“Sai satanás”
Missionários evangélicos do Brasil tomam de assalto a Suíça. Suas igrejas já estão espalhadas nas grandes cidades do país, reunindo não apenas imigrantes, mas também muitos helvéticos.
O pastor Renato é deles. Desde quando chegou na Suíça, o carioca já fundou cinco igrejas e é o líder espiritual de uma comunidade de 400 fiéis que não pára de crescer.
A música começa lenta, quase discreta nas mãos do jovem tecladista. As pessoas vão chegando no salão da igreja e ocupando os lugares. Ainda em pé, elas começam a sussurrar as preces em voz baixa.
O tom vai aumentando e os braços se levantam para o alto. Muitos caminham no salão. Outros se sacodem como se estivessem possessos. Em poucos minutos, alguns caem em estado de êxtase. “Jesus, entre em mim, eu preciso de você, você é a minha luz”, grita sem cessar um jovem em dialeto suíço-alemão.
Com os olhos fechados e balançando a cabeça da direita para a esquerda, alguns pensariam que ele sofreu um ataque epilético. “Jesus, Jesus, eu quero estar com você, eu quero estar com você”, ele continua a urrar. Os outros presentes também gesticulam, gritam e choram nos minutos que antecedem a realização do culto.
Visão divina
O grupo é composto por suíços, brasileiros, cubanos, angolanos e até ingleses. Todas as noites de quarta-feira eles se encontram na sede da Comunidade Evangélica Internacional, a igreja criada em agosto de 1997 em Zurique por um pastor brasileiro.
Renato Vasconcelos, mais conhecido como pastor Renato Souza, 48 anos, é um carioca de baixa estatura, olhos vivos e demonstra estar absolutamente convencido da sua missão. Ela foi dada através de um milagre, como ele próprio explica:
– Eu estava pastoreando com membros da nossa comunidade na praia de Copacabana, durante o reveillon de 76 para 77, quando tive uma visão de Deus. Ele me disse que eu deveria vir à Europa.
A prova da experiência divina ele aponta com o dedo: o andar inteiro de um prédio comercial em Altstetten, um subúrbio industrial de Zurique onde vive uma considerável população de estrangeiros.
Nesse espaço está localizada a igreja, cujo grande salão está repleto de cadeiras e aparelhagem eletrônica como amplificadores, televisões e instrumentos de música. Nas outras dependências ela ainda dispõe de cozinha, restaurante, salão de jogos e loja de produtos religiosos.
Brasileiras precisavam um pastor
Antes de chegar em agosto de 1997, Renato já havia passado um período de curta duração em Zurique. Foi quando ele encontrou muitas brasileiras casadas com suíços e que já freqüentavam igrejas evangélicas antes de terem imigrado. Elas sentiam falta de um homem da fé que conseguisse pregar nessas terras frias com o mesmo fervor do que os pastores que freqüentam as praças brasileiras.
O carioca veio para a Europa, trazendo a esposa e os três filhos ainda em idade escolar. No início ele alugava um pequeno salão na Igreja reformada suíça. Apenas algumas dezenas de pessoas participavam do culto, em grande parte brasileiros.
Sete anos depois, o balanço das suas pregações lhe parece favorável: na Suíça quatro igrejas estão em funcionamento – Zurique, Chur, St. Gallen e Berna – e uma em Constância, cidade fronteiriça na Alemanha. No total, 400 fiéis participam regularmente dos cultos, sendo que os brasileiros são apenas a metade do grupo. “Já temos muitos suíços e também representantes das comunidades latinas e africanas”.
Êxtase e milagres
O crescimento vertiginoso da seita pode ser explicado pela empatia: os cultos resumem-se à música e muita emoção. A enxurrada de pregações é traduzida simultaneamente em vários idiomas, já que Renato ainda não aprendeu o alemão. No fundo, a banda “gospel” formada pelos filhos e outros instrumentistas faz o acompanhamento que, de acordo com o fervor das preces, aumenta ou reduz o volume e as batidas.
“Onde está Jesus, não existe a depressão. Onde está Jesus, não existe a morte”, grita o pastor. Os presentes no salão vibram e pegam nas mãos dos vizinhos para formar correntes de oração. Ao mesmo tempo outros escrevem pedidos em pequenos pedaços de papel, para serem energizados posteriormente. “Aqui fazemos milagres para quem quiser”, reforça Renato.
O estilo pouco convencional do culto nessa igreja evangélica não assusta os suíços. A grande parte já freqüentou as religiões estabelecidas como a Católica ou Protestante reformada, mas perdeu a identificação com elas.
– As igrejas tradicionais pararam no tempo. Elas contam a história de Cristo há dois mil anos atrás, enquanto que nós celebramos Jesus de uma maneira mais viva. As pessoas aqui são como uma família para mim – conta Bessie Lehmann, 21 anos e filha de mãe chilena e pai suíço.
A jovem freqüenta a igreja desde a sua fundação, tendo aprendido perfeitamente o português. Seus conhecimentos lingüísticos são usados para traduzir as pregações do pastor Renato nas igrejas espalhadas pela Suíça.
Outro que se sente em casa é Eduardo Ribeiro, 24 anos. O jogador brasileiro, que desde julho de 2001 faz sucesso na Suíça defendendo a camisa do time Grasshopper, de Zurique, vem todas as quartas e domingos acompanhado pela família para participar dos cultos. “Desde que descobri Jesus, mudei meu caráter e encontrei mais paz”, explica Eduardo sua conversão.
Ele foi motivo de polêmica em 2004 quando, ao marcar um gol, tirou a camisa do time para mostrar uma outra por baixo. Ela mostrava em letras garrafais a inscrição “Jesus é meu amor”. O atleta não só levou uma reprimenda do clube, como também da FIFA, que havia proibido em 2003 manifestações religiosas durante jogos oficiais.
Mocidade Dependente de Cristo
Para Renato Souza, essa e outras ações são necessárias para levar sua mensagem aos “incrédulos”. Há dois anos o pastor evangélico leva um bloco de samba para as ruas de Zurique durante a Streetparade, a maior festa de música eletrônica ao ar livre da Suíça. Membros da Mocidade Dependente de Cristo, uma escola de samba evangélica do Rio de Janeiro, vêm especialmente do Brasil com o objetivo de reforçar suas raias.
Na primeira vez, a autodenominada “Jesus-Parade” tinha 100 participantes. Na penúltima vez, o bloco já tinha aumentado para 400. “No ano que vem, quero trazer o dobro”, reforça Renato. Ele também já tentou incluir trios elétricos na festa, mas foi impedido pelos organizadores.
Dízimo
A Comunidade Internacional Evangélica é financiada por doações. Durante os cultos os fiéis fazem fila para colocar o dinheiro na caixinha. O pastor espera que cada membro colabore com pelo menos 10% da sua renda.
Em troca a igreja oferece até milagres e exorcismo. “Aqui nós fazemos a libertação, que pode ser do álcool, do cigarro, da vontade de suicídio e de outros males”, ressalta Renato. “Os demônios se manifestam das mais diferentes formas na nossa vida”.
Durante a entrevista, muitos ligam e pedem sua benção. Trinta pessoas trabalham diretamente para auxiliar o carioca nas atividades da igreja. Perguntado sobre o futuro, Renato não titubeia: – “meu objetivo é como está escrito na Bíblia, ou seja, ide e prega o Evangelho”. Ele está seguro que ainda tem uma grande missão na Suíça.
– Você sabia que o Brasil é o país que atualmente mais envia missionários ao exterior?
swissinfo, Alexander Thoele
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