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Memórias de um missionário suíço em Moçambique

Etienne Junod com sua amiga de infância

O Centro Junod, dedicado à memória do missionário suíço Henri-Alexandre Junod, célebre pelo seu livro "Usos e Costumes dos Bantu", abriu as suas portas a estudantes, pesquisadores e curiosos na sede da Missão Suíça de Ricatla, a poucos quilómetros de Maputo.

Para a cerimónia de inauguração vieram muitas pessoas da Suíça, entre elas seu filho Etienne Junod, nascido na missão de Ricatla, no dia em que completava 94 anos.

Uma grande festa, no planalto de Ricatla, entre cantos em tsonga e encontros de antigos professores e alunos, no meio de árvores, entre as quais o canhueiro santo, onde, conta a lenda, Henri Junod se repousou quando, cansado da sua viagem, à procura de um sítio onde começar seu trabalho missionário, descansou naquela sombra.

“É um centro importante para reflectirmos sobre a nossa história”, diz José Tovela Júnior, pastor, capelão e professor no Seminário Unido de Ricatla.

Saber mais da própria história

“Aqui estudaram muitos homens, incluindo Eduardo Mondlane, o primeiro presidente da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique). É aqui que eram formados professores que iam trabalhar no campo dando as primeiras letras às crianças moçambicanas, privadas do ensino pelo colonialismo. E é aqui que ainda hoje são formados teólogos do ecumenismo”.

O filme Junod, do realizador moçambicano Camilo de Sousa, foi projectado para a comunidade local e recorda a vida de Henry-Alexandre Junod que se tornou um colector pioneiro no campo da entomologia e da botânica.

Filme de Camilo de Sousa

Pelo caminho vamos ouvindo e vendo testemunhos do missionário que, mais de sessenta anos após a sua morte, continua a ser respeitado, estudado, recordado e amado, desde Pretória a Maputo, da missão de Ricatla até à farma de Magalisberg, onde vive o seu neto.

Enriquecem esta peregrinação, do lado sul-africano, estudiosos, professores, historiógrafos. A curadora do Museu de Pretória, que mantém aberta ao público uma secção dedicada a Henri Junod, mostra-nos objectos de arte e cartas manuscritas, documentos que esclarecem o trajecto pessoal e intelectual deste missionário que foi também sociólogo, antropólogo e autor de pelo menos uma obra de ficção.

Documentos estavam dispersos

O arquivo do Centro Junod terá o acervo de toda a documentação até agora espalhada por vários museus. Com milhares de documentos e fotografias, desempenhará um papel muito importante para o conhecimento histórico de Moçambique, tornando o passado acessível, sobretudo com os documentos relativos ao final do século 19 e o começo do século 20, período até hoje pouco documentado.

No museu está exposta uma colecção de artefactos, sobretudo prendas que os missionários levaram para a Suiça, e que hoje voltam a Moçambique para servir de material de estudo e memória para o povo moçambicano.

“O Centro é uma mais valia de muitas facetas. Não só é uma fonte de inspiração para a comunidade local, mas representa uma fonte de inspiração científica para o país, para quem queira saber mais sobre Moçambique, e sobre o papel das igrejas na nossa história”, diz o pastor Tovela.

“Junod escreveu que os Vatsonga quando se ignoram a si próprios é quando eles são, pois eles não tiveram a cultura de arquivar documentos para as gerações futuras buscar conhecimento. Nós precisamos conhecer os nossos valores passados para termos inspiração do futuro. Nós entregamos os nossos valores aos missionários, e agora voltam para cá. Começaremos a interpretar aquilo que foram os nossos antepassados, e aí sim começaremos a deixar de nos ignorar.”

Papel dos missionários

Os missionários suíços desempenharam um papel importante ao ajudarem a entender a África ao mundo literado nos fins do século 19 e inícios do século 20, escreveu Patrick Harries, autor de Junod e as sociedades africanas.

Eles trouxeram um conhecimento ordenado e formulado acerca do continente africano, e os povos nativos absorveram idéias importadas para o seu sistema de conhecimento. Através de um processo de intercâmbio e compromisso, novas idéias e práticas que mexeram com as sociedades africanas antes e durante os primeiros anos do colonialismo.

A Missão Suíça é parte da história de Moçambique como país independente até pela influência que teve no despontar dos primeiros ideais para a libertação do jugo colonial, como recorda o embaixador suíço, Thomas Litscher.

“Toda a elite no poder tem tido uma relação com o sistema educativo posto de pé por esta missão. Todos reconhecem que a Missão Suíça contribuiu para o nacionalismo e a luta pela independência”, acrescentou o embaixador.

O Centro Junod tem como objectivo dar um acesso directo a um património de grande valor histórico e nacional, que diz respeito a 120 anos de relações intensas entre Moçambique e a Suíça, em particular através da conhecida Missão Suíça.

swissinfo, Paola Rolletta, Maputo

Henri-Alexandre Junod nasceu em 1863, em Neuchâtel, oeste da Suíça.
Faleceu em Genebra, em 1934.

Foi missionário protestante na África Austral, antropólogo, etnólogo sobretudo dos povos Tsonga.

Quando de sua primeira estadia na África (1889-1896), coletou plantas, insetos e borboletas, muitos enviados a museus na Suíça e na África do Sul mas também já se interessava por etnologia, antropologia e linguística.

Fez outras viagens à África Austral, publicou uma gramática de TsongaShangaan e fez uma coletânea de canções Ronga.

Fonte: Enciclopédia Britânica

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