Venda de igrejas aquece mercado imobiliário
Cada vez mais igrejas na Europa são vendidas a outras religiões ou interessados do mercado privado. Também na Suíça a prática está se tornando cada vez mais comum.
Até então as vendas de antigos tempos eram casos isolados. A Igreja Católica e a Protestante têm diferentes regras para o negócio.
“Sejam bem-vindos ao meu lar”. Philippe Saltarski nos saúda com simpatia. Sua casa está localizada em Le Locle, uma pequena localidade nas montanhas do cantão de Neuchâtel (oeste da Suíça). A mudança ocorreu apenas há poucas semanas. Por isso a sala de estar ainda está um pouco vazia.
Uma fila de bancos de madeira espera ser levado ao depósito de lixo. Um antigo órgão foi colocado num canto do salão e ninguém parece ter interesse em utilizá-lo. O sol atravessa as janelas, das quais algumas estão pintadas, e ilumina o ambiente. O visitante até sente um pouco da mística que ainda paira sobre o local.
As características incomuns da casa podem ser facilmente explicadas: até pouco, ela era mais um dos templos da Igreja Nova Apostólica na região. Saltarski, um jovem empresário, a comprou em dezembro de 2006 por 280 mil francos. Os padres da congregação, cujo número de membros passou em poucos anos de 100 para 20, não tinham mais recursos para pagar pela manutenção do templo.
O mesmo destino sofreu em 2006 o templo de St. Leonhard da Igreja Protestante em St. Gallen (leste da Suíça). Um arquiteto a comprou por “apenas” 400 mil francos. Razão: o prédio necessitava de reformas urgentes orçadas em milhões de francos, o que para a pequena congregação ultrapassava diversas vezes o seu orçamento.
Cada vez menos paróquias
A venda de igrejas ocorre atualmente em toda a Europa. Na Inglaterra, Alemanha e na Holanda templos são reformados e transformados em museus, bibliotecas, cinemas e até mesmo discotecas. Algumas das igrejas também terminam sendo utilizadas como mesquitas pela comunidade islâmica crescente.
Na Suíça o fenômeno ainda não havia atingido a mesma proporção dos vizinhos do norte. “Nós tentamos manter as igrejas e suas características, podendo usá-las esporadicamente para atividades como concertos ou exposições”, explica Simon Weber, porta-voz da Congregação de Igrejas Protestantes. “A venda de templos ainda é uma exceção”, reforça Walter Muller, porta-voz da Conferência de Bispos da Suíça.
As declarações não podem, porém, esconder o fato de que as duas religiões perderam um grande número de fiéis nos últimos anos. Em 1970, 95% dos suíços ainda declaravam ser católico ou protestante. Em 2000, esse número passou para 75%. Como no país dos Alpes as igrejas são financiadas pelos próprios membros de cada congregação, a dissociação deles significa automaticamente menos recursos.
“Mais dramático do que a perda de fiéis é somente a falta de vocações, ou seja, não há mais padres”, confessa Muller. “Ou nós precisamos procurar uma nova utilização para a igreja que não é mais ocupada, ou necessitamos vendê-la”. Apesar dessa realizada, o representante dos católicos se apressa em explicar que a venda não ocorre a qualquer preço.
Regras fundamentais
Em julho a Conferência de Bispos da Suíça publicou as normas e recomendações a serem utilizadas no caso da mudança de utilização de um templo da Igreja. Para ela o mais importante é evitar a “banalização” dos lugares que antes haviam sido sagrados.
“Mesmo se igrejas ou capelas deixam de ser lugares de culto, elas permanecer ao olhar da maioria dos fiéis como algo de importância simbólica e litúrgica”, avalia Muller. Por essa razão a Igreja Católica determinou que as construções necessitam ter uma nova utilização, depois da sua venda, que esteja de acordo com os princípios cristãos e éticos.
A primeira prioridade é vender os templos não mais utilizados a outras congregações religiosas. Por exemplo, o mosteiro franciscano de Arth (no cantão de Schwyz, na Suíça central) foi vendido à Igreja Ortodoxa Síria. Caso uma utilização nesse sentido não seja possível, os responsáveis analisam outras formas mais “profanas”.
Porém nesse caso também existem regras estritas a seguir: o respeito pelos princípios cristãos. Exemplos seriam utilizar as igrejas como espaços para atividades sociais ou culturais. “Transformar um templo numa discoteca é para nós algo de incogitável”, declara o porta-voz da Conferência de Bispos.
Também a reutilização dos templos como mesquita está fora de questão para a Igreja Católica. Justificativa: a venda não pode ocorrer para religiões que não sejam cristãs. “Preferimos demolir completamente a construção caso o seu caráter sagrado não possa ser preservado de alguma forma”.
Protestantes mais flexíveis
O problema da reutilização dos templos não existe para os protestantes. “Não precisamos de regulamentos para vender templos que não são mais necessários”, declara o porta-voz da Congregação de Igrejas Protestantes.
Também a Igreja Nova Apostólica de Le Locle não fez exigências especiais a Saltarski. O jovem empresário fala mesmo abertamente sobre suas idéias como reformar o antigo templo para transformá-lo num confortável e espaçoso apartamento, possivelmente até mesmo com um bar próprio.
Curiosamente apenas um banco não se mostrou muito feliz com as idéias de Saltarski. Eles recusaram o crédito para as reformas. A justificativa dada pelo gerente foi mais do que lapidar: “A reforma de uma igreja em uma casa privada é um projeto pouco típico”.
swissinfo, Anna Passera
Segundo o Departamento Federal de Estatísticas, os suíços e sua crença religiosa (dados de 2000):
42% declaram seer católicos (-7% em comparação com 1970)
35% …protestanttes (-12%)
11% …ateístas (+10%)
4,3% …muçulmanos (+ 4%)
0,2% …judeus (-01%)
A profanação ou desconsagração de templos significa para a Igreja Católica o fim da utilização do espaço para celebrações litúrgicas. Isso ocorre no momento da demolição ou venda.
A tradição diz que uma última missa deve ser celebrada no templo.
Os protestantes na Suíça não têm essa prática, pois não consideram os templos como lugares sagrados.
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