos uma guitarra elétrica americana. Fascinado pela técnica e pelo som cheio do instrumento, ele começou por conta própria a fazer testes com microfones. A guitarra elétrica não o deixaria mais.

Casal em uma foto antiga
A música dos Estados Unidos fascinava o jovem Karl Schneider e sua esposa, Marie Wenk. Arquivos de Karl Schneider

Os passos iniciais de um luthier

Karl Schneider nasceu em 1905 em Heilbronn. Seu pai era mestre cervejeiro, e a família se mudava constantemente: de Heilbronn para Mulhouse, depois para o Jura suíço, em Porrentruy, antes de regressar à Alemanha, em Oggersheim. As mudanças de moradia e de idiomas prejudicam a educação dos três filhos. Após a morte do pai, em 1918, em decorrência de um acidente de trabalho, a família se muda para Lörrach-Stetten, perto da fronteira com a Suíça. O jovem Karl se interessa por tudo relacionado à tecnologia. Ele quer ser engenheiro, mas sua escolaridade e a situação econômica da família não lhe permitem estudar. Um dos tios de Karl, violoncelista em Berna, percebe o talento do jovem para trabalhar com as mãos: consegue para ele um vaga de aprendiz com o famoso mestre luthier Paul Meinel, em Basileia.

Em 1923, Schneider conclui seu aprendizado e permanece na oficina de seu mestre até a morte deste, em 1928. O genro de Meinel, o comerciante de música Hugo Schmitz, assume a loja localizada na Steinenvorstadt e expande o ateliê de luteria a fim de transformá-lo em uma loja, a Musikhaus Meinel, na qual Schneider passa a ser o único fabricante de instrumentos.

Antiga oficina
Karl Schneider, jovem fabricante de violinos na oficina de Paul Meinel, na Basiléia, por volta de 1928. Arquivos de Karl Schneider

Durante a Grande Depressão dos anos 30, a demanda por instrumentos de cordas friccionadas diminui. Buscando diversificar suas atividades, Karl Schneider começa a fabricar guitarras. Ele concebe modelos de guitarras clássicas, de jazz e havaianas, que são produzidas na Musikhaus Meinel e vendidas sob a marca “Grando” de sua própria autoria.

No final da década de 1930, um guitarrista americano procura ajuda em Basileia para reparar sua guitarra elétrica. Ele encontra a salvação na Musikhaus Meinel. Karl Schneider aproveita o reparo para examinar de perto o instrumento vindo da América, provavelmente uma Gibson ES-155. Pouco tempo depois, as primeiras guitarras elétricas Grando, que a um olhar mais atento apresentam algumas semelhanças com suas equivalentes americanas Gibson, aparecem na vitrine da loja.
Estes modelos Grando de Basileia são considerados as primeiras guitarras elétricas a serem comercializadas na Europa.

Guitarra
Violão elétrico de jazz Grando da década de 1930, fabricado por Karl Schneider. Arquivos de Karl Schneider

Schneider continua a experimentar e, pouco a pouco, a decisão de abrir seu próprio negócio se impõe. Finalmente, em 1945, ele funda sua própria empresa, a Firma K. Schneider Instrumentenbau, em Riehen. Cheio de entusiasmo, o jovem empresário cria toda uma gama de modelos acústicos e elétricos, que ele comercializa sob a nova marca “Rio”. De fato, ele não pode mais utilizar a marca Grando, que pertence ao seu antigo patrão.

Karl Schneider continua a aperfeiçoar seus modelos, introduzindo melhorias técnicas e esforçando-se por obter a melhor qualidade possível. Todas as suas guitarras de jazz têm uma haste metálica no braço, o que lhes permite resistir à tensão das cordas e evita que o braço se curve gradualmente.

Folheto com guitarras
Folheto para violões Rio, 1949. Arquivos de Karl Schneider

O sucesso comercial não tardou a chegar. Os instrumentos eram distribuídos em lojas de música em todo o país e nas regiões próximas aos países vizinhos. Embora no período pós-guerra a venda de instrumentos musicais estivesse sujeita a imposto sobre o luxo, a demanda por guitarras de Riehen aumentou rapidamente. Em 1945, a fim de dispor de espaço suficiente para suas atividades e sua pequena família, foi construído um complexo composto por uma casa e uma oficina nos arredores de Riehen. Em 1947, o primeiro empregado é contratado.

A disseminação da música pop na Europa do pós-guerra contribui para tornar os negócios florescentes. Uma onda de novos estilos vindos dos Estados Unidos, como a música havaiana, country e western, varre o Velho Continente. Basileia assiste à formação de vários grupos de jazz e de música havaiana, cujas guitarras elétricas estridentes são apreciadas em clubes e em eventos públicos. Por exemplo, os Hula-Hawaiians, um grupo de sucesso que tocava em parte com guitarras e ukuleles de Riehen. Até mesmo famosos jazzistas, como Django Reinhardt, pegam ocasionalmente nas guitarras elétricas Rio.

Homem com guitarra
Django Reinhardt no Aquarium Jazz Club em Nova York, por volta de 1946. Wikimedia

Nos anos que se seguiram à criação da empresa, as instalações tiveram que ser ampliadas várias vezes para atender às demandas da atividade, em plena expansão. Na década de 1960, a produção passou para mil instrumentos por ano. A evolução das guitarras Rio segue a dos estilos musicais. Karl Schneider adapta as suas formas e cores às tendências do momento e sabe estar atento aos desejos individuais. Como os dos Minstrels, que gravaram seu hit “Grüezi wohl, Frau Stirnimaa” com instrumentos de Riehen.

Até mesmo os Minstrels só confiavam nos instrumentos de Karl Schneider. (Youtube)

Conteúdo externo

Após a crise do petróleo de 1973, o contexto econômico tornou-se cada vez menos favorável ao fabrico de instrumentos musicais na Suíça. Produtos asiáticos de baixo custo começaram a competir com a produção suíça. O custo das madeiras tropicais utilizadas também aumenta. Apesar de todos os esforços de Schneider para racionalizar a produção recorrendo ao uso de máquinas, as margens de venda começam a diminuir. Em 1982, a empresa deixa de fabricar guitarras em Riehen.

Depois de transferir a empresa para a filha e o genro, Karl Schneider decidiu voltar às origens e fabricar violinos até sua morte, em 1998 – em um ambiente restrito, a pequena oficina situada em sua casa.

swissinfo.ch reproduz regularmente artigos do blog do Museu Nacional SuíçoLink externo sobre temas históricos. Artigos são publicados semanalmente em alemão, francês e inglês.

Adaptação: Karleno Bocarro

Homem com instrumento
Depois de se aposentar, Karl Schneider voltou sua atenção para a fabricação de violinos. Foto tirada em 1977. Arquivos de Karl Schneider

Andrej Abplanalp é historiador e diretor de comunicação do Museu Nacional Suíço.

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR