Ubersitz, a tradição suíça absolutamente única – e ensurdecedora
Ao final de cada ano, os vilarejos ao redor de Meiringen, no Oberland Bernês, fazem suas vozes serem ouvidas. O povo de Haslital, no vale de Hasli, pratica a antiga tradição do “Ubersitz” durante a semana do Ano Novo.
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“Vão embora, espíritos malignos, retornem ao reino dos mortos!” – banimentos como esse são muito comuns na Suíça, sendo tradicionalmente celebrados no solstício de inverno.
Na região de Haslital, as pessoas afugentam os maus espíritos com tambores e sinos gigantes, chamados de Treicheln. O costume conhecido como Ubersitz (não deve ser pronunciado com Ü!) é considerado o festival popular mais importante da região. Na ocasião, os habitantes enfrentam o frio e a fadiga por vários dias e noites.
Embora existam tradições semelhantes, como o Klausjagen ou o Silvesterchlausen, em outras partes da Suíça, a combinação de sinos, tambores, máscaras e a particularidade de cada vilarejo participante fazem do Ubersitz uma tradição única.
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As tradições de fim de ano na Suíça
O Ubersitz ainda está muito vivo e é transmitido de geração em geração. O costume também se tornou uma atração para turistas, e não apenas para aqueles que visitam Haslital para praticar esportes de inverno.
Os desfiles começam no início da última semana do ano, na noite de 25 para 26 de dezembro, e terminam no penúltimo dia útil do ano, que em 2024 foi em 30 de dezembro, com a realização do Ubersitz. Todos os anos, milhares de pessoas lotam as ruas de Meiringen para participar desse grande desfile pelo centro da cidade.
De acordo com várias fontes, esses banimentos de espíritos remontam aos tempos pré-cristãos e se baseiam nas tradições celtas em torno do solstício de inverno (geralmente 21 de dezembro). Mas como são esses desfiles pelos vilarejos da região de Haslital?
Regras rígidas
A tradição é praticada de maneiras muito diferentes. Ela ocorre em sete vilarejos ou distritos: Meiringen, Willigen, Hausen, Isenbolgen, Innertkirchen, Gadmen e Guttannen. Todos eles têm suas próprias formações de desfiles e instrumentos individuais.
Antes de todos se encontrarem para o Ubersitz na cidade principal de Meiringen, eles desfilam ruidosamente em seu próprio vilarejo por vários dias e noites. O foco é a noite. Eles dormem à tarde.
Alguns desfiles de Treicheln (sinos) envolvem mais de 100 pessoas. Jovens e idosos podem participar igualmente. Entretanto, assim como no costume do Chalandamarz nos Grisões, todos devem obedecer a regras rígidas. Quem caminha em qual posição no desfile, quem pode usar qual sino etc.
Nem todos os participantes usam máscara ou fantasia. Algumas pessoas, por exemplo, usam o “Mutz”, o colete tradicional, ou roupas civis. Em quatro vilarejos, incluindo Meiringen, as pessoas se vestem como “Boozeni” – mulheres idosas e bem arrumadas. Em outros, as pessoas se vestem como bruxas.
Cada vilarejo tem seu próprio desfile. Os instrumentos seguem um ritmo rigorosamente prescrito. “Mas esse ritmo não pode ser comparado a uma marcha militar”, diz o site Haslital TourismLink externo, no qual a tradição é descrita em detalhes.
O ritmo força os participantes a andarem num “passo lento e deslizante enquanto a parte superior do corpo balança ritmicamente o sino”, continua o site.
De acordo com os habitantes locais, o Ubersitz também se distingue de outros desfiles tradicionais da Suíça por focar na harmonia musical entre tambores e sinos. Diz-se que eles são precisamente coordenados em cada desfile.
Como é o som no Ubersitz em Meiringen? Veja um vídeo de 2022:
Figuras especiais
O Ubersitz tem algumas figuras estranhas que não estão presentes em outras tradições suíças. Em alguns vilarejos, por exemplo, é a “Huttenwybli” que lidera o desfile de sinos, uma mulher idosa que carrega o marido numa “Hutte” (espécie de cesta carregada nas costas).
No distrito de Isenbolgen, em Meiringen, o “Wurzelmandli” e o “Wurzelfroueli” lideram o desfile. A cada ano, entretanto, também podem ser vistas novas figuras durante o desfile ensurdecedor.
Os espectadores mais atrevidos devem ter cuidado com uma figura no Ubersitz: o particularmente bizarro – e exclusivamente suíço – Schnabelgeiss (bode com bico). Qualquer um que se aventurar muito perto dos músicos será mordido pelo bico de um Schnabelgeiss, que tem chifres de cabra, pode ser branco ou preto e se parece com uma girafa – “ele também pode roubar seu chapéu”, como explica a Haslital Tourism.
Ameaça de processos
Outro aspecto singular da tradição é que ela é acompanhada por um jornal temporário de grande circulação: o Ubersitzler.
“Esse jornal descreve as desventuras engraçadas das pessoas. Os textos são escritos em ‘Haslidiitsch’ [o dialeto local] e são anônimos”, explicou o jornal Frutigländer em 2020Link externo.
O Ubersitzler, que existe desde a virada do século 20, está repleto de rumores, fofocas e insinuações relativas aos últimos 12 meses. Isso ocorre porque o anonimato absoluto dos autores permite que eles escrevam sem piedade sobre tudo e todos em Haslital.
Algumas “partes prejudicadas” já ameaçaram entrar com processos, disse o comitê anônimo ao jornal Jungfrau-HaslerLink externo em 2004. Mas ninguém foi parar no tribunal. Ainda.
Edição: Balz Rigendinger/fh
(Adaptação: Clarice Dominguez)
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