Migrante vietnamita denuncia ‘escravidão moderna’ em plantação de maconha na Inglaterra
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Xuan se “afogava” com a cannabis. Dia e noite, trancado e sozinho, esse migrante vietnamita era explorado em uma plantação na Inglaterra sob a ameaça de ser morto por traficantes se a colheita não fosse boa.
Os imigrantes vietnamitas estão entre os mais numerosos a cruzar o Canal da Mancha de forma irregular, atrás de afegãos e iranianos. O Ministério do Interior britânico registrou 3.307 pessoas procedentes deste país asiático entre janeiro e setembro de 2024.
No entanto, também estão entre os mais expostos ao trabalho forçado. Quase 1.000 vietnamitas foram supostamente vítimas de escravidão moderna em 2023, de acordo com números reportados às autoridades britânicas.
Para James Fookes, da ONG Anti-Slavery International, eles representam apenas “a ponta do iceberg” de um tráfico humano “bem funcional” entre o Vietnã e o Reino Unido.
Assim como Xuan, muitos vietnamitas acabam em uma plantação de cannabis depois de se endividar em seu país.
“Quando investi no mercado imobiliário, perdi muito dinheiro”, disse ele à AFP, usando um pseudônimo por questões de segurança.
Incapaz de pagar suas dívidas com o que ele descreve como “gangsters”, em 2015 ele recebeu uma oferta para vender seus órgãos ou ir trabalhar no Reino Unido.
Xuan voou para a Rússia, depois para os Países Baixos, depois pegou um trem para a França e então cruzou o Canal da Mancha, escondido em um caminhão, com cerca de outras dez pessoas, a maioria vietnamitas.
Descoberto pela polícia, ele foi internado em um centro para solicitantes de asilo e depois foi morar com um sobrinho em Londres.
Em 2016, quando estava saindo de uma delegacia, onde era obrigado a se apresentar regularmente, dois indivíduos desconhecidos o forçaram a entrar em um carro e o obrigaram a falar ao telefone.
“Um vietnamita me disse no telefone para ouvir aqueles dois homens, caso contrário eles me matariam”, explica Xuan.
– “Aterrorizado” –
Ele foi levado para o norte da Inglaterra. “Fiquei aterrorizado”, ele lembra. Durante meses, trabalhou em um armazém, carregando caixas com conteúdos misteriosos, sem ser pago, ao lado de outros homens, com os quais não tinha permissão de se comunicar.
“Eu era espancado com frequência”, diz Xuan, agora com 58 anos, em meio às lágrimas. “Eu só queria continuar vivo para que um dia eu pudesse ver meus filhos novamente”, acrescenta.
Eles então o levaram para uma plantação de cannabis, que era uma casa de três andares, mas com plantas de cannabis por toda parte, exceto nos banheiros e na cozinha. À noite, ele descansava “pouco”, em um colchão.
“Eu estava sozinho, vigiado periodicamente por aqueles que me levaram para a casa, que estava fechada”, explica.
Ele tinha que regar, fertilizar e garantir que a cannabis crescesse bem.
Em 2021, durante a pandemia, ele adoeceu.
“Eu não conseguia respirar ou trabalhar. Eu tinha medo que eles me matassem por não fazer meu trabalho direito”, diz.
E decidiu fugir quebrando uma janela, não tendo nada a perder.
“Eu morreria de qualquer maneira”, conta.
Ele conseguiu chegar a Londres de trem, onde em determinado momento desmaiou na rua. Depois de ser tratado no hospital, ele contatou a polícia.
As autoridades o entregaram ao Exército da Salvação, uma organização contratada pelo governo para ajudar vítimas da escravidão moderna, que cuidou de 135 cidadãos vietnamitas desde 2021.
Embora Xuan tenha conseguido escapar, o trabalho forçado de muitos geralmente terminava quando a polícia invadia uma plantação.
– “Se eu voltar, eles vão me matar” –
Em abril de 2024, o Reino Unido e o Vietnã assinaram um acordo para combater o tráfico de pessoas.
“O governo vietnamita fez um progresso significativo” em ajudar seus cidadãos a evitar cair na escravidão moderna por meio da conscientização da população, afirma Mitsue Pembroke, chefe da Organização Internacional para as Migrações (OIM) em Hanói.
“É essencial fortalecer a cooperação com os países de trânsito e de destino”, enfatizou.
O acordo entre os dois países também tinha como objetivo desencorajar a imigração irregular para o Reino Unido.
Xuan, que frequentemente tem problemas para dormir, mora nos arredores de Londres em uma casa protegida, cujo endereço é mantido em segredo pelo Exército da Salvação.
Seu sonho é ficar e ter seus dois filhos perto. “Se eu voltar para o Vietnã, os gangsters vão me matar”, diz ele.
Seu pedido de asilo foi rejeitado em 2024 e agora ele aguarda a decisão de um recurso que apresentou.
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